EDITORIAIS
2022 pode ser diferente de 2018
O Estado de S. Paulo
É um erro transformar as eleições em
disputa de quem grita mais alto contra a corrupção. Que os bons nomes
apresentem boas propostas de governo
Segundo mostrou o Estado, ao menos onze
pré-candidatos já se apresentaram para as eleições presidenciais do ano que
vem. Excetuando Lula da Silva e Jair Bolsonaro – cuja nociva passagem pelo
poder deveria bastar para que a perspectiva de vitória de um ou de outro no ano
que vem cause apreensão –, há nomes bastante razoáveis, com passagens muito
positivas pela administração pública, à disposição do eleitorado.
Ainda há tempo para que surjam outros
candidatos honestos e competentes, além dos que já lançaram sua pré-candidatura.
De toda forma, é alvissareiro constatar que não será por falta de bons
postulantes que o País será impedido de ter, a partir de 2023, um presidente da
República responsável, equilibrado e com espírito democrático.
Deve-se reconhecer, no entanto, que isso não basta. Em 2018, havia bons nomes na disputa presidencial e, mesmo assim, o segundo turno das eleições foi entre aquele que fazia às vezes de Lula da Silva – então preso, em razão de condenação criminal – e Jair Bolsonaro – deputado medíocre, conhecido pela renitente falta de decoro parlamentar. Com três décadas de vida política, o ex-capitão não tinha nenhuma realização ou legado a apresentar. Vale notar que a mudança para o Palácio da Alvorada não alterou o quadro. A incivilidade e a incompetência continuam sendo características de sua atuação.
A experiência de 2018 é categórica. Para
uma escolha responsável nas eleições presidenciais, ter bons candidatos é
condição necessária, mas não suficiente. A campanha eleitoral precisa ser um
espaço efetivo de diálogo e debate sobre as propostas de governo dos
candidatos. Tal requisito envolve diretamente partidos, candidatos e também a
chamada sociedade civil organizada.
Trata-se de ponto fundamental da
democracia. O eleitor deve saber o que de fato está escolhendo com o seu voto
para presidente da República. Por exemplo, ele não decide na urna nada a
respeito de combate à corrupção. A investigação e a punição dos crimes
cometidos contra a administração pública não dependem do presidente da República.
Tais atividades não são decorrência de escolhas políticas, mas do cumprimento
da lei.
Esta é uma das grandes qualidades do Estado
Democrático de Direito. A aplicação da lei não depende da política. Ela é feita
pelo Poder Judiciário, que dispõe de prerrogativas para exercer com
independência suas funções. Nessa tarefa, é auxiliado pelo Ministério Público,
que também dispõe de autonomia funcional. Isso não é mera teoria, como se pode
ver na história recente do País. Grandes investigações de corrupção ocorreram
durante as administrações petistas, a despeito do óbvio desinteresse do partido
em promovê-las.
É um grave equívoco transformar as eleições
presidenciais em disputa de quem grita mais alto contra a corrupção. Além de
despistar o eleitor das reais questões que ele terá de escolher com seu voto na
urna, isso contribui para que candidatos desprovidos de um mínimo programa de
governo – que não deveriam ter nenhuma relevância no cenário eleitoral –
apareçam aos olhos do público como nomes viáveis politicamente.
É de perguntar por que será que os
candidatos populistas falam tão pouco de políticas públicas de saúde, educação
e economia, por exemplo, e falam tanto de combate à corrupção e de moralidade e
bons costumes? Infelizmente, a velha tática diversionista tem funcionado, como
mostram as eleições de 2018.
A imperiosa necessidade de eleger em 2022
um presidente da República honesto e competente deve ir além, portanto, da
existência de candidatos responsáveis, com experiência na gestão pública. É
preciso oferecer ao eleitor um debate sincero sobre as políticas públicas que
se pretende implementar durante o próximo mandato presidencial. Assim, a urna
poderá proporcionar, em vez de seguidas decepções, o grande fruto da
democracia: a população de um país escolher de fato os rumos de seu governo.
Mais do que promessas, em uma eleição presidencial é imprescindível discutir os
meios, os caminhos. Que os bons nomes apresentem boas propostas de governo, com
políticas públicas convincentes e entusiasmantes.
