Por Marina Guimarães — Para o Valor Econômico, de Buenos Aires
Os argentinos foram às urnas neste domingo
(22) e os resultados oficiais indicam para a realização de um segundo turno,
previsto para 19 de novembro, entre o atual ministro da Economia, Sergio Massa,
de centro-esquerda e que teve 36% dos votos, e o candidato de extrema direita
Javier Milei, que liderava as pesquisas, mas recebeu 30%.
A ex-ministra Patricia Bullrich, terceira
força eleitoral e candidata de centro-direita, obteve 26% dos votos, segundo os
dados da Câmara Nacional Eleitoral (CNE), que até às 21h45 de domingo tinha
apurado mais de 81% dos votos.
Ainda à noite na Argentina, Milei e Massa fizeram discursos a apoiadores. Milei acenou pedindo apoio ao campo não kirchnerista para o segundo turno. Já Massa dirigiu o discurso aos eleitores de Milei pedindo-lhes que mudem de opinião em prol da democracia.
De acordo com a autoridade eleitoral da
Argentina, 74% dos eleitores tinham votado no pleito, índice semelhante ao das
primárias realizadas em agosto, mas o menor desde o retorno da democracia ao
país, em 1983.
Um segundo turno entre Massa e Milei deve
provocar mais um mês de instabilidade cambial e alta descontrolada da inflação,
um problema que assolada a Argentina há décadas. O país registrou em setembro
uma inflação anual de 138% e o valor do dólar no câmbio paralelo já passou dos
1.000 pesos. Em razão da enorme impopularidade do governo, o atual presidente,
Alberto Fernández, decidiu não concorrer à reeleição.
Esta segunda-feira (23) será a prova de fogo
no mercado, e os investidores se preparam para mais volatilidade nos preços dos
ativos do país, dada a alta incerteza sobre como serão as fórmulas para lidar
com os desafios da inflação e da falta de dólares.
“O segundo turno entre Massa e Milei não
necessariamente significa que é uma discussão com respeito ao desempenho
econômico do ministro, mas também pode ser uma discussão com respeito à
incerteza que pode gerar Milei”, avaliou o analista argentino Carlos Fara, da
Fara Associados.
O resultado surpreende pela força demonstrada
por Sergio Massa, em especial na região da Grande Buenos Aires, onde se
concentra o maior número de eleitores do país e cujo histórico é de apoiar
candidatos peronistas, grupo político do ministro da Economia.
Candidato
Sergio Massa ao chegar para votar, em Tigre, na Argentina — Foto: Maria
Amasanti/Bloomberg
Líder nas pesquisas eleitorais e cuja
principal bandeira é a dolarização da economia argentina, Milei vendeu nos
últimos dias de campanha a expectativa de que poderia vencer em primeiro turno.
O clima em seu bunker eleitoral, nesse domingo, era de decepção — seus
eleitores esperavam uma votação maior. Ele obteve o mesmo índice de votos das
primárias de agosto (30%), quando a imprensa argentina adotou a expressão
“furacão Milei” para se referir ao candidato que se apresenta como
“anarcocapitalista”.
Para a analista politica Mariel Fornoni, da
consultoria Managment & Fit, “Massa cresceu mais do que Milei porque deve
ter funcionado a campanha de medo do desconhecido contra Milei em uma situação
tão complexa”.
Na reta final, a campanha do ministro da
Economia associou o candidato da extrema direita ao brasileiro Jair Bolsonaro.
Estas eleições marcaram o fim de uma era
política de polarização entre duas forças políticas. Depois da ditadura
(1976-1983), os 40 anos de democracia estiveram polarizados entre justicialistas
— também chamados peronistas — e radicais. É a primeira vez que o país tem dois
candidatos de ultradireita encarnado em Milei e, de direita , representado por
Bullrich. Massa é da linha de centro do Partido Justicialista (PJ), mas com o
apoio kirchnerista, de centro-esquerda. O PJ possui espectros que vão da
direita à esquerda, dependendo do candidato.
Sem ir muito longe na história, “é o fim de
um ciclo de polarização marcado por disputas entre candidatos kirchneristas e
os adversários”, afirma Zuleta Puceiro. Esse final implica também em reconhecer
que a Argentina necessita de reformas. Mas, a profundidade destas vai depender
da reconfiguração no Congresso. O pleito eleitoral também elegeu governadores
em quatro das 24 províncias (cada uma pode realizar eleições com cronograma
eleitoral diferenciado), a chefia de Governo da cidade de Buenos Aires
(prefeito), a metade da Câmara de Deputados (130 de um total de 257 assentos) e
um terço do Senado (24 de um total de 72 senadores). Ainda foram eleitos parlamentares
do Parlasul.
O novo governo terá que negociar porque não
terá maioria e, por isso, os analistas alertam para a dúvida política sobre a
governabilidade. “Estamos em condições de fazer o melhor governo da história”,
declarou Milei logo depois que votou, ao ser perguntado se lhe preocupa a
governabilidade. Massa, por sua vez, admitiu que o novo presidente “terá que
resolver infinitos problemas”. Bullrich disse que seu partido “sempre traz
tranquilidade”.
A Argentina teve 20 anos de modelo
kirchnerista, marcado por ser arisco aos mercados. O kirchnerismo, que é
alinhado à centro-esquerda e representa a ala dominante atual do PJ, assumiu o
poder em 2003, quando foi eleito Nestor Kirchner. Ele foi seguido por dois
mandatos consecutivos da esposa, Cristina Kirchner. A hegemonia foi quebrada
com a eleição de Mauricio Macri (2015-2019), do mesmo grupamento político de
centro-direita de Bullrich. E, em 2019, Alberto Fernández foi o candidato
escolhido por Cristina para retomar o poder.
Massa, embora tenha o apoio do kircherismo,
não se caracteriza como um autêntico representante desta ala peronista.
Inclusive, ele foi adversário dos Kirchner em 2015, quando concorreu à
presidência como um peronista não kirchnerista.
Diferente do Brasil, que exige 50% dos votos
mais um para vencer no primeiro turno, o sistema eleitoral argentino facilita
vitória no primeiro turno. Na Argentina o candidato precisa obter 45% dos votos
ou 40% mais uma diferença de 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo
melhor candidato para ganhar sem ir ao segundo turno.
Desde 1995, quando o sistema entrou em vigor,
das sete eleições realizadas, somente uma foi decidida no segundo turno. Em
2015 Macri disputou com Daniel Scioli, atual embaixador argentino no Brasil. Em
2003 , Nestor Kirchner foi declarado vitorioso com escassos 22,24% dos votos
porque o primeiro colocado, Carlos Menem, com 24%, desistiu do pleito depois do
primeiro turno.
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