Blog do Noblat / Metrópoles
A derrota de Bolsonaro serve perfeitamente ao propósito de criar o clima de suspeita de fraude para recusar o resultado das eleições em 2022
Faz mais de dois mil anos que o Rei Pirro,
de Épiro, teve uma vitória sobre as tropas romanas, mas a um custo tão elevado
que ele próprio reconheceu valer como uma derrota. Venceu, mas se enfraqueceu.
“Com outra derrota desta, eu perco meu reino”, dizem que ele falou
conscientemente. Este caso criou até hoje a expressão de “Vitória de Pirro”. O
que não se inventou ainda foi o conceito de “Derrota de Pirro”, quando uma
perda serve aos propósitos do derrotado. É o que aconteceu esta semana com a
derrota de Bolsonaro no caso do voto impresso. Ele perdeu, mas sua derrota
serve perfeitamente ao propósito de criar o clima de suspeita de fraude para
recusar o resultado das eleições em 2022. E colocar suas milícias, “seu”
Exército e motociclistas nas ruas em um terceiro turno golpista.
A decisão da Câmara de Deputados acabou com a sua intenção de complicar a apuração dos votos, mas não elimina sua mensagem mentirosa e irresponsável de que poderá haver fraude, nem sua justificativa para um golpe caso perca as eleições. O clima de desconfiança se manterá, porque não precisa de racionalidade. E ele terá condições de tentar aqui o que Trump tentou sem conseguir. E com mais chances pela tradição do “ethos” de nossas FFAA e a fragilidade de nossas instituições, mas sobretudo pelo divisionismo das FFOO, as forças da oposição.
Bolsonaro teve uma “Derrota de Pirro”,
perdeu sem perder, e as oposições tiveram um “Vitória de Pirro”, ganharam
perdendo. Sobretudo porque, diferentemente do Rei Pirro, não percebem a
fragilidade decorrente da sua divisão que sofrem. A democracia continua
igualmente ameaçada.
Além disto, por algumas semanas Bolsonaro
conseguiu desviar todo debate sobre os desastres de seu governo: a CPI, as
informações sobre o aquecimento global, a continuação da epidemia, a inflação,
o desemprego, as dificuldades da volta às aulas. O debate sobre o voto impresso
abafou estas notícias, e o resultado em nada diminui a malandragem de sua
mensagem sobre o risco de fraude. Bolsonaro ganhou sobretudo porque em nada
avançou e até diminuiu a possibilidade de aliança entre os democratas. Esta
unidade é a única forma de impedir o uso da desculpa de fraude com uma vitória
acachapante no primeiro turno.
Mas nada indica que os líderes da oposição
terão maturidade, bom senso, patriotismo para se unirem. Preferem continuar
contando com as “Derrotas de Pirro” que Bolsonaro coleciona, até transformá-las
em vitória pelas armas quando não conseguir pelas urnas. E dará a desculpa de
que seus seguidores acreditam, inclusive mais uma vez entre militares: a defesa
da democracia por eleições limpas.
*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador
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