sábado, 14 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

A antirreforma política

O Estado de S. Paulo

O Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem produzido nos últimos meses verdadeiros desastres em matéria eleitoral

Desde os anos 90 do século passado, fala-se da necessidade de uma profunda reforma política, que melhore a qualidade da representação e a funcionalidade do sistema político. O tema é quase um lugar-comum. Não há quem considere o atual sistema, com mais de 30 partidos, adequado ou mesmo razoável.

Essa profunda reforma política ainda não veio. De toda forma – e aqui está o ponto importante –, nos últimos anos foram realizadas significativas melhorias no sistema político.

A Emenda Constitucional (EC) 97/2017 proibiu as coligações partidárias em eleições proporcionais, que distorcem a vontade do eleitor, fazendo com que o voto em um candidato possa eleger outro candidato, de outro partido, simplesmente em razão de um convênio entre legendas. 

A EC 97/2017 também criou a cláusula de barreira, fixando porcentuais mínimos de voto para que cada legenda tenha acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda supostamente gratuita de rádio e televisão. Ao limitar os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos, deu-se um importante passo para reduzir a fragmentação partidária.

A atual quantidade de legendas não contribui para a representação política. Há muitas siglas à escolha do eleitor, mas não há um aumento de opções políticas. Além disso, a diminuição do número de partidos contribui para um ambiente de negociação política menos fisiológico. A atual fragmentação partidária é um convite à transformação da política em balcão de negócios.

Vale mencionar também que, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade da doação de pessoas jurídicas a campanhas e partidos políticos. Além de gerar conflitos de interesse e ser estímulo à corrupção, o financiamento de campanhas eleitorais por empresas representava grave distorção do sistema político.

O atual sistema está longe de ser ideal. Basta ver a quantidade de dinheiro público que é destinada a partidos políticos, por meio do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. Legendas são entidades privadas que devem ser financiadas por seus associados e entusiastas, não com recursos do contribuinte. De toda forma, os avanços ocorridos nos últimos anos são importantes e não podem ser desprezados.

No entanto, o Congresso, especialmente a Câmara dos Deputados, tem produzido nos últimos meses verdadeiros desastres em matéria eleitoral. Nesta semana, os deputados votaram duas medidas que excluem ou interferem diretamente sobre os avanços promovidos pela EC 97/2017, como se o objetivo do trabalho legislativo fosse estragar o que legislaturas passadas fizeram.

No dia 12 de agosto, a Câmara aprovou um projeto de lei, apresentado em 2015 no Senado, que tenta burlar a cláusula de barreira. O Projeto de Lei (PL) 2.522/15 permite que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação. Após o registro da federação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os partidos são tratados como se fossem uma única legenda, escapando dos efeitos da cláusula de barreira. No entanto, cada partido continua dispondo de identidade e autonomia próprias.

O PL 2.522/15 é uma evidente trapaça. Por meio de uma lei ordinária, o Congresso reduz o alcance e os benefícios da cláusula de barreira, criada por Emenda Constitucional. Com a medida, em vez de buscar votos, basta que os partidos nanicos assinem convênios entre si, continuando a receber os recursos e as facilidades do Estado.

O outro retrocesso é ainda mais descarado. Em primeiro turno, a Câmara aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 125/11, liberando as coligações partidárias em eleições proporcionais. A proibição nem sequer foi aplicada nas esferas federal e estadual, e já se tenta excluí-la da Constituição.

As duas mudanças aprovadas na Câmara atingem especialmente a qualidade da representação e a funcionalidade do sistema político. É a perfeita antirreforma, em estrondosa indiferença com o interesse público e o eleitor.

Lições da pandemia para os governos

O Estado de S. Paulo

Eles não podem esquecer as tarefas que garantirão melhores respostas no futuro

A pandemia realçou o papel do poder público, mas também testou sua capacidade de responder a uma crise com velocidade e em escala. Diante do pânico causado por um inimigo invisível e desconhecido, os governos precisaram agir rápido para robustecer os sistemas de saúde e manter as economias à tona. A flexibilização dos processos administrativos para editar medidas excepcionais para tempos excepcionais era inevitável, mas isso trouxe riscos de danos à percepção dos cidadãos a respeito da competência, transparência e equidade de seus governos.