A oportunidade da América Latina
O Estado de S. Paulo
Mais afetada pela pandemia, que acentuou
seu atraso, a região pode mudar sua trajetória. Só depende dela mesma
A pandemia foi e está sendo particularmente
dura com a América Latina. O índice de mortos por covid-19, em grande parte por
causa do Brasil, é um dos mais altos do mundo. Também o impacto econômico da
pandemia foi mais forte na região do que no resto do mundo. A economia
latinoamericana encolheu 7% no ano passado, mais do que a mundial – e a recuperação
em 2021 é mais lenta na região, com o Brasil, novamente, contribuindo de
maneira intensa para isso. E 2022 não será um ano muito melhor. Até a
democracia parece fraquejar em algumas partes da região.
Não faz muito tempo, a América Latina
conseguia crescer em ritmo mais intenso do que boa parte dos países
desenvolvidos. Mas dados recentes, relativos a práticas econômicas retrógradas
na maior parte dos países – e o Brasil é sempre lembrado –, levam a perguntar
se o tempo está acabando para a região. É a questão que levanta a revista The
Economist, em densa reportagem reproduzida pelo Estado (27/10).
O tempo pode, mesmo, estar acabando, se
tudo continuar como tem sido nos últimos anos. Mas pode haver oportunidade de
mudar essa trajetória de atraso, e a revista sugere que este pode ser o
momento.
Começar a recuperar o que se perdeu exige
mudar de maneira substancial o que a maioria desses países vem fazendo em áreas
vitais para o crescimento, sobretudo na integração com o resto do mundo.
Trata-se de buscar a ampliação das trocas comerciais, a inserção na cadeia
global de suprimento e produção e a absorção de tecnologia, tudo tendo em vista
o crescimento das economias nacionais. É preciso também formar profissionais
capazes de enfrentar os desafios que as transformações da economia mundial
impõem.
Não será tarefa fácil em países cujos
governos se acostumaram a protelar soluções para problemas estruturais. O que a
revista inglesa mostra é o resultado dessa atitude complacente, geralmente
tolerada pela população.
A precária infraestrutura logística talvez
seja a representação física mais notável das consequências dessa complacência.
A falta de meios de transportes que estimulem a produção e o comércio é notória
em boa parte da região. O sistema portuário, com poucas exceções, beira a
obsolescência, o que atrasa e encarece o transporte de bens, especialmente os
de exportação.
Além da deficiência da infraestrutura,
esses países pouco fizeram para criar os instrumentos necessários à ampliação
das trocas comerciais. Em média, todos são muito fechados às importações – e o
Brasil é novamente lembrado como um exemplo óbvio. Curiosamente, governos
latino-americanos fecharam 450 acordos bilaterais desde 1973, segundo a
revista. Parece uma indicação de maior integração comercial com o resto do
mundo. Mas 370 desses acordos foram com países da região, não com países
desenvolvidos, dos quais os latino-americanos poderiam obter tecnologia mais
avançada.
E mesmo tendo voltado a maioria dos acordos
para países da região, os latino-americanos não conseguiram formar cadeias
interligadas de fornecimento na região, o que, pela proximidade, poderia
dar-lhes ganhos de eficiência. Continuam isolados do ponto de vista produtivo.
E a América Latina continua a ser uma das regiões comercialmente mais
inacessíveis do planeta.
Citado como obstáculo ao acordo
Mercosul-união Europeia por sua atitude agressiva em relação aos países
europeus que condenam sua política ambiental, especialmente por causa de sua
pusilanimidade na questão do desmatamento da Amazônia, o presidente Jair
Bolsonaro é lembrado como exemplo de governante que contribui para o isolamento
da região. Poderia ser lembrado por muitas outras atitudes retrógradas.
A excessiva dependência econômica da
América Latina da China pode, agora, tornar-se elemento de vantagem no seu
relacionamento com os Estados Unidos. A necessidade do governo do presidente
Joe Biden de fortalecer seus vínculos com a região, para enfraquecer a
influência da China, pode ser a oportunidade para os países da América Latina
negociarem com Washington mais apoio para seu crescimento e modernização. É o
momento de que fala The Economist.
