O Estado de S. Paulo
Aos olhos do mundo, a ‘tanqueciata’ de Jair Bolsonaro soou como birra infantil
Poucas vezes o Brasil é destaque no
noticiário internacional – essa é a triste constatação de quem mora fora do
País e zapeia entre as BBCS, CNNS, Deutsche Welles e Al-jaziras da vida. Neste
ano, o Brasil só foi manchete quando se converteu em epicentro da pandemia. Em
geral, as notícias sobre o País se restringem ao letreiro que ocupa o espaço
inferior da tela nos canais de notícias. E o tom, frequentemente, é de piada.
Nesta semana, a zombaria internacional se
concentrou sobre o desfile militar na Esplanada dos Ministérios – ou
“tanqueciata”, como definiu o jornal britânico The Guardian. O fumacê cansado
de guerra do SK-105 Kürassier, equipamento vintage, se alastrou pelos sites e
canais de notícias. A expressão “república de bananas” apareceu de forma recorrente.
O mundo já vinha rindo da polêmica em torno do voto impresso, em especial dos palavrões empregados pelo presidente brasileiro em sua briga com o Judiciário. As emissoras traduziram para o inglês a expressão chula usada por Jair Bolsonaro para se referir a Luís Roberto Barroso, “son of a whore”. Para nossa vergonha, tais palavras se tornaram onipresentes nos geradores de caracteres.
O Brasil já foi considerado um país sério.
Éramos até pouco tempo atrás voz relevante em discussões internacionais,
especialmente na área da mudança climática. O que fazia todo o sentido: a maior
parte da floresta amazônica fica em território nacional. Entramos na conversa
de gente grande sobre o futuro do planeta na Presidência de José Sarney;
Fernando Collor deu continuidade ao abraçar a Rio-92; e Marina Silva se tornou
referência internacional durante o governo Lula. Formamos uma geração de
diplomatas que são experts em mudança climática. Parte de nosso prestígio, no
entanto, se perdeu com o desmonte ambiental do atual governo.
É inevitável lembrar disso na semana em que
o IPCC – sigla em inglês para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas – divulgou a primeira parte de seu novo relatório. O texto traz
alertas graves. “São avisos recorrentes, mas com evidências científicas cada
vez mais robustas, a ponto de beirar a certeza absoluta”, diz o pesquisador
brasileiro Oswaldo Lucon, integrante do IPCC. Ele é o entrevistado do
minipodcast da semana.
As consequências da mudança climática serão
desastrosas para o Brasil. Se não agirmos logo, o desmatamento da Amazônia pode
se tornar irreversível, e eventos como secas e geadas se tornarão recorrentes,
inviabilizando o agronegócio brasileiro. A continuação do relatório, a ser
lançada até o início do ano que vem, detalhará impactos e apresentará
alternativas. “A boa notícia é que temos caneta para agir, se a sociedade se
mobilizar e os governos responderem”, diz Lucon, que está trabalhando
justamente no capítulo das alternativas.
Aos olhos do mundo, a “tanqueciata” de Jair
Bolsonaro soou como birra infantil, esperneio de menino mimado que grita pela
mamãe quando lhe tiram o brinquedo – no caso, o voto impresso. Será péssimo
para o País se o debate em 2022 ficar limitado a problemas fictícios como a
lisura das urnas. É importante que os adultos entrem na sala para que comecemos
a conversar sobre coisas sérias, como a devastação da Amazônia – tema central
por razões humanitárias e econômicas, e também para nossa credibilidade
internacional. Queremos ser a piada do mundo ou um país respeitado? A escolha
cabe aos brasileiros.
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