sábado, 16 de abril de 2011

Em busca de espaço:: Merval Pereira

O apoio formal dos Brics à pretensão de Brasil, Índia e África do Sul de participarem em termos permanentes do Conselho de Segurança da ONU reafirma o caráter simbólico dessa união de países que souberam, a partir de um acrônimo criado por uma consultoria econômica, tirar proveito político da importância crescente dos emergentes no novo mundo multipolar que está sendo desenhado nos últimos anos.

Os quatro países (Brasil, China, Rússia e Índia) detêm 40% da população e do PIB mundiais, além de representarem 28% da massa terrestre do planeta, e com o acréscimo da África do Sul amplia sua cobertura planetária.

É com esse cacife geopolítico que eles, na declaração conjunta da reunião no balneário de Sanya, ao sul da China, emprestaram apoio a uma reforma "abrangente" das Nações Unidas, incluindo seu Conselho de Segurança, "para assegurar maior eficácia, eficiência e representatividade de modo a que possa melhor enfrentar os desafios globais da atualidade".

De maneira explícita, China e Rússia reiteram "a importância que atribuem a Brasil, Índia e África do Sul em assuntos internacionais e compreendem e apoiam sua aspiração de desempenhar papel mais protagônico nas Nações Unidas".

O Brasil nunca esteve tão próximo de conseguir fazer parte do Conselho de Segurança da ONU quanto em 1945, quando da criação daquele organismo internacional ao final da Segunda Guerra Mundial.

O presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt instruiu sua delegação na reunião de Dumbarton Oaks a sugerir que o Brasil fosse considerado como o sexto membro permanente, pois o país era visto em Washington como parceiro confiável e "aliado fiel".

Roosevelt, que já havia empenhado pessoalmente em favor da China, vencendo as objeções de Churchill e Stalin, era quem melhor poderia levar adiante sua intenção de criar mais uma cadeira permanente, mas sua morte, pouco antes da Conferência de São Francisco, eliminou em definitivo essa possibilidade.

O estudo da Goldman Sachs sobre os Brics, que seriam as economias emergentes que estariam no topo da economia mundial dentro de 40 anos, dá um destaque especial ao fato que o crescimento econômico também depende de instituições sólidas e estáveis, sem se referir especificamente à necessidade de o país ser uma democracia.

A China poderia ser aprovada nesse quesito, pois é uma ditadura que mantém um ambiente político estável. Mas representa um risco de longo prazo grande, que até pouco tempo atrás não era levado muito a sério.

O crescente anseio da classe média emergente por mais direitos, as pressões contra as agressões ao meio ambiente, mais proteção trabalhista, e a inflação são pontos de interrogação no desenvolvimento chinês.

O mesmo problema enfrenta a Rússia, com seu hiperpresidencialismo que faz aumentar a insegurança para os investimentos estrangeiros diante das inexistentes garantias jurídicas no país.

Outra condicionante, segundo o estudo da Goldman Sachs, é a abertura econômica, que desfavorece a Índia, o país mais fechado dos quatro.

Mas não favorece muito o Brasil. Na comparação do Brasil com a China, a economia brasileira é menos aberta. Brasil e Índia, devido ao baixo índice educacional e à falta de infraestrutura, crescerão em velocidade menor que Rússia e China nos próximos 20 anos, segundo o estudo.

Se forem superados esses problemas estruturais com a realização das reformas necessárias à modernização de suas economias, os quatro países que formam o Bric estarão crescendo à mesma velocidade.

O historiador Neill Ferguson, de Harvard, acredita que, se China e Rússia permanecerem estados de partido único, serão mais cedo ou mais tarde superados por Brasil e Índia, que ele classifica de "tartarugas democráticas", devido à lentidão do processo democrático em relação aos governos ditatoriais. Um processo lento, mas mais sólido de construção de uma sociedade.

Há, desde a primeira reunião, realizada em Yekaterinburgo, na Rússia em 2009, uma preocupação grande que esse movimento não seja entendido como de oposição aos Estados Unidos, e a própria presidente brasileira Dilma Rousseff ressaltou esse aspecto de neutralidade do grupo.

Mas, como deixaram claro no comunicado, os Brics mais a África do Sul compartilham "a visão que o mundo está passando por amplas, complexas e profundas mudanças, marcadas pelo fortalecimento da multipolaridade, pela globalização econômica e pela crescente interdependência" e estão em busca de seu lugar.

O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, em palestra sobre os Brics registrada aqui na coluna, ressalta que os Estados Unidos continuarão a ser o centro de elaboração do capitalismo liberal, baseado na inovação e nos novos métodos de organização de empresas e trabalho, mesmo que a China, "com seu liberalismo econômico e autoritarismo político", transforme o Triângulo do Pacífico, formado por ela, Japão e a Austrália, no eixo econômico mais rico do mundo.

Na visão de Teixeira, o equilíbrio institucional interno é forte no Brasil e na Índia, mas ainda está em construção na Rússia.

O desenvolvimento tecnológico e a capacidade de inovação são fortes na Índia e na Rússia, e estão em construção no Brasil.

A capacidade de evitar o isolamento político e estratégico, ou "soft power", é forte no Brasil e na Índia, e fraco na Rússia.

O jornal inglês "Financial Times" escreveu recentemente que os Brics são "um acrônimo em busca de um propósito".

De fato, como vimos, os países do grupo têm mais diferenças que proximidades. Mas os une o símbolo político em que se transformou a sigla, nesse momento de transição, em que o poder planetário está sendo redividido.

FONTE: O GLOBO

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