Folha de S. Paulo
Estudo valoriza impacto de políticas
públicas na redução da disparidade social
Um
novo trabalho do Insper altera pela terceira vez em poucos anos a
compreensão sobre a evolução recente da enorme desigualdade de renda no país.
Agora, felizmente, voltaram a surgir evidências de que houve melhora no
indicador desde o início deste século, algo que havia sido posto em dúvida
antes.
A primeira geração de estudos, com o uso de
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, apontou
que a distância entre ricos e pobres caiu ao longo da década retrasada e do
início da década passada, conforme aumentavam os salários dos extratos pobres e
intermediários da distribuição de renda.
Tais resultados, que se tornaram marcas
importantes das administrações petistas, subestimavam, contudo, ganhos dos
brasileiros mais abonados oriundos de juros, dividendos e aluguéis.
Para contornar essa deficiência, um segundo
grupo de trabalhos utilizou informações das declarações do Imposto de Renda —e
apurou uma desigualdade maior, que não teria caído no período.
Ademais, uma atualização divulgada no final
de 2020 pelo World Inequality Lab, centro dirigido pelo francês Thomas Piketty,
mostrou inclusive uma piora sensível do indicador nos últimos anos.
Agora, os pesquisadores do Insper tratam de
outras omissões importantes. Utilizou-se a Pesquisa de Orçamentos Familiares
(POF)do IBGE para capturar com maior precisão as rendas não monetárias dos mais
pobres.
Nessa rubrica estão, por exemplo, serviços
de educação e saúde proporcionados pelo Estado, em adição a aposentadorias,
benefícios assistenciais e outras transferências diretas de recursos.
O trabalho conclui que houve redução da
desigualdade entre 2002 e 2017. Os cálculos indicam que o índice de Gini, que
mede a disparidade de renda numa escala de 0 a 1, caiu de 0,583 para 0,547 no
período.
É preocupante, no entanto, que o índice
tenha voltado a crescer nos dois anos finais.
Talvez a principal contribuição da nova
metodologia adotada seja chamar a atenção para o impacto de políticas públicas
em áreas fundamentais para mitigar a assimetria de oportunidades.
Em particular, a incorporação dos gastos
com educação infantil e fundamental reduz materialmente a distância entre ricos
e pobres, uma confirmação do óbvio —de que melhorias nessa área são caminho
para o progresso sustentável.
Focalizar os gastos nas áreas com maior
capacidade de quebrar os mecanismos estruturais de reprodução da pobreza e da
desigualdade, eis o grande tema que deve nortear a ação do Estado brasileiro.
Zero compromisso
Folha de S. Paulo
Bolsonaro anuncia nova meta de emissões
para COP26, mas não há real novidade
Após cenas consternadoras protagonizadas
pelo presidente e por esbirros na Itália, Jair Bolsonaro logrou constranger o
Brasil mais uma vez lançando na Escócia uma nova
meta nacional para enfrentar a crise planetária do clima.
Não foi em Glasgow que se deu o anúncio, a
bem da verdade. Bolsonaro compareceu apenas em efígie à cúpula COP26, falando
por vídeo. A transmissão do dignitário evadido nem mesmo foi exibida no plenário
da conferência das Nações Unidas, ficando restrita a acólitos reunidos no
pavilhão brasileiro.
Na tela apareceu ainda o ministro do Meio
Ambiente, Joaquim Leite, que tampouco chegara a Glasgow —mas este, ao menos,
tem comparecimento confirmado.
O Planalto anunciou na oportunidade que
elevou de 43% a 50% o compromisso de reduzir emissões de carbono até 2030, como
contribuição para conter o aquecimento global em 1,5ºC.
Em aparência, a delegação brasileira
estaria cumprindo o mandato imposto a todos os países de tornar mais ambiciosos
seus objetivos de corte de emissões apresentados em 2015, para o Acordo de
Paris. Mas foi jogo de cena.
Em realidade, o governo não avançou um
milímetro, em termos absolutos, na meta fixada por Dilma Rousseff (PT) na
capital francesa. Naquela ocasião o país se comprometera a evitar a emissão de
1,2 bilhão de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (GtCO2e), mesma
cifra ora adotada.