“Mesmo quando a covid-19 for contida, seus efeitos terão ramificações no futuro, seja através de dívidas públicas e privadas adicionais, perdas educacionais, prejuízos aos negócios e empregos ou do impacto desigual da pandemia sobre a sociedade”, constatou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em seu levantamento bianual Um Olhar sobre os Governos. “A confiança nos governos pode estar em risco de mais danos a partir da má gestão real ou percebida, da transparência reduzida na tomada de decisões, e de possíveis novos casos de corrupção.”

Entre os países da OCDE, cerca de 16,4% do PIB foi comprometido em gastos adicionais e perdas de receitas e 10,5% por meio de outras medidas. Mais cedo ou mais tarde, os governos enfrentarão restrições fiscais e precisarão incrementar a eficiência dos gastos e dos serviços públicos, garantindo que responderão às necessidades da população, particularmente dos mais vulneráveis.

Ainda que o vírus seja controlado, riscos como crises fiscais, desemprego, ataques cibernéticos e falhas na tecnologia da informação, terrorismo ou mudanças climáticas permanecerão. Com efeito, devem se agravar num mundo cada vez mais complexo e interdependente, do ponto de vista financeiro, administrativo ou ambiental.

Dada a variedade de eventuais novos choques mais ou menos previsíveis, muitos caminhos são possíveis. “Alguns apontam para um retorno da prosperidade dentro de quadros democráticos vibrantes. Outros podem levar à estagnação do crescimento, desigualdade arraigada e mesmo riscos à sustentabilidade do modelo democrático de governança.”

É indispensável que os governos trabalhem para fortalecer sua resiliência, incrementando sua capacidade de previsão, adaptação e reação a novos choques. Isso implica, entre outras coisas, reservas de capital financeiro, humano e de conhecimento para limitar o sofrimento dos cidadãos; procedimentos à mão para reagir rapidamente e em escala; e capacidade de repor funções eventualmente degradadas.

Quais seriam, então, as principais lições a serem aprendidas com o choque pandêmico? De acordo com a OCDE, três áreas são cruciais.

Em primeiro lugar, é vital enfrentar a desinformação. Em meio à emergência houve um ligeiro aumento no índice de confiança dos cidadãos no poder público. Mesmo assim, tomados de assalto por um surto de desinformação, só 51% da população nos países da OCDE disse confiar em seus governos em 2020. Até 2019, entre 27 das democracias mais avançadas e prósperas do mundo, apenas 11 desenvolviam políticas para guiar suas respostas à desinformação.

Em segundo lugar, é essencial melhorar a representação e a participação de maneira transparente e equânime. Durante a pandemia, o engajamento das partes interessadas na confecção de políticas públicas foi limitado, potencialmente reduzindo a qualidade dessas políticas e a confiança dos cidadãos.

Por fim, é preciso fortalecer a governança, inclusive aproveitando as novas tecnologias. Em 2018, só metade dos países da OCDE contava com uma instituição especificamente voltada para engajar a comunidade científica na identificação de crises imprevistas e complexas.

Enquanto os governos lutam no presente para salvaguardar suas sociedades do maior choque desde a 2.ª Guerra, eles não podem esquecer as tarefas que garantirão melhores respostas no futuro: fortalecer sua resiliência, impulsionar a transparência e a confiança da população e aprofundar os pilares da democracia.

Entre o frio, a seca e a incerteza

O Estado de S. Paulo

Insegurança gerada em Brasília é bem mais perigosa que o gelo e a estiagem

Seca e geadas prejudicam a produção de alimentos, afetam o setor mais eficiente da economia brasileira e podem complicar a vida do consumidor, atrapalhando a recuperação dos negócios. Com a quebra causada pela estiagem e pelo frio, a safra de grãos pode ficar em 254 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Ministério da Agricultura. Depois de recordes sucessivos nos dois últimos anos, haverá um recuo de 1,2%, se a estimativa se confirmar. Com a colheita encerrada antes das primeiras ondas de frio, as lavouras de soja produziram 135,9 milhões de toneladas, com aumento de 11,1 milhões em relação à temporada anterior. O complexo soja, formado por grãos e derivados, proporcionou receita de US$ 29,3 bilhões no primeiro semestre e deve permanecer no topo das exportações do agronegócio.

