Valor Econômico
Dados de curto prazo melhoraram, mas risco persiste
Não é só o Brasil que está com as contas
públicas fora de lugar. Os déficits fiscais nos Estados Unidos colocam riscos
importantes para o ciclo de cortes da taxa básica de juros, a Selic, conduzido
pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central.
O grande receio é que, para cobrir o buraco
no seu orçamento, o Tesouro americano passe a absorver, como uma esponja, uma
parcela importante dos recursos que circulam pelo mundo - deixando menos
dinheiro para financiar os emergentes, como o Brasil.
É o que presidente do BC, Roberto Campos Neto, chamou recentemente de “crowding out”. “Esse aperto de liquidez pode se dar a partir do segundo trimestre do ano que vem”, disse, em um evento do banco Credit Suisse. Ou seja, a incerteza sobre os juros longos americanos poderá se prolongar por um bom tempo.
Esse é um desafio a mais para a condução da
política monetária por aqui. Devido à escalada das Treasuries de dez anos, o
Copom reforçou a sua mensagem de que não sabe até onde vai baixar as taxas de
juros (o boletim Focus apontava uma taxa de 9% ao fim de 2024, e os preços de
mercado apontam algo como 10,5% ao ano).
Também deverá ampliar as chances de uma
diminuição do ritmo de cortes da Selic. Hoje, ele está sinalizado em 0,5 ponto
para as próximas reuniões. A indicação tem uma certa assimetria: o Copom diz
que os requisitos exigidos para cortar mais do que isso são muito grandes, mas
não há nada escrito nos documentos oficiais sobre cortar menos. Apenas um
diretor do BC, Gabriel Galípolo, de política monetária, disse há algumas
semanas que os requisitos para fazer diferente são altos de um lado e do outro.
Os demais membros, de forma geral, reforçaram a sinalização de 0,5 ponto para
novembro, mas não se pronunciaram sobre o encontro de dezembro.
É natural que o Banco Central não tenha
assumido nenhuma sinalização forte sobre o ritmo dos cortes e extensão do ciclo
de baixa da Selic, já que a situação é bastante incerta. Para um lado e para o
outro. “Obviamente, se as condições mudarem, se a curva [de juros] americana
mudar, e se houver uma reinterpretação do que é o custo de rolagem da dívida
para frente, essa realidade muda”, disse o presidente do BC.
O diagnóstico é que os Estados Unidos
aumentaram muito a sua dívida pública nas últimas décadas, mas até agora
enfrentavam um custo mais moderado de financiamento porque o Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) vinha mantendo os juros reais em terreno
negativo. Agora, os juros estão mais altos.
As estimativas que Campos Neto vem repetindo
são que os custos para rolar a dívida americana estavam em cerca de 0,7% do
Produto Interno Bruto (PIB), e agora estão passando para mais perto de 4% do
PIB. Isso significa, segundo ele, que vão ter que absorver no mercado uma
parcela adicional equivalente a algo como 3% ou 3,5% do PIB.
A raiz dessa alta dos custos de financiamento
da dívida pública é monetária. Sobre o lado monetário, Campos Neto tem dito,
nos últimos dias, que não está vendo de onde virão as forças que vão
desacelerar a inflação mundial. Esse é um sinal de que, para o presidente do
BC, as pressões monetárias sobre a curva de juro vão se prolongar. Em cima
dessas forças, somam-se as pressões do déficit fiscal.
Em termos práticos, o que isso significa para
o Banco Central? No mercado financeiro, muitos acham que os juros elevados
americanos aumentam o piso para a baixa de juro por aqui. E, quanto mais
próximo estivermos desse piso, mais devagar o BC deve ir.
O exemplo do Chile é didático: seu banco
central ignorou o ambiente internacional e divulgou uma agressiva trajetória de
baixa de juro até o ano que vem. Sua moeda, o peso, perdeu mais de 10% do
valor. Por aqui, membros do Copom começaram a apontar os riscos e se
comprometer menos com a baixa de juros, o que ajudou a dar maior sustentação ao
real - também houve ajuda da balança comercial positiva, sobretudo produtos
agrícolas.
O juro de mercado subiu, apontando uma Selic
de 10,5% ao ano, mas seria um erro o BC tomá-lo como um gabarito. Primeiro,
porque a precificação não é perfeita. Segundo, num regime de metas de inflação,
a alta de juros americana não deveria se transmitir de forma mecânica para o
Brasil.
Os juros futuros costumam exagerar nos seus
movimentos. Nossa indústria de fundos divulga cotas diariamente e está mais
exposta a efeitos de manada para encerrar posições. O mercado também cobra um
prêmio por alongamento, que deveria ser subtraído da taxa terminal, ainda que
esse prêmio seja menor em prazos tão curtos quanto um ano. Muita gente diz que
a curva brasileira está apanhando mais devido ao risco fiscal, que existe. Mas
não se pode exagerar seu impacto recente: os juros sofreram, mas o câmbio e o
CDS nem tanto. Ruídos provocado por declarações de Campos Neto no FMI também
impactaram a curva, e depois veio o desmentido.
O mais importante: não é só o ambiente
externo que determina a política monetária. O que vale é a soma de todos os
fatores que afetam as projeções de inflação, incluindo o desempenho dos preços
de serviços e núcleos (que vieram um pouco melhores) e a atividade econômica
(fala-se em recessão técnica). Ninguém está propondo repetir o erro do Chile de
ignorar o risco externo. Mas o Copom deve ter sua visão sobre a Selic e
coordenar as expectativas de mercado sobre elas, e não o contrário.
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