Jefferson,
um aliado incondicional de Jair Bolsonaro e de seus métodos ultradireitistas, é
o maior farsante da política nacional dos últimos 50 anos
Esta
coluna queria
tratar do déspota da pauta da Câmara. Tentaria mostrar que o deputado Arthur
Lira, sem constrangimento e cada vez mais enfaticamente, faz o que bem lhe dá
na telha na condução dos temas da Casa. Como presidente da Câmara, ignora mais
de cem pedidos de impeachment de Jair Bolsonaro, mas dá andamento a pautas tão
esdrúxulas quanto extemporâneas como a reforma política menos de quatro anos
depois da última mudança e antes dela ter sido testada em pleito nacional. O
assunto era bom. Aliás, o que não falta no Brasil é assunto. Tanto que
amanhecemos na sexta com a prisão de Roberto Jefferson, presidente do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), que roubou a coluna de Lira.
Jefferson,
um aliado incondicional de Jair Bolsonaro e de seus métodos ultradireitistas, é
o maior farsante da política nacional dos últimos 50 anos. Ao longo de sua
carreira política, já ocupou espaço em todos os lados do espectro político.
Durante a ditadura, era filiado ao MDB, único partido de oposição ao regime
militar. O homem que hoje prega o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal
Federal iniciou sua trajetória ao lado dos que defendiam o voto direto e a
anistia ampla, geral e irrestrita, o fim do AI-5, das prisões políticas e da
tortura.
Com o fim do bipartidarismo, mas ainda no governo do último general, João Figueiredo, deixou o MDB e fez um rápido pouso no PP, partido de centro, antes de aterrissar no PTB, sigla que Leonel Brizola perdeu para Ivete Vargas, sobrinha neta de Getúlio Vargas. O PTB, que antes da ditadura era o partido do trabalhismo histórico, virou um agrupamento de centro-direita e assim vem navegando pela política nacional desde 1981. Jefferson, como o partido que preside, faz o ziguezague característico de gente ou agremiação fisiológica e sem firmeza ideológica.
No
governo de Fernando Collor, foi um dos mais destacados membros da tropa de
choque que defendeu mas não conseguiu evitar a cassação do mandato do
presidente. Passou a ser reconhecido pela sua truculência. Foi também citado
entre os envolvidos no escândalo de propinas que resultou na CPI do Orçamento
instalada logo depois do afastamento de Collor. Mas essa biografia degradada
não impediu que o PT aceitasse o seu apoio no segundo turno da primeira eleição
de Lula em 2002 e, no governo, desse cargos a aliados de Jefferson.
O
homem que antes de ser preso invocou “Deus, pátria e família”, tripé do
fascismo, governou com o PT até traí-lo e denunciá-lo no caso do mensalão. O
episódio só se desenrolou porque Jefferson sentiu-se traído por José Dirceu que
nada fez quando eclodiu um escândalo de propina nos Correios, dirigido por
aliado do petebista. O então deputado deu em seguida uma entrevista para a
jornalista Renata Lo Prete, então na “Folha de S. Paulo”, dizendo que o PT
pagava aos partidos por seu apoio no Congresso. Foi uma bomba que teve diversos
desdobramentos, inclusive a cassação e a posterior prisão de Roberto Jefferson.
O
ex-deputado lembra Zelig, um dos mais interessantes personagens criados por
Woody Allen no filme de mesmo nome. Leonard Zelig, interpretado por Allen, era
um homem absolutamente sem graça, mas que tinha um distúrbio que lhe dava
capacidade de transformar sua aparência tornando-a igual a de todos de quem ele
se aproximava. Poderia também ser comparado a Mel, outro personagem de Woody
Allen, vivido por Robin Williams em “Desconstruindo Harry”. Mel, que seria o
alter ego de Harry, passa o filme todo fora de foco, literalmente.
Obviamente
Jefferson é muito pior que Zelig, por ser um imitador barato, que muda o
discurso e a cor de sua bandeira unicamente por interesse fisiológico. Também é
pior que Mel, porque este tenta achar um foco, enquanto Jefferson
deliberadamente prefere operar no escuro, no opaco, longe de olhos atentos, ou
fora de foco. Sua prisão é justa e lembra mais uma vez como é urgente um
controle mais eficiente que impeça a propagação de conteúdos de ódio nas redes
sociais.
Vexame
sombrio
O
vexame só não foi maior porque o desfile de tanques teve um componente político
que transcendeu ao clima farsesco e ridículo que o envolveu. Foi uma intimidação
ao Congresso sob qualquer ponto de vista. Foi uma evidente tentativa de mostrar
força, apesar de só
ter externado truculência. Foi intolerável. Mais uma vez o
governo mais estúpido da história da República brasileira cometeu um ato
intolerável. E mais uma vez vai ficar por isso mesmo. A única alegria daquele
dia triste foi o ato ter acabado se tornando num desfile patético de sucatas
que se arrastaram pela esplanada engasgando, pipocando e soltando fumaça preta
de óleo mal queimado.