O produto mais afetado pelas más condições do tempo foi o milho, produzido em três safras ao longo do ano. A segunda foi fortemente afetada pelo tempo adverso e a terceira está em fase inicial de colheita. A produção total, estimada em 86,7 milhões de toneladas, deve ser 15,5% inferior à do ano passado. A perda deve refletir-se nas exportações e também no mercado interno. O milho é amplamente usado como ração e a colheita menor deve afetar a produção de carnes, principalmente de suínos e de aves – má notícia para os consumidores.

Quebras de produção devem afetar também outras categorias de produtos, como café, legumes, verduras e algumas frutas. No caso das hortaliças, os problemas de oferta ocasionados por granizo, geada, temporais ou estiagem são menos graves, porque o replantio pode normalizar a situação em pouco tempo, muitas vezes em menos de 90 dias. Em nenhum caso o pânico ajuda a atenuar os problemas do consumidor.

Para a maior parte das famílias brasileiras, é preciso reconhecer, qualquer nova pressão inflacionária, mesmo passageira, pode ser muito penosa. As condições econômicas de milhões de pessoas já haviam piorado antes da pandemia e depois disso ainda se agravaram sensivelmente. Seu orçamento é pouco flexível, porque alguns gastos incontornáveis – como comida, água, eletricidade e gás – consomem a maior parte da renda mensal. Quando se trata do custo da alimentação, mesmo pequenos aumentos podem resultar em sacrifícios.

A alimentação no domicílio encareceu 0,33% em junho e 0,78% em julho, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a principal medida oficial da inflação. Os novos aumentos têm ocorrido sobre uma base muito alta, detalhe às vezes negligenciado por analistas. Nos 12 meses terminados em julho os preços de alimentação e bebidas subiram 13,25%. O encarecimento de alguns itens muito importantes, no entanto, foi bem superior a essa média. Os preços de aves e ovos subiram 19,37%. Os de óleos e gorduras aumentaram 55,95%. As carnes ficaram 34,28% mais caras. Remarcações de cereais, leguminosas e oleaginosas, grupo onde se incluem arroz e feijão, chegaram a 28,77%.

Sobre essa dupla há novidades positivas e negativas na última estimativa de safra. A produção de arroz, calculada em 11,74 milhões de toneladas, deve ser 5% maior que a do ano anterior. A de feijão, no entanto, deve ser diminuída para 2,94 milhões de toneladas, com redução de 8,8% em relação ao volume da safra 2019-2020. Nos dois casos, no entanto, as projeções da Conab apontam oferta suficiente para cobrir a demanda e permitir a manutenção de algum estoque final.

A evolução dos preços da comida, no entanto, dependerá em parte das condições do mercado internacional e também da evolução do câmbio. Se depender da balança comercial, o cenário cambial será tranquilo. Mas o preço do dólar depende também do humor dos investidores financeiros e das expectativas no mercado de capitais. Esses fatores são muito influenciáveis por Brasília, especialmente pelas perspectivas das contas públicas e pelo comportamento do presidente da República, fontes de insegurança, de instabilidade cambial e de pressões inflacionárias.

Estresse institucional

Folha de S. Paulo

Prisão de Jefferson, decidida pelo STF, acentua tensão provocada por Bolsonaro

Personagem sinistro da política nacional, condenado pela Justiça por envolvimento em esquemas de corrupção, Roberto Jefferson tem se notabilizado nos últimos tempos pela adesão ao radicalismo golpista que insufla a ala mais extremada do bolsonarismo.

Em manifestações nas redes sociais, o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) dedica-se a pronunciamentos e encenações bizarras nos quais empunha armas, ofende adversários e incentiva ataques a magistrados, tribunais e instituições democráticas.

Tais espetáculos levaram a Polícia Federal a solicitar a prisão preventiva do ex-deputado, no âmbito da investigação sobre suposta organização criminosa digital, aberta em julho pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, após o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir o arquivamento de inquérito sobre atos antidemocráticos.