Por trás do aparente paradoxo oculta-se um
artifício escritural. Como a redução é calculada sobre o ano-base 2005,
qualquer alteração do volume emitido naquele ano implica mudança na quantidade
de CO2 a ser evitada.
O segundo inventário nacional de gases do
efeito estufa fixou em 2,8 GtCO2e a poluição climática brasileira de 2005; o terceiro,
em 2,1, e o quarto, em 2,4. Essas revisões, resultantes de metodologias
aperfeiçoadas, são feitas por vários países e tidas como aceitáveis pelos
parâmetros das Nações Unidas.
Com a meta anterior de 43% de corte, o
montante do compromisso assumido em 2015 era 1,2 GtCO2e. Aplicando agora 50%
sobre 2,4, obtém-se o mesmo 1,2. Em valores nominais, portanto, voltamos ao
ponto de partida.
A manobra tem as pegadas de três
presidentes: Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Só o terceiro,
entretanto, ocupa atualmente o poder —o mesmo que fugiu da COP26 e derrubou a
credibilidade do Brasil com suas políticas antiambientais.
Turbulência fiscal desafia a gestão da
dívida mobiliária
Valor Econômico
O cenário segue conturbado com as dúvidas
do governo a respeito de como financiar o programa Auxílio Brasil e o pagamento
dos precatórios
A administração da dívida mobiliária
federal não passa incólume pelo vendaval que assola a política fiscal. Desde
agosto, o custo de financiamento da dívida sobe, com o aumento da percepção de
risco e elevação dos juros. Os resgates aumentaram, o Tesouro teve que limitar
a quantidade e o mix de títulos oferecidos e avançar no colchão de liquidez. A
perspectiva é que a turbulência vai continuar.
Os dados de setembro que o Tesouro acaba de
divulgar mostram o impacto. O aumento do juro de longo prazo, que chegou a 11%
naquele mês, teve reflexo nos leilões de títulos realizados. As taxas subiram
cerca de meio ponto. As Letras do Tesouro Nacional (LTNs) de 24 meses, vendidas
inicialmente a 9,13% ao ano, terminaram o mês a 9,61%. As LTN de 48 meses
passaram de 9,78% para 10,25%. O custo médio do estoque da dívida mobiliária
federal interna subiu de 7,96% para 8,10%, o maior valor desde maio de 2020. Na
semana passada, o juro de longo prazo já havia subido mais, chegando aos 12%. As
taxas das Notas do Tesouro Nacional da série F (NTNs-F), que haviam atingido
11,16% nos leilões de setembro, o maior patamar desde 2018, chegaram a 11,89%
em outubro.
Como vem fazendo desde agosto, quando o
ministro da Economia, Paulo Guedes, “descobriu” o meteoro dos precatórios, o
Tesouro tem limitado a oferta de papéis prefixados e indexados a preços,
considerados de maior risco e, portanto, mais difíceis de precificar. A tarefa
foi dificultada em setembro quando houve um megavencimento de LFTs, que são
prefixadas. Foi o segundo maior resgate desse tipo de título da série
histórica, em um total de R$ 234 bilhões, depois do registrado em abril, que
somou R$ 331,3 bilhões.
Nessas ocasiões, há geralmente demanda para
recompor o estoque que venceu. Mas apenas 66% delas foram repostas. Como
resultado, o mês fechou com vendas inferiores aos resgates e saldo negativo de
R$ 90,2 bilhões. O estoque da dívida mobiliária federal acabou registrando uma
queda, relativamente rara, inferior a 1%, para o patamar de R$ 5,4 trilhões.
Com isso, diminuiu o colchão de liquidez
que o Tesouro sempre se vangloria de exibir como garantia para os temores de
insolvência, que voltaram a circular pelo mercado. Foi uma queda pequena, é
verdade, de 8,1% para R$ 1,128 trilhão que, como foi salientado na apresentação
do número, valor pouco inferior ao total de R$ 1,3 trilhão de vencimentos dos
próximos 12 meses. No entanto, já em 1º de outubro esse colchão caiu abaixo da
marca de R$ 1 trilhão, com resgate igualmente expressivo de cerca de R$ 270
bilhões de LTNs. Felizmente, novembro e dezembro não concentram vencimentos
significativos.
