- O Estado de S. Paulo
O fim do julgamento sobre doações privadas de campanhas, no Supremo Tribunal Federal, evidenciou dois fatos muito importantes: o clima na alta Corte está péssimo e a polarização já está claríssima. Se o presidente Joaquim Barbosa e o relator Ricardo Lewandowski só faltavam trocar sopapos ao vivo no mensalão, o agora presidente Lewandowski e o ministro Gilmar Mendes vão viver às turras, ao vivo e em cores, no petrolão.
Com a Lava Jato de vento em popa, logo os envolvidos que tenham mandato vão parar no Supremo e levar seus ministros novamente aos píncaros da glória e ao implacável julgamento da opinião pública – e da História. Depois do mensalão, que foi um marco jurídico, político e ético no País, tudo o que não for igualmente duro será considerado recuo. E debitado a Lewandowski.
Gilmar Mendes, porém, não está num mundo melhor do que o de Lewandowski. Se foi técnico, equilibrado e sobretudo discreto durante o julgamento do mensalão, pode-se dizer que o do petrolão nem começou e ele já está se expondo muito mais do que deveria.
Nem seus piores inimigos negam a Gilmar o reconhecimento do talento, da dedicação e da sólida formação, e não há como discordar do ponto central de seu voto a favor da manutenção das doações privadas de campanhas: com as campanhas cada vez mais sofisticadas e abrangentes, de onde virá o dinheiro?
Se os políticos não se contentarem subitamente com andar de ônibus, cuidar da própria agenda, da correspondência e da estratégia, fazer discursos em cima de caixotes em praças públicas e se apresentar em programas estáticos em preto e branco, é bem possível que uma decisão intrinsecamente boa, para acabar com a promiscuidade entre empresas e políticos, acabe tendo efeito inverso, o de disparar o caixa 2 a criminalidade nas campanhas.
Mas conteúdo é uma coisa, forma é outra, e um ministro do Supremo, que vai daqui a pouco julgar partidos e pessoas ligadas ao governo, possivelmente até algumas ocupando postos chaves no PT, não deve, ou não pode mesmo, sair falando em público o que considera verdades absolutas sobre o regime, o governo e o partido.
Após um evento na Fiesp, Gilmar disse que “o que se instalou no País nesses últimos anos e está sendo revelado na Operação Lava Jato é um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”. E continuou: “Veja o que fizeram com a Petrobrás! É por isso que defendem com tanta força as estatais. Eles tinham se tornado donos da Petrobrás. Esse era o método de governança”.
Quem são “eles” na fala de Gilmar? São o PT e os petistas. Você pode até concordar com o que Gilmar falou, mas ministros do STF não podem sair por aí dizendo o que pensam, na hora que bem entendem, sobre personagens ou entidades que daqui a pouco poderão estar julgando.
Ao falar da perplexidade de uns e da euforia da maioria da sociedade diante do julgamento do mensalão, o ex-deputado Delfim Netto, do alto de seus 88 anos e de seu cativante brilho intelectual, me deu um veredicto impecável sobre os ministros do Supremo: “As pessoas ficaram surpresas com o que aconteceu, mas o fato é o seguinte: quem vai para o Supremo vai para escrever seu nome na História. O passado para eles não existe mais. O sujeito, lá, incorpora a missão, não se presta a patifarias. O sujeito pode até errar, mas não vai violar a Constituição, as leis, as normas jurídicas, não vai fazer nenhum acordão”.
Perfeito. Isso valeu profundamente para Joaquim Barbosa, mas vale também para todos os atuais onze ministros, que foram indicados por algum presidente, de algum partido, e “podem até errar”, mas têm caráter e julgarão com a maior lisura, honestidade de propósitos e atentos ao futuro, não ao passado. Como a mulher de César, porém, além de serem tudo isso, eles também precisam parecer, não é mesmo, ministro Gilmar e ministro Lewandowski? Muita calma nessa hora.
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