domingo, 2 de novembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tempo para salvar planeta fica a cada dia mais escasso

Por O Globo

COP30 enfrenta realidade inescapável: metas de cortes de emissões têm sido insuficientes para evitar o pior cenário

A COP30 começará em Belém sob o espectro de uma realidade incontornável: o tempo passa, e as projeções feitas com base nas metas de corte das emissões de gases de efeito estufa se mostram insuficientes para conter o aquecimento global idealmente em 1,5°C, no máximo em 2°C, em relação ao início da Era Industrial, como prevê o Acordo de Paris. O limite é essencial para evitar as variações catastróficas no clima, que já começaram a acontecer. Infelizmente, a meta de 1,5°C já ficou para trás, segundo diagnóstico da própria ONU. Pior: não há sinais convincentes de que a negligência da humanidade com o futuro do planeta mudará no curto prazo. Ainda que a ciência tenha vencido o confronto com o negacionismo no plano das ideias, faltam passos concretos, planos de execução rápida. A união entre diplomacia e política é a única forma de tentar recuperar o tempo perdido até aqui.

Governos se movem sem pressa, apesar das sucessivas tragédias climáticas decorrentes da elevação da temperatura no planeta. A última foi o Furacão Melissa, na região do Caribe, de categoria 5, a mais elevada, com ventos de até 298km/h, turbinado pela anormal temperatura do Atlântico. O poder de destruição dos furacões tem crescido. Chuvas torrenciais multiplicam-se — provocando catástrofes como as enchentes no Rio Grande do Sul — e convivem com secas tórridas. Tudo tem acontecido como era previsto.

Dilemas de governantes diante do desespero dos governados, por Paulo Fábio Dantas Neto*

Ao findar-se uma semana marcada por uma chacina ordenada pelo governador do Rio de Janeiro, é inevitável que uma coluna sobre política seja afetada por essa pauta sombria. A operação, que se quer de guerra, inaceitável por uma razão sensata que entenderia e até pediria uma ação policial legítima, elevou, com intensidade de agonia, uma pauta social latente à condição de ordem do dia. Essa elevação de patamar e a compressão do tempo para qualquer digestão sobre ela impactaram a percepção da população do Rio, que pesquisas captaram instantaneamente. O apoio agonístico manifesto deixa perplexa a razão sensata a que me referi e a pista de que a sensatez não está captando sentimentos públicos que precisaria interpretar. A chegada do tema à ordem do dia, em ritmo de agonia, convoca, além da reação de pessoas comuns, a palavra da política, de quem não tem direito à perplexidade. Se os déficits cognitivos do estado e da sociedade civil são fatos, a omissão do agir político não pode ser.

Lendo hoje um artigo do articulista Demétrio Magnoli fiz-me, instintivamente, a pergunta derivada da sugestão que ele dá. Por que não uma intervenção federal na Segurança Pública do Rio para desativar o comando faccioso dessa barbárie e substituí-lo pela ação civilizatória do Estado nacional? Mesmo com algum déficit cognitivo sobre a realidade, essa decisão teria, de saída, o mérito do cumprimento de um dever. Recuperaria parte das energias cívicas cujo adormecimento leva ao apoio resignado à guerra.

E agora? Por Dorrit Harazim

O Globo

O governador Cláudio Castro e as forças policiais envolvidas no planejamento e ação praticaram uma chacina

Da forma como foi planejado, podia se esperar o pior. Mas foi pior que o esperado.

A realidade, escreveu o saudoso Leonard Cohen, é uma das possibilidades que não podemos nos dar ao luxo de ignorar. Desde as primeiras imagens, sons, cadáveres e testemunhos da Operação Contenção contra criminosos da cúpula do Comando Vermelho entocados nos complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, a realidade é uma só: na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o governador Cláudio Castro e as forças policiais envolvidas no planejamento e ação praticaram uma chacina.

— Foi um sucesso — comemorou Castro, antes mesmo do balanço final da caçada humana.

Até a noite de sexta-feira haviam sido computados 121 mortos, entre os quais quatro policiais e 117 “suspeitos” ou “bandidos”, na catalogação oficial.

A operação conseguiu fazer mais mortos do que presos (113), mais mortos do que feridos (15 policiais e quatro moradores), mais mortos do que os 104 palestinos eliminados por Israel em Gaza no mesmo dia. Tudo isso por zelo, visando a poupar os moradores daquele emaranhado de favelas, como proclama a versão oficial, ou por arroubo na execução da habitual “justiça sem julgamento”? O governador garante que tudo foi realizado e é investigado “com transparência absoluta”. Há que concordar com ele em um ponto: dentre todas as chacinas contra bandidos ou inocentes ocorridas no Rio (Acari, Candelária, Jacarezinho, Vila Cruzeiro, para citar apenas as mais infames), a da semana passada foi de fato transparente — ostensivamente transparente no resultado.