Mas os próximos meses não prometem mais
facilidade na administração da dívida mobiliária. O cenário fiscal segue
conturbado com as dúvidas do governo a respeito de como financiar o programa
Auxílio Brasil e o pagamento dos precatórios.
Na frente externa, avança a desmontagem dos
estímulos monetários criados na pandemia. A elevação dos juros internacionais
vai competir pelo interesse do investidor estrangeiro, que vinha aumentando sua
presença no mercado. A participação dos estrangeiros no financiamento dos
títulos públicos brasileiros aumentou de 9,8% para 10,1% entre agosto e
setembro. Mas era de 18,8% em 2015. O risco do país, medido pelo CDS, aumentou
para 228 pontos em outubro em comparação com 208 pontos em setembro, o que
reflete a preocupação com a situação fiscal.
Seguem bancando as compras de títulos da
dívida mobiliária federal as instituições financeiras, com 31,3%, seguidas
pelos fundos, com 23,2%, totalizando 54,5% Os dois grupos dominavam 44,6% em
2015.
Investidores menos acostumados chegam a se preocupar. A economista-chefe do J.P. Morgan no Brasil, Cassiana Fernandez, disse recentemente que, pela primeira vez desde 2016, os investidores voltaram a fazer perguntas sobre a solvência da dívida brasileira, manifestando a preocupação com a relação dívida/PIB e com o risco de suspensão de pagamentos. O próprio ministro Guedes inspirou a dúvida quando disse em relação aos precatórios a máxima dos caloteiros - “devo não nego, pago quando puder”. Especialistas acostumados com o Brasil avaliam que está distante uma crise como a que a Argentina enfrentou. Mas isso não é garantia de estrada plana à frente na administração da dívida mobiliária federal para a nova equipe do Tesouro.
Lei de Acesso à Informação não pode ser
sabotada
O Globo
Um dos instrumentos de trabalho do
jornalismo investigativo profissional está prestes a completar dez anos.
Trata-se da Lei de Acesso à Informação (LAI), sancionada em novembro de 2011 e
posta em vigor no ano seguinte. Graças a ela, a opinião pública ficou sabendo
de inúmeros fatos perdidos ou escondidos nos escaninhos da burocracia estatal.
De segredos sobre os anos da ditadura militar a irregularidades nos gastos de
parlamentares, a LAI ajudou a trazer à tona informações de extrema relevância
sobre o passado e o presente.
Um relatório recente da Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostrou que metade de 384
repórteres entrevistados usava a LAI para requerer informações a órgãos
públicos. Embora seja central no trabalho jornalístico, ela não é de uso
exclusivo da imprensa. Organizações não governamentais e partidos políticos
também costumam acioná-la com frequência.
Por tudo isso, é inaceitável que o governo
do presidente Jair Bolsonaro venha trabalhando para impedir ou dificultar o
fluxo de dados e a transparência. Como mostrou reportagem do GLOBO, com base em
dados da Controladoria-Geral da União (CGU), na atual gestão o percentual de
pedidos atendidos foi de apenas 65%, ante 71% no governo Dilma e 67,5% no
governo Temer.
Do dia da posse a agosto deste ano, 16
entre 23 pastas registram menor percentual de pedidos concedidos que no governo
Dilma. O Ministério da Defesa foi o que mais se fechou. Na administração
petista, 81% das solicitações eram atendidas, ante 57% na atual.
Um dos casos mais escandalosos de abuso de
sigilo envolveu o general Eduardo Pazuello, o inepto ex-ministro da Saúde
indiciado pela CPI da Covid por crimes contra a humanidade. Em maio, Pazuello
participou de manifestação política ao lado de Bolsonaro no Rio, ato vedado a
militares da ativa. Foi aberta sindicância, mas, para surpresa de todos, ele
não foi punido. O Exército ainda determinou sigilo de cem anos aos documentos
relativos ao caso. O mesmo prazo foi estabelecido para dados sobre o acesso dos
filhos do presidente ao Palácio do Planalto e para o cartão de vacinação de
Bolsonaro. Não há justificativa plausível para vedar acesso a todas essas
informações, de óbvio interesse público.