Ninguém
perdeu
Mal
saiu do plenário que rejeitou o voto impresso e o presidente da Câmara começou
a pregar que ninguém perdeu com o resultado histórico. Como ninguém perdeu?
Quem defendia a mudança foi derrotado
categoricamente, perdeu, apesar do esforço de Arthur Lira em
mostrar o contrário. Aliás, tem deputado sussurrando em Brasília que Lira
buscou votos de última hora a favor do projeto para evitar derrota acachapante
de Jair Bolsonaro. Além de proteger o presidente, Lira defendia o Centrão,
outro derrotado na sua primeira prova de força no Congresso Nacional.
Nem
prece, nem tanque
A
bancada evangélica que saiu em defesa do voto impresso (75% dos seus membros
votaram a favor) foi outra abalroada
pela rejeição da Câmara. Não houve prece que conseguisse
aprovar a volta absurda do voto impresso. Tampouco houve tanque com força para
tanto. Foi um desfile de derrotas.
Aécio
outra vez
Maior
vexame do que o promovido pelo desfile de cacarecos foi o de Aécio Neves. O
deputado e ex-candidato a presidente se absteve de votar contra a emenda do
golpe, apelidada na Câmara de PEC do voto impresso. Seu não voto significa
apoio à proposta de Bolsonaro. Um vexame de quem não honra o sobrenome de
Tancredo. Junto, Aécio arrastou consigo outros 19 deputados do PSDB que votaram
a favor da emenda ou se recusaram a votar.
Compromisso
de Bozo
Arthur
Lira disse aos repórteres credenciados no Congresso que na véspera da votação
da PEC do voto impresso conversou com Bolsonaro e este lhe garantiu que
aceitaria qualquer resultado. Oras, francamente. Precisava consultar o presidente? Se
ele dissesse que não aceitaria o resultado, e daí? O que você faria, nobre
deputado? E, claro, Bozo não cumpriu o combinado como se viu.
Fará
falta
José
Serra vai fazer falta no Senado durante os quatro meses de licença que tirou
para tratar de Parkinson. Trata-se do mais produtivo senador da República. Nos seus seis
anos e meio de mandato, aprovou 26 projetos de lei e outros 47 aguardam
votação. Também aprovou uma emenda à Constituição das cinco que submeteu ao
plenário e ainda tramitam na casa.
O
dono da pauta
Arthur
Lira (foi cheia a semana do deputado) ainda precisa explicar a decisão
monocrática de retirar poder do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da
Câmara. Na sessão que cassou a ex-deputada Flordelis, Lira anunciou mudança no
trâmite de processos de cassação, permitindo que o plenário mude o teor da
decisão do Conselho. Antes, o plenário podia acatar ou rejeitar o relatório do
Conselho, agora pode mudar o seu conteúdo, abrandando a pena do parlamentar denunciado.
É bom não esquecer que em fevereiro Lira tentou aumentar ainda mais a blindagem
de deputados. Foi derrotado.
Presença
maior
A
sessão de Flordelis, aliás, teve 457 votos. A da PEC do voto impresso teve dez
a menos. Claro que a cassação da deputada era tão importante quanto tardia,
mas a emenda do golpe merecia mais atenção e maior rejeição dos ilustres
deputados.
Dar
por lido
Assistir
a sessões da Câmara pode resultar em surpresas curiosas. Na sessão da cassação
de Flordelis, o deputado Rubens Pereira Jr (PCdoB-MA) pediu a volta do “dar por
lido”. Trata-se de um instrumento
antigo e que havia sido banido na Casa em que um
parlamentar finge que lê um discurso no plenário e os demais fingem que ouvem.
O discurso escrito é entregue à Mesa e publicado nas mídias oficiais da Câmara.
Trata-se de um faz de conta que é a cara do Congresso. É o engana eleitor.
Índios
fora
O
presidente do Brasil recebeu esta semana um grupo de índios, ou brasileiros
originários, no Palácio do Planalto. Mas do lado de fora. Na calçada. É assim que
opera Bolsonaro. Por sorte do Brasil, um cocar (maior símbolo de azar na
política) foi colocado em sua cabeça.
Por
fim
Qual é mesmo o treinamento militar que a Marinha faz em Formosa, cidade do interior de Goiás que fica a 1.169 quilômetros do porto marítimo mais próximo, o do Rio de Janeiro? Claro que o almirantado vai ter uma explicação. Mas, considerando que o mar é um detalhe e o negócio é operar em terra, sugiro que no próximo ano a Marinha brasileira faça uma operação conjunta com a boliviana. Tem tudo para ser um sucesso.
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