“…de fato o Brasil é um país que nunca deu importância à educação”. (Cristovam Buarque)
As escolas públicas estão ressurgindo,
saindo de uma longa jornada de isolamento em que alunos e professores se
afastaram por imposição do vírus para uma grande reflexão sobre seu rumo.
O afastamento forçado foi uma oportunidade
– dentro da adversidade – propícia para que gestores e professores observassem
com mais precisão as lacunas, há muito tempo apontadas no ensino básico, e que
tem levado a tão pífios resultados: baixos resultados na aprendizagem dos
alunos; baixa permanência na sala de aula; violência na escola e pouca
integração com as comunidades.
As nossas escolas públicas há mais de cem
anos, desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, padecem das
mesmas dificuldades, ressalvadas algumas medidas paliativas. Os professores
nunca foram valorizados. Segundo José Geraldo Santana, em seu artigo A
Histórica desvalorização dos Professores, as emblemáticas palavras de D. Pedro
II nunca encontraram eco suficiente na sociedade brasileira. Disse D. Pedro II:
“Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e
mais nobre que a de dirigir as inteligências jovens e preparar os homens do
futuro”.
A elite brasileira nunca se preocupou com a
educação como fonte do conhecimento. A preocupação, na verdade, é com o caráter
utilitário do ensino universitário para extrair mais-valia e ganhar sempre mais
dinheiro.
“Não é de assustar, portanto, que os
professores sofram de síndrome do desencanto e que haja constante migração para
outras atividades e seja pequeno o percentual dos ingressos, no ensino
superior, que queiram dedicar-se ao magistério”, acrescenta Geraldo.
Numa crítica ao período republicano
instalado há 43 anos (Proclamação da República/1889), o Manifesto dos Pioneiros
apresentado à sociedade brasileira e ao governo Getúlio Vargas, em 1932,
expressava a preocupação com a dicotomia existente entre o pensamento econômico
e a organização da educação no país.
“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional. Pois, se a evolução orgânica do sistema cultural de um país depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças econômicas ou de produção, sem o preparo intensivo das forças culturais e o desenvolvimento das aptidões à invenção e à iniciativa que são os fatores fundamentais do acréscimo de riqueza de uma sociedade.” (Texto do Manifesto)
Padecemos dessa cegueira até os dias de
hoje. Somos um país capitalista dependente das commodities, hoje
representadas pelo agro negócio, a extensão do país rural do início da
República.
Escolas cada vez mais desvalorizadas
fizeram enormes esforços para suprir as necessidades metodológicas e
tecnológicas durante a pandemia – necessidades ausentes nas políticas de
governo – pela vontade e pelo compromisso dos seus professores. Encontramos na
mídia extensos relatos de professores que se desdobraram muito além das suas
possibilidades para não deixar que crianças e adolescentes ficassem totalmente
à margem do processo de aprendizagem durante a pandemia.
Às vésperas de um ano eleitoral, quando vamos
eleger novo presidente e novos governadores, o país deve exigir atitudes para
reorganizar a educação em seu território.
Há muito vem se falando na necessidade de
um Sistema Nacional de Ensino onde o poder central assuma maiores
responsabilidades com a permanência dos alunos nas escolas públicas de ensino
básico e com a formação e valorização dos professores, duas questões
fundamentais para a qualidade da educação e para o desenvolvimento do país.
Anísio Teixeira, cujo centenário de
nascimento comemoramos em julho deste ano, intransigente na sua postura de
considerar, há quase cem anos, a educação como direito de todos e zelar pela
sua qualidade, nos deixou um grande legado. Já naquela época evidenciava a
necessidade da formação universitária para todos os professores em sala de
aula, o que só foi definido na Lei de Diretrizes e Base da Educação, de 1996. E
tornava público “que mestres do amanhã devem ter uma formação intelectual muito
mais ampla e aprofundada do que tem sido até agora.” Algo quase impossível com
as duas ou três jornadas de trabalho à que são submetidos os professores
atualmente, situação provocada pelos baixos salários que não lhes garantem
sobrevivência digna.
“Pioneiro na implantação do ensino em tempo
integral, Anísio Teixeira criou um modelo de educação inovador para a
época… concebeu a escola como um espaço real no qual a criança do povo
pudesse praticar uma vida melhor: livros, revistas, estudo, recreação, saúde,
professores bem preparados, ciência, arte, clareza de percepção e crítica,
tenacidade de propósitos. Enquanto foi secretário de educação no governo
baiano, o educador construiu o Centro Popular de Educação Carneiro Leão, mais
conhecido como Escola-Parque. Mais tarde, seu grande amigo e educador Darcy
Ribeiro criou o projeto dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps),
baseado na experiência das Escolas-Parque.” (Clarice Nunes)
Defensor da Universidade Pública, Anísio
defendia o desenvolvimento de universidades capazes de serem polos de
irradiação científica, literária e filosófica, privilegiando a pesquisa como um
grande valor associado ao trabalho docente, lembrando a necessidade da formação
permanente dos professores.
Atualmente não se concebe um país como o
nosso, distante de um projeto pedagógico que abrigue a criança e o adolescente
em uma escola em tempo integral, não só porque traz proteção aos alunos e
libera os pais para o trabalho, mas sobretudo porque amplia a capacidade de
trabalho dos alunos na perspectiva do seu desenvolvimento integral, aglutinando
atividades imprescindíveis ao exercício da cidadania.
Para mim, e para muitos educadores, a
escola em tempo integral amparada por um projeto pedagógico com abrangência
cultural e democrática, pode reunir as condições para a melhoria da qualidade
da aprendizagem dos alunos e contribuir para a transformação do país.
Para Paulo Freire, “A democracia é, como o
saber, uma conquista de todos. Toda a separação entre os que sabem e os que não
sabem, do mesmo modo que a separação entre as elites e o povo, é apenas fruto
de circunstâncias históricas que podem e devem ser transformadas”.
Valorizar a escola, garantir aprendizagem
de qualidade e valorizar os professores são tarefas do Estado e da sociedade
garantidas pela Constituição Brasileira. “A educação, direito de todos e dever
do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho… pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas… gratuidade do ensino público em estabelecimentos
oficiais… valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na
forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso
público de provas e títulos, aos das redes públicas… gestão democrática do
ensino público… garantia de padrão de qualidade… piso salarial profissional
nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei
federal”. (Arts. 205 e 206)
Na verdade, parece mesmo que a educação não
é prioridade para a população brasileira, ocupada desde muito tempo com as
ações imediatas que dizem respeito à sobrevivência, como fala o nosso
engenheiro e educador Cristovam Buarque. “Em primeiro lugar, porque a população
é muito imediatista, tem problemas mais urgentes para resolver como a violência
e o desemprego. Por isso, as pessoas não percebem que precisam estudar para
conseguir emprego: querem emprego amanhã. Não percebem que para estancar a
violência é preciso que todos tenham outras oportunidades na vida, o que exige
educação. Querem resposta já e precisam, na verdade, ter. Não conseguem pensar
que lá na frente à educação resolve. Segundo, porque de fato o Brasil é um país
que nunca deu importância à educação”.
Então, já estamos muito atrasados em relação
aos outros países deste planeta terra que nós conhecemos.
Não precisamos mais de discursos, é preciso
construir uma consciência nacional que gere caminhos e ter atitudes corretas
para percorrê-los.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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