Reunião com mil delegados de cúpula será a 1ª em 14 anos; cubanos se animam com promessas de mudanças
Marcha que deve reunir milhares hoje nas ruas de Havana será o maior marco do aniversário de 50 anos do regime
Flávia Marreiro
Enviada especial a Havana (Cuba)
Uma grande marcha "militar" e "popular" comemorará hoje em Havana cinco décadas de socialismo em Cuba e marcará ao mesmo tempo o início da reunião do Partido Comunista convocada para tentar salvar o sistema cubano de um naufrágio.
A expressão dramática é do próprio ditador da ilha, Raúl Castro, que no fim do ano passado disse: "Corrigimos ou afundamos", para sintetizar os desafios de "atualizar" o modelo socialista que atravessa arrastada crise desde 1990.
Há exatos 50 anos, Fidel Castro declarou o "caráter socialista" da Revolução vitoriosa em 1959. A afirmação veio apenas um dia antes da fracassada Invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos treinados pela CIA.
A marcha de hoje em Havana, convocada por rádio e TV e até por alto-falantes na rua, comemorará também a "primeira derrota do imperialismo na América Latina" e será encerrada por jovens que afiançam o futuro da revolução, segundo a propaganda oficial.
Nas lojas estatais, cartazes feitos a mão "saúdam" o congresso, o primeiro em 14 anos. Estamos na comercial região de Centro Havana, e a nova paisagem se destaca: os vendedores ambulantes que aparecem aqui e ali, aproximando Havana e suas ruínas congeladas no tempo de qualquer cidade latina.
Alaine González, 33, há dez anos vende sorvete, mas só há três meses recebeu licença formal para trabalhar. "Perdi as contas de quantas multas paguei. Agora estou aqui no centro, tem dias que ganho US$ 20", comemora.
González é um símbolo dos 170 mil cubanos que, segundo o governo, pediram e receberam licenças para trabalhar por conta própria desde setembro, afrouxando as proibições então vigentes.
Vendedor de CD pirata também é uma das pouco menos de 200 atividades autorizadas, assim como vendedor de "alimentos ligeiros" e "reparador de colchões".
Reinel Herrera, 30, gritava a plenos pulmões seu novo ofício autorizado, a poucas quadras. "Faço colchões também. Mas ainda não permitem vender."
REFORMAS
O trabalho autônomo é uma das apostas do governo para amortecer o impacto do seu mais radical plano em décadas: o de demitir até 500 mil funcionários públicos em sete meses, enxugar o Estado e aumentar a produtividade.
O plano é um dos eixos que o Partido Comunista vai discutir de hoje a terça. No começo do mês, Raúl voltou ao tema, dessa vez para tentar desarmar seu dramatismo: afirmou que as reformas levarão "não menos que um quinquênio" e que não era fácil demitir em massa.
Há expectativa de que a cúpula de mil delegados do PC, a instância máxima formal em Cuba, decida também um cronograma para o fim da "caderneta de racionamento", cota de alimentos subsidiados que vigora desde os anos 60.
Outros pontos são a "flexibilização" do mercado imobiliário e de carros de fabricação após 1959 -intercâmbios legalmente congelados para compra e venda também há décadas.
"Não sei se sou otimista ou não. Tanto tempo estamos na mesma que não sei mais avaliar. Para mim, a vida começou agora. Perdi a conta das multas que paguei", diz o sorveteiro González.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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