O dia seguinte, por Bernardo Mello Franco

O Globo

'Poder público não pode se comportar como criminoso', diz Macaé Evaristo (Direitos Humanos)

A ministra Macaé Evaristo não se conforma com a festa das autoridades fluminenses após o banho de sangue nos Complexos da Penha e do Alemão. “Fico estarrecida com gestores que comemoram, alegres, uma operação que deixou 121 mortos. É um número absurdo, que não pode ser relativizado”, indigna-se.

Na quinta-feira, a titular dos Direitos Humanos visitou a Vila Cruzeiro, um dos palcos da matança. Conversou com líderes comunitários e moradores que perderam filhos, irmãos e sobrinhos. “Eram majoritariamente mulheres negras chorando. O clima era de muita dor e emoção”, conta.

Bem-vinda, Terra, à COP de Belém, por Míriam Leitão

O Globo

O mundo chega nesta semana a Belém, mas falta um número sobre a mesa. Com os dados atuais, quanto a temperatura da Terra vai aumentar? O relatório síntese da ONU, que deveria trazer esse número, não trouxe. Seu fantasma estará sobre todas as cabeças. Diante da falta de compromisso da maioria dos países, o mundo talvez esteja contratando um aumento de temperatura de 2,3°C, o que levaria a tragédias climáticas. O Pnuma, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, deve dar esta notícia na terça-feira. Sob esse clima, o mundo vem a Belém, e o Brasil é mais uma vez o palco da escolha mais decisiva da humanidade.

A caminhada começou no Rio há 33 anos. Foi quando o mundo olhou o planeta Terra como deveria olhar. Agora, volta ao Brasil para a Conferência de número 30, em plena hora da verdade. A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris produziu um vexame para eles mesmos. Só há quatro países fora do acordo: Estados Unidos, Iêmen, Irã e Líbia. A ironia é o governo americano ter escolhido essas companhias, que eles próprios consideram países párias.

De onde vêm a malandragem, o banditismo e a truculência policial do Rio, por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Estado nunca se fez presente de forma permanente e legítima. A autoridade é exercida por quem oferece proteção, energia, gás, transporte ou simplesmente a paz imposta pela arma

Vamos começar por Manoel Antônio de Almeida, no folhetim “Memórias de um sargento de milícias” (1854-1855), clássico de nosso romantismo, que retrata a vida do Rio de Janeiro no início do século 19, na Corte de João VI, e desenvolve pela primeira vez a figura do malandro. Pouco antes da independência, como agora, a cidade era marcada por uma ordem social frouxa e negociável, pelo compadrio, pela esperteza e pela ausência de moral rígida, na qual emerge a figura de Leonardo, o anti-herói que ascende pela malandragem e pela proteção dos poderosos.

Estão ali retratadas as raízes profundas da cultura política e policial brasileira, na qual a lei é maleável e a autoridade se confunde com o favor, desde a criação daquela que viria a ser a Polícia Militar do Rio de Janeiro. O sargento Vidigal está vivíssimo, é o arquétipo da autoridade que oscila entre o arbítrio e a conivência, entre o Estado e o “jeitinho”, ao mesmo tempo repressor e corrupto, que encarna o poder de manter a disciplina, mas também de participar dos mecanismos informais de dominação e lucro. Mais atual impossível.

A segurança pública na encruzilhada, por Arthur Trindade M. Costa,

Correio Braziliense

É necessário estabelecer um arcabouço normativo que fomente e institucionalize a cooperação. Esse tipo de iniciativa tem pouca visibilidade e não dá voto. Entretanto, seus efeitos são duradouros e têm alto impacto

Um relatório do Ministério da Justiça apontou que, em 2024, existiam 88 facções de base prisional no Brasil. Sendo que 72 delas têm atuação local como os Bala na Cara, do Rio Grande do Sul, e o Comboio do Cão, do Distrito Federal. Há 14 facções regionais que atuam em mais de dois estados como o Comando da Fronteira, a Família do Norte e os Guardiões do Estado. O relatório também aponta a existência de duas facções nacionais: o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho. Elas estão presentes em quase todos os estados e têm conexões internacionais. A presença dessas facções desafia os governos, colocando-os diante de uma encruzilhada sobre a melhor forma de enfrentá-las.