O Exército foi contrário à LAI quando ela
era discutida no final da primeira década deste século. Um texto de 2008,
assinado pelo general Joaquim Silva e Luna, então chefe de gabinete do
comandante da Força e atual presidente da Petrobras, informava que o Comando do
Exército assumia posição “contrária à transformação do anteprojeto em projeto
de lei”.
Não chega a ser surpresa que um presidente
eleito com base em fake news, que governa ancorado na desinformação e mente até
para outros chefes de Estado, seja contrário à transparência. Para seus
assessores diretos no Planalto, há um sentido político no que fazem. Bolsonaro
esquece, porém, que existe uma sociedade civil engajada na defesa da
democracia, nem um pouco disposta a deixar que seu governo se esconda atrás das
barreiras que ele tenta erguer para sabotar a LAI. O acesso a informações
públicas é uma conquista da democracia brasileira que precisa ser preservada.
Acordo endossado por G20 é a maior medida
adotada contra paraísos fiscais
O Globo
Em meio ao debate climático, passou despercebida na reunião do G20 a medida
concreta de maior impacto adotada no encontro: o endosso ao imposto mínimo de
15% cobrado sobre as grandes corporações. Trata-se do maior passo já dado nas
finanças globais para combater os paraísos fiscais e, embora ainda existam
dúvidas pertinentes sobre a implementação, o mero fato de haver consenso no
tema é uma transformação notável.
Poucos anos atrás, os líderes globais
evitavam o assunto de todas as maneiras. Não por coincidência, o nome de
diversos deles apareceu em vazamentos de dados relacionados ao tema — o último
foi chamado de Pandora Papers. É o caso do russo Vladimir Putin, dos britânicos
David Cameron e Tony Blair, do tcheco Andrej Babis, do rei Abdullah, da
Jordânia, e de tantos outros (até o ministro Paulo Guedes). Embora a divulgação
da riqueza mantida em contas offshore sempre contribua para causar indignação,
pouco se discute o que fazer para resolver a questão na prática.
É certo que paraísos fiscais funcionam como
refúgio para lavar dinheiro do tráfico e da corrupção, mas a maioria dos que
mantêm contas neles age dentro da lei. Quer apenas lançar mão da vantagem
tributária. Mais preocupante nem é a elisão cometida por ricos ou celebridades,
mas a corporativa. Multinacionais costumam montar sofisticadas estruturas
societárias para pagar menos imposto. Alíquotas corporativas de 24% na média
global (34% no Brasil) se tornam 12,5% na Irlanda, 5% nas Ilhas Cayman e
Cingapura ou mesmo 0% nas Bermudas.
Graças a esses incentivos, diz estudo dos
economistas Thomas Torslov, Ludvig Wier e Gabriel Zucman, 40% do lucro das
multinacionais acaba desviado para entidades offshore, gerando perda anual de
até US$ 240 bilhões na arrecadação, ou 10% do total. O novo acordo, proposto
com base em trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e endossado por 136 países, entre eles o Brasil, tenta tapar
as brechas, promovendo uma “reforma tributária” para acabar com essa “guerra
fiscal global”.
Para garantir um recolhimento justo das
empresas, o acordo estabelece uma alíquota mínima de 15% no imposto
corporativo, sempre cobrada no destino — o local de venda dos produtos ou
serviços —, de modo a inibir a engenharia tributária para alocação dos lucros.
O aumento da arrecadação, estimado em no máximo US$ 80 bilhões, é relativamente
pequeno, mas menos importante que a transformação na atitude global diante do
assunto.
Os principais obstáculos ao êxito do acordo
são evidentes. Ele beneficia mais os países ricos, precisa ser aprovado pelo
Legislativo de todos os signatários e poderá ter efeito deletério nas economias
cujos governos se destacam pela frugalidade e capacidade de viver com menos
imposto (nem todo paraíso fiscal é resultado de competição predatória). Não
representa o fim dos paraísos fiscais, mas só um primeiro passo na direção de
um sistema tributário global mais equânime e menos sujeito a escândalos e
distorções.
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