Para Irineu José Ferreira e Gregório Bezerra (In memoriam)
Após 40 anos de reconquista de nossa
Democracia, o filme “O Agente Secreto” nos permite a releitura de alguns
autores do pensamento social brasileiro. Ao mesmo tempo, reencontramos alguns
filmes daquele esquecido (para alguns) e desconhecido (para muitos) ano de
1977. Segundo Luiz Werneck Vianna seria a inauguração de uma “Revolução dos
Interesses” que o autoritarismo moldou na sociedade brasileira como se fosse
uma possessão da “alma nacional”, ou seja, que mais adiante foi ceifando a
capacidade de pensar e refletir.
Esse é o convite do diretor Kleber Mendonça Filho para que as novas gerações, ao ficarem mais de duas horas e 40 minutos atentos ao filme, busquem referências no mundo atual. A sutil exposição da figura de como se produziu a narração dos eventos do filme se enquadram numa demonstração de como o historiador exerce seu ofício. Um “quebra cabeça” de fatos e evidências com a sua intervenção sempre contemporânea.
Um corpo está estendido no chão em um posto de gasolina a margem de uma grande plantação de cana de açúcar. Acredita quem quer que foi uma tentativa de assalto. A linha misteriosa está na abertura do filme e na sequência vemos um corpo estendido no chão. Um “segurança” precisava evadir de seu local de trabalho se fosse legítima defesa de sua vida? Ficamos no exercício da dúvida… Uma leitura de Homens livres na ordem escravocrata (1969), de Maria Sylvia de Carvalho Franco, reforçaria nosso incômodo. A autora escreve um livro, que foi dedicado a Florestan Fernandes, no qual nos daria ensejo a pensar numa violência que emerge nas relações sociais dos “refugiados da sociedade”.
Outra sugestão seria o livro O cativeiro
da terra (1979), de José de Souza Martins, ao nos permitir uma abordagem
sobre as relações sociais a partir do mundo agrário. O Pernambuco dos Senhores
de Engenho se transformou num estado de usineiros, assim, como se fossem
“máscaras”, nos personagens que se apresentam com “nomes de guerra” para
segurança de seu passado. Nesse momento podemos até opinar que o diretor fez a
grande contribuição ao cinema mundial ao desfazer a “máscara” de Capitão
Nascimento de Wagner Moura. Sua possível indicação ao Oscar de melhor Ator se
deve a leveza de como seu roteiro original aborda tamanho tema, complexo, sobre
as nuances da violência na sociedade brasileira.
Somos levados a imaginar sobre as histórias
de seus personagens e quais mistérios eles guardariam em segredo. A personagem
Dona Sebastiana é um desses melhores exemplos ao recontar, de formas distintas,
histórias sobre sua sobrinha. Viva ou morta, não poderia ser uma vítima da
repressão política uma vez que ela faz referências ao seu passado em terras de
Gramsci ora como comunista, ora como anarquista? Quais seriam os feitos que ela
teria a mencionar, mas que levaria ao túmulo? Uma possibilidade de despistar
seus ouvintes sobre sua contemporânea clandestinidade como “agente auxiliar” da
oposição?
Fiquemos nessas indagações como premissa e,
agora, pensemos na forte referência ao filme “Tubarão”, mas nos deixemos antes
pensar em Era uma vez no Oeste (1968), naquilo em que se refere a
expansão do capitalismo no mundo agrário norte americano, numa semelhança ao
que ocorria com o “capitalismo tecnoburocrático” daquele país no desmanche do
“milagre econômico”. Mas a memória afetiva do filme de Steven Spielberg é uma
correta vinculação de nosso autoritarismo às nuances do neoliberalismo que já
emergia no mundo “anglo-saxônico”. Outras cenas de filme de terror para nos
fazer cair numa realidade fraturada. Todavia, de 1976 a 1978 o cinema
brasileiro teve 4 filmes que estão entre os mais vistos em nossa história
como Dona Flor e seus dois maridos (1976), Lucio Flavio, o
passageiro da agonia (1977), A Dama do Lotação (1978) e Os
Trapalhões na Mina do Rei Salomão (1977; Filme da memória afetiva desse
autor, por ter sua estreia numa plateia de um Cinema).
Jorge Amado está presente no filme em vários
momentos, porém sua obra Seara Vermelha (1946) seria o som das
palavras ao redor no roteiro, ao lembrar os nordestinos que foram e de seus
herdeiros que voltaram. Outro autor, na mesma cultura política do célebre
baiano, é José Saramago, no qual o livro Todos os nomes (1997)
ilustra muito bem a função exercida por Marcelo em sua vida clandestina. Numa
busca pelo seu passado, ainda em mistério, sobre a ausência de uma mãe. Mas
deixemos os livros de ficção e retomemos aos livros do pensamento social
brasileiro.
O livro Nordeste (1937), de
Gilberto Freyre, é uma referência mais refinada ao público que se interessa
pelo pensamento político brasileiro e que vai assistir ao filme, na medida em
que a lenda urbana sobre do “Perna Cabeluda” nos leva ao universo Assombrações
do Recife Velho (1955): Corpos desaparecidos; Passados apagados; E uma
perna a circular na cidade como se fosse uma mensagem cifrada sobre como expor
um mundo onde 91 mortes em pleno carnaval exibe que não havia paz em tempos de
Ditadura Militar. Tempos em que o livro Os Donos do Poder: formação do
patronato político brasileiro (1958) começou há muito a circular nos meios
universitários do sudeste o que moldaria um partido antissistema antes do
tempo. E, por fim, acrescentemos a provocação ao coronelismo nos anéis
burocráticos de nossa segurança pública. Ao final do filme temos uma grata
oportunidade de sentir uma vontade de revê-lo muitas vezes, por ser brasileiro
e solidário.
*Vagner Gomes é Doutorando do PPGCP-UNIRIO.

Nenhum comentário:
Postar um comentário