O crime organizado não é um problema exclusivo do Brasil. A Colômbia viveu uma situação dramática na década de 1990, quando Cartéis dominavam parte do território de Bogotá e Medelín, além de praticarem atentados contra autoridades políticas. Para enfrentá-las, os governos municipais implantaram políticas exitosas de reforma urbana. Foi realizada também uma ampla reforma na polícia. Hoje, a situação da Colômbia está bem melhor do que há 30 anos.

Rigor contra tráfico e milícia, por Ana Dubeux

Correio Braziliense

Não é difícil sentir a dor das mães da Penha, do Alemão, da Candelária, de Acari, do Carandiru, dos policiais mortos. Mas é mais fácil decidir esquecê-las. O problema não vai sumir; a dor delas também não  

De novo, a imagem fortíssima de uma mãe em prantos, o recorte simbólico de uma fila absurda de mortos. Nunca antes tantos mortos. Mas sempre a colheita de uma safra que cresce à revelia, praga resultante da falta de políticas públicas de segurança e de assistência social do Estado nas favelas e comunidades, deixando-as à mercê do tráfico, das milícias e do crime organizado.

Muito se falou sobre a letalidade da operação do governo Cláudio Castro, que parou o Rio de Janeiro e deixou um saldo de mais de 120 mortos, entre eles quatro policiais. Muitos corpos resgatados pela própria comunidade, executados sem chances de julgamento. Famílias órfãs e uma dor dilacerante, coletiva e injustificável. O fato de haver pessoas com extensa ficha criminal entre mortos não alivia o sofrimento, nem justifica qualquer abuso promovido pelo Estado.

Novos ventos (e mortos) na política, por Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Direita avança sem Bolsonaro, ameaça pauta do governo e põe favoritismo de Lula em xeque

Com as 121 mortes na operação policial do Rio, acusada de chacina pela esquerda, aplaudida pela direita e, segundo as pesquisas, apoiada pela sociedade, a oposição se realinhou e ganhou novo ânimo e nova bandeira para superar a dependência de Jair Bolsonaro e enfrentar o favoritismo de Lula para 2026. O ambiente político, já tão instável, sofreu mais um solavanco.

Lula, que vinha deslizando na pista eleitoral praticamente como candidato único, deve se preparar para fortes obstáculos no Congresso, onde não se fala mais de anistia ou dosimetria para Bolsonaro, mas a pauta saiu da economia, prioritária para o governo, e desabou na segurança, solo fértil para a direita.

Respostas midiáticas à criminalidade, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo.

Guerra e terrorismo são diferentes de criminalidade e precisam de respostas diferentes

A chacina de israelenses em outubro de 2023, as execuções sumárias de palestinos pelo Hamas, a campanha militar de Israel na Faixa de Gaza, o bombardeio americano de embarcações no Caribe e no Pacífico e a operação da polícia no Rio de Janeiro têm um propósito político comum: saciar a sede de sangue do público.

Desde a Antiguidade, quando imperadores romanos punham gladiadores para lutar, os políticos lançam mão desse truque: entreter o povo com violência explícita. O Taleban promovia execuções nos intervalos das partidas de futebol. Pessoas agitadas pelo medo e pela raiva são fáceis de manipular.

Ainda há tempo para investigar o massacre de Cláudio Castro, por Paulo Sérgio Pinheiro

Folha de S. Paulo

Morticínio deve ser avaliado sob um contexto político-eleitoral mais amplo

É aterrorizante constatar que parte da população vibre com tal brutalidade

Décadas de experiência demonstram que o uso estratégico da inteligência é o caminho mais eficaz para enfrentar o tráfico de drogas e as milícias. Operações baseadas em informações precisas reduzem riscos para a população e para os agentes de segurança. Apesar desse consenso, o Brasil insiste em ações espetaculosas e militarizadas, incapazes de desarticular redes criminosas ou atingir os fluxos financeiros que as sustentam.

recente operação no Rio de Janeiro é exemplo trágico dessa lógica. Com cerca de 2.500 agentes mobilizados, resultou em 117 óbitos —muitos com sinais de execução, tortura e queima de corpos, além da morte de 4 policiais. Essa ação altamente letal, lembrou o Alto Comissário de Direitos Humanos da ONU, Volker Türk, indica que já é tempo de "fazer cessar um sistema que perpetua racismo, discriminação e injustiça".

