- O Estado de S. Paulo
A presidente Dilma Rousseff está ficando cansativa. Por repetitiva. Insistente no discurso vazio em que aponta intenções golpistas na discussão sobre a interrupção de seu mandato via impeachment ou renúncia.
Duas hipóteses absolutamente legais. Se Dilma as repudia é outra história. Ambas estão claramente descritas nos artigos 79, 80 e 81 da Constituição, que tratam da vacância do cargo e dos procedimentos para substituição. Não quer renunciar? Um direito que lhe assiste. Não está premida por justificativa jurídica? Melhor para ela.
Isso não lhe dá autorização para interditar um debate e muito menos para imputar crimes aos debatedores. Que, aliás, debatem à luz do dia.
Seria um caso peculiar de conspiração em praça pública e nos conformes da lei. A presidente da República banaliza o conceito de golpismo e põe em xeque o próprio dever conferido pelo posto de atuar contra tal natureza de infração e tais tipos de infratores a cláusulas pétreas da Carta.
Ela tem instrumentos na legislação para isso. O que não tem são motivos providos de substância.
Aponta ilegalidade onde vigora a plena legalidade. No que tange ao raciocínio lógico – terreno estranho à presidente – coloca-se, assim, na defesa de uma tese à margem da lei.
Não há “uso” da crise. Há uma crise, cuja saída depende de quem está no comando. Não apenas pelo fato de ser a responsável pela situação crítica, mas principalmente porque foi eleita para resolver os problemas, levar o País a superar as dificuldades.
Portanto, conviria à presidente perceber as circunstâncias. Estas apontam para a necessidade premente de uma solução efetiva, consistente. Se ela se mostrar capaz de conduzir o Brasil na direção da saída da crise, terá readquirido legitimidade para completar o mandato para o qual foi eleita. Se não, perderá as condições políticas para governar.
Não será adotando o modelo caça golpista que vai reconquistar a confiança não diria nem da maioria absoluta, mas ao menos daquela maioria da população que a considerou apta para exercer um segundo mandato e hoje se mostra arrependida, conforme demonstram as pesquisas.
O discurso do golpe poderia até servir como palavra de ordem ao PT. Caso o PT ainda existisse como força política competitiva. Não existe mais. Dilma está desguarnecida do ponto de vista partidário. Bem como não dispõe de guarnições robustas no governo nas áreas cruciais da política e economia.
A presidente da República está só, refém de disputas internas e externas pelo espólio do partido ou pela herança do poder.
A cantilena do golpismo não leva a lugar algum. Apenas põe a presidente na situação do combatente que se desloca para a defesa com armas de ataque. Nada combina com nada. Todas as variantes contrariam as regras básicas da lógica.
As premissas não se coadunam com a conclusão e, nessa barafunda de ideias, a chefe da Nação acaba permitindo que seja pega no flagrante delito da má intenção, quando argumenta que nunca usou o poder para bloquear investigações.
Tal menção, feita ao molde de orgulho, considera a hipótese de o governante usar de seu poder para solapar as atribuições dos demais poderes. Quando Dilma diz “não fiz” ao mesmo tempo considera que “poderia ter feito”, mas “não quis”.
No desespero final, o mesmo argumento utilizado por Fernando Collor no apelo à clemência da Câmara quando do julgamento do pedido de abertura do processo de impeachment.
Collor não interferiu porque não podia. Dilma pode não tê-lo feito pelos motivos certos, mas justifica o gesto pelas razões erradas.
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