Moraes acatou o pedido de prisão. Na quinta-feira (12), depois de tomar ciência da medida, Lindôra Araújo, subprocuradora-geral da República, afirmou que o STF não seria o foro competente para analisar a representação policial, uma vez que Roberto Jefferson não exerce cargo público que se enquadre em tal prerrogativa.

A Procuradoria entendeu, ainda, de maneira enviesada, que a prisão serviria para evitar novas postagens, o que redundaria em cerceamento à liberdade de expressão.

Na visão de Moraes, que listou indícios de mais de dez crimes nas atitudes de Jefferson, o político divulgou vídeos e mensagens com o “nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao TSE e ao seu presidente”.

Considerou também que “o representado pleiteou o fechamento do Supremo Tribunal Federal, a cassação imediata de todos os ministros para acabar com a independência do Poder Judiciário, incitando a violência física contra os ministros, porque não concorda com os seus posicionamentos”.

A decisão controversa do magistrado, desafeto dos bolsonaristas, se inscreve num quadro de agudo conflito institucional estimulado pelas omissões da PGR em temas contrários aos interesses da Presidência da República e fomentado pela incessante, ameaçadora e inadmissível atuação de Jair Bolsonaro para desacreditar o processo eleitoral e a Justiça.

Pressionado pelo desgaste de sua popularidade, questionado pelas investigações da CPI da Covid e forçado a recorrer a negociatas políticas que condenava em sua campanha eleitoral, o presidente extrapola em ameaças golpistas e atua como um fator de instabilidade e estresse institucional. É tudo de que o país não precisa.

Covid nos tribunais

Folha de S. Paulo

Medidas antipandemia, como a tentada pelo CE, não deveriam estar no Judiciário

A inexistência de uma coordenação nacional para o combate à pandemia no Brasil, fruto da trágica desídia governamental, tem dado ensejo a lamentáveis atritos e embates que opõem estados e municípios, de um lado, à União, de outro.

No mais recente confronto em torno de medidas de contenção do Sars-CoV-2, em especial da variante delta, mais contagiosa, a Justiça acatou na quarta (11) um pedido do governo do Ceará estabelecendo condições aos passageiros que pretendam voar para o estado.

Na decisão liminar, o juiz Luís Praxedes Vieira da Silva determinou que União e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) somente autorizassem o embarque, nos voos oriundos de outras unidades da Federação, de passageiros que apresentassem ou comprovante de vacinação completa ou exame com resultado negativo para a presença do coronavírus.

No dia seguinte, porém, o desembargador federal Edilson Pereira Nobre Júnior, atendendo a uma solicitação da Advocacia-Geral da União, derrubou a decisão, alegando que os argumentos usados para embasá-la foram genéricos.

Querelas judiciais à parte, ao menos no mérito a iniciativa cearense não deixa de ser justificável, considerado o avanço no país da variante delta, que vem provocando alarme em todo o mundo. Aeroportos constituem notórias portas de entrada de patógenos.

No Ceará, por exemplo, 15 dos 16 casos já identificados da delta são de pessoas vindas de outros locais pela via aérea. Não à toa, o governo local instalou um centro de testagem no principal terminal do estado, em Fortaleza, onde 20% dos passageiros que ali desembarcam são submetidos de forma aleatória a exames para detecção do vírus.

Além disso, as evidências apontam para uma rápida progressão da nova variante no país. Nas últimas quatro semanas, triplicou, passando de 12,8% para 38,5%, a proporção de casos da delta identificada em amostras do Sars-CoV-2 depositadas pelo Brasil na plataforma internacional Gisaid, que reúne dados genômicos de 172 países.

Reagindo à suspensão da liminar, o governador Camilo Santana (PT) afirmou que entrará com recurso, e o caso provavelmente chegará ao Supremo Tribunal Federal. Seja qual for o desfecho, só se pode deplorar que decisões do tipo, as quais deveriam ser tomadas de maneira técnica e em colaboração federativa, terminem nas mãos da burocracia judiciária.

 

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