Lula tem de criar amanhã comitê contra apagão da segurança, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Um grupo executivo de emergência pode ser embrião de instituição nacional anticrime

Sem resultados imediatos e plano, propaganda de política reacionária e letal vai avançar

O massacre do Rio deu um mote para a direita, que estava na defensiva. A chance de sucesso da contraofensiva cadavérica de governadores e outros políticos direitistas aumenta porque a esquerda quase nada faz em matéria de segurança.

Por falar em falta de programas de Lula 3, note-se o descaso com o setor elétrico, sob risco de colapso e crise financeira, salvo por ora apenas pela administração autônoma e competente do sistema. Ou a corrupção e a incompetência no INSS. Os Correios. Etc.

Interessa agora saber do desdobramento político desta outra encenação da farsa do "combate à violência".

Cláudio Castro mentiu, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Como o Comando Vermelho, o bolsonarismo continua funcionando

Entendo perfeitamente que você queira acreditar que a operação do governador Cláudio Castro no complexo do Alemão foi um sucesso. Todos queremos ouvir boas notícias sobre segurança pública.

Mas não foi dessa vez.

O nome da operação, "Contenção", pode dar uma impressão errada. O objetivo nunca foi impedir que o Comando Vermelho conquiste áreas da cidade que atualmente estão livres do crime organizado.

O objetivo da operação era impedir que o Comando Vermelho continuasse tomando áreas na região de Jacarepaguá que, no momento, são controladas pelas milícias.

Imagino que as autoridades tenham uma boa explicação para isso. Seria para evitar que o CV fechasse controle sobre o Rio todo, como o PCC (Primeiro Comando da Capital) faz em São Paulo? Talvez.

O conflito entre facções impediu que no Rio surgisse uma facção estável e centralizada como o PCC. Por outro lado, os fluminenses pobres sofrem muito mais com guerras de quadrilha sangrentas do que os pobres paulistas. É difícil saber qual dos dois quadros é pior.

O inimigo é outro, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

O embate político impede o combate real porque o banditismo não é de direita nem de esquerda

Cabe ao presidente liderar processo de unificação de forças para organizar o Estado e desorganizar o crime

Bandeira em disputa na campanha para a próxima eleição, a segurança pública da maneira como vem sendo abordada no impacto da operação no Rio não tem a menor chance de ser o vetor de unificação nacional necessário ao enfrentamento efetivo dessa calamidade.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem pisado com cuidado nesse terreno depois de ser traído pelo cacoete ideológico e injustificado desconhecimento da realidade, na frase sobre traficantes vítimas de usuários.

O Estado que mata e esculacha, por Juliana Diniz

O Povo (CE

Decapitar alguém é ação que exige tempo, esforço físico e colaboração - especialmente num contexto extremo de operação policial. Se as pessoas foram mortas em circunstância onde era possível evitar o resultado morte, o Estado praticou um crime e deve ser responsabilizado

Não há outra emoção para descrever o que senti diante dos efeitos da operação policial no Rio de Janeiro além do extremo choque. A violência exposta dos corpos enfileirados em praça pública, a dor das mulheres no reconhecimento coletivo, em condições indignas, dos cadáveres de seus familiares. Também o choque diante de muitas manifestações banalizando a morte de uma centena de pessoas como um efeito colateral possível de uma operação policial. Quem aplaude uma matança?

Quantas chacinas mais? Que fazer?...por Alfredo Maciel da Silveira

Ninguém tem razão no debate desses dias!

De fato, não adianta chacinar bandidos e soldadinhos dessas poderosas facções.

O que pode fazer um adolescente coagido a trabalhar para organizações criminosas?  Mudar-se de bairro?...

Impossível!

Da outra vez, por sobrevivência, vieram roubar celulares em Sepetiba, lugar “ainda” bucólico, onde moro. Ao que se diz, a milícia logo os matou.

Para se entender ilustrativamente a cultura vigente nessas imensas comunidades de favelas. Há uns quinze anos ou mais, uma netinha de minha empregada doméstica, de uns dez anos, nascida e criada em favela, viera passar o dia em minha casa. No meio da tarde, ouviu o barulho de fogos. Assustadíssima, perguntou-me:

__ “Aqui tem polícia?”...

A pergunta era de pavor da polícia, pois em sua comunidade os fogos eram aviso de chegada da mesma...

E aqui? O significado era quase simétrico. Anunciava aos “clientes” a chegada da droga!...

Poesia | Um dia você aprende, de William Shakespeare


Música | Caetano Veloso - Oração ao Tempo