No Brasil, o Estado perdulário vive da mão para a boca. Obeso, está permanentemente sob ameaça de morrer de inanição. O planejamento dos gastos públicos submete-se a imperativos imediatistas, fruto de concertos políticos que muito pouco têm a ver com os reais interesses da Nação. A maior aflição que o naufrágio do governo petista inspira não é causada pela crise em si, mas principalmente pela constatação de que não há perspectiva de que esse imenso desarranjo venha a ser definitivamente superado, pois as forças paroquiais que dominam a política nacional, quer na forma de partidos, quer na forma de movimentos sociais e sindicatos, continuarão a se organizar de modo a arrancar desse Estado nacos cada vez maiores da riqueza à qual dizem fazer jus.
Esse estado de coisas só é possível e se pereniza porque se interpretam várias demandas sociais e econômicas previstas na Constituição de 1988 como se fossem as inscrições das tábuas entregues por Deus a Moisés, isto é, como se a Carta fosse composta somente por cláusulas pétreas.
A Constituição precisa ser amplamente reformada, não mais apenas remendada. Nem que seja por meio de uma nova Assembleia Constituinte, ela tem não só de ser adaptada a uma nova realidade econômica, mas principalmente deixar de ser vista como fonte de favores estatais.
A Constituição de 1988 foi elaborada para ser “cidadã”, uma espécie de resgate dos direitos usurpados pela ditadura. Assim, a Carta impôs diversas obrigações ao Estado, na expectativa de que a simples menção a elas fosse suficiente para eliminar nossa histórica desigualdade social e nivelar as profundas deficiências dos serviços públicos básicos, como saúde, educação e segurança.
Perto de completar 30 anos, no entanto, a Constituição revelou-se incapaz de assegurar, em sua plenitude, qualquer um desses direitos sociais. Ao contrário: sujeita a interpretações que passam ao largo do espírito dos constituintes, a Carta é usada como desculpa para justificar medidas demagógicas e oportunistas.
Esse fenômeno se manifesta tanto nas questões de fundo quanto no cotidiano da administração pública. Não está escrito na Constituição, por exemplo, que é preciso haver 23 mil cargos de confiança ou comissionados de responsabilidade direta da Presidência. Prevista na Carta como exceção, a criação de cargos de confiança é tratada na prática como regra, porque é preciso acomodar os apaniguados dos partidos governistas. Assim, é o patrimonialismo que determina de que maneira a Constituição será aplicada.
Junte-se a isso o fato de que a Constituição, se for levada ao pé da letra, esgotará a capacidade financeira do Estado de cumprir tudo aquilo que nela está previsto como seu dever, e temos então uma situação em que o colapso é quase um destino. Benefícios, dotações e vinculações constitucionais não apenas imobilizam cerca de 90% do Orçamento da União, como têm crescimento vegetativo, que, com o passar do tempo, levará o País inexoravelmente à insolvência, mesmo que a carga tributária bata recordes sobre recordes. A crise atual, portanto, deveria ser encarada pelos políticos e líderes responsáveis – e eles certamente existem – como uma preciosa oportunidade para propor à sociedade que finalmente essas distorções sejam corrigidas – e que não se diga que isso é impossível por se tratar de cláusulas pétreas. Sobre o imobilismo jurídico, deve prevalecer o bom senso ditado pela necessidade de sobrevivência saudável da Nação.
É preciso realizar reformas que restabeleçam a soberania do Congresso, transformado em mero balcão de negócios; que racionalizem a cobrança de impostos, deixando de penalizar desproporcionalmente a classe média e melhorando a competitividade do setor produtivo; que encarem de frente o tema da idade mínima para as aposentadorias, condizente com a nova realidade demográfica; que facilitem o investimento privado, garantindo-lhe segurança jurídica; que sejam, enfim, condizentes com a almejada modernidade.
Se o País continuar a se render à demagogia dos excessos elevados à categoria de artigos constitucionais, o Estado brasileiro – e com ele a Nação – estará condenado à perpétua mediocridade, situação em que o futuro prometido nunca chega.
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