Folha de S. Paulo
STF vai na contramão do Iluminismo ao
tornar injúria racial delito imprescritível
Um passo decisivo para a humanidade foi
separar o direito penal da moral. O primeiro é uma instituição humana desenhada
para inibir condutas antissociais. Apela principalmente à razão e ao cálculo.
Não é coincidência que os códigos assumam a forma de tabela de preços: delito x
– y anos de cadeia. A moral é mais visceral. Ela surge dos impulsos com que a
biologia nos dotou para que pudéssemos sobreviver a nós mesmos. Ela se
materializa na repulsa ao assassino, na vontade de castigar aqueles que vemos
tentando obter vantagens indevidas etc.
O divórcio entre direito e moral se deu a partir do século 18, sob inspiração do Iluminismo. Ele possibilitou conter comportamentos que prejudicam a sociedade nos valendo de doses cada vez menores de violência estatal. Para início de conversa, deixamos de punir práticas que, embora alguns julguem imorais, não ameaçam o convívio social, como a blasfêmia e o sexo extramarital.
Também diminuímos consideravelmente o
tamanho dos castigos. A pena de
morte, sanção antes ubíqua, inclusive para delitos banais, foi quase extinta no
Ocidente. Idem para trabalhos forçados, degredo e prisão perpétua. Criamos
limitações às pretensões punitivas do Estado, como a prescrição, e, para
condenar, passamos a exigir processos regulares com amplo direito à defesa. Os
otimistas sonhávamos com um Estado cada vez menos violento, no qual o próprio
encarceramento se tornaria raro.
O STF, ao tornar a injúria racial um delito
imprescritível, faz o caminho inverso do Iluminismo. Volta a misturar direito
com moral. Mesmo considerando que o racismo é uma nódoa a ser eliminada, não
podemos esquecer que a injúria é uma infração menor. Até acho que dá para
tornar imprescritíveis delitos como genocídio e crimes contra a humanidade, mas
é ridículo imaginar que um sujeito possa, aos 70 anos, ser chamado ao banco de
réus por ter xingado um colega de escola aos 15.
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