segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Argentina: eleição para presidente vai para 2º turno entre Massa e Milei

Por Marina Guimarães — Para o Valor Econômico, de Buenos Aires

Os argentinos foram às urnas neste domingo (22) e os resultados oficiais indicam para a realização de um segundo turno, previsto para 19 de novembro, entre o atual ministro da Economia, Sergio Massa, de centro-esquerda e que teve 36% dos votos, e o candidato de extrema direita Javier Milei, que liderava as pesquisas, mas recebeu 30%.

A ex-ministra Patricia Bullrich, terceira força eleitoral e candidata de centro-direita, obteve 26% dos votos, segundo os dados da Câmara Nacional Eleitoral (CNE), que até às 21h45 de domingo tinha apurado mais de 81% dos votos.

Ainda à noite na Argentina, Milei e Massa fizeram discursos a apoiadores. Milei acenou pedindo apoio ao campo não kirchnerista para o segundo turno. Já Massa dirigiu o discurso aos eleitores de Milei pedindo-lhes que mudem de opinião em prol da democracia.

De acordo com a autoridade eleitoral da Argentina, 74% dos eleitores tinham votado no pleito, índice semelhante ao das primárias realizadas em agosto, mas o menor desde o retorno da democracia ao país, em 1983.

Um segundo turno entre Massa e Milei deve provocar mais um mês de instabilidade cambial e alta descontrolada da inflação, um problema que assolada a Argentina há décadas. O país registrou em setembro uma inflação anual de 138% e o valor do dólar no câmbio paralelo já passou dos 1.000 pesos. Em razão da enorme impopularidade do governo, o atual presidente, Alberto Fernández, decidiu não concorrer à reeleição.

Esta segunda-feira (23) será a prova de fogo no mercado, e os investidores se preparam para mais volatilidade nos preços dos ativos do país, dada a alta incerteza sobre como serão as fórmulas para lidar com os desafios da inflação e da falta de dólares.

“O segundo turno entre Massa e Milei não necessariamente significa que é uma discussão com respeito ao desempenho econômico do ministro, mas também pode ser uma discussão com respeito à incerteza que pode gerar Milei”, avaliou o analista argentino Carlos Fara, da Fara Associados.

O resultado surpreende pela força demonstrada por Sergio Massa, em especial na região da Grande Buenos Aires, onde se concentra o maior número de eleitores do país e cujo histórico é de apoiar candidatos peronistas, grupo político do ministro da Economia.

Candidato Sergio Massa ao chegar para votar, em Tigre, na Argentina — Foto: Maria Amasanti/BloombergCandidato Sergio Massa ao chegar para votar, em Tigre, na Argentina — Foto: Maria Amasanti/Bloomberg

Líder nas pesquisas eleitorais e cuja principal bandeira é a dolarização da economia argentina, Milei vendeu nos últimos dias de campanha a expectativa de que poderia vencer em primeiro turno. O clima em seu bunker eleitoral, nesse domingo, era de decepção — seus eleitores esperavam uma votação maior. Ele obteve o mesmo índice de votos das primárias de agosto (30%), quando a imprensa argentina adotou a expressão “furacão Milei” para se referir ao candidato que se apresenta como “anarcocapitalista”.

Para a analista politica Mariel Fornoni, da consultoria Managment & Fit, “Massa cresceu mais do que Milei porque deve ter funcionado a campanha de medo do desconhecido contra Milei em uma situação tão complexa”.

Na reta final, a campanha do ministro da Economia associou o candidato da extrema direita ao brasileiro Jair Bolsonaro.

Estas eleições marcaram o fim de uma era política de polarização entre duas forças políticas. Depois da ditadura (1976-1983), os 40 anos de democracia estiveram polarizados entre justicialistas — também chamados peronistas — e radicais. É a primeira vez que o país tem dois candidatos de ultradireita encarnado em Milei e, de direita , representado por Bullrich. Massa é da linha de centro do Partido Justicialista (PJ), mas com o apoio kirchnerista, de centro-esquerda. O PJ possui espectros que vão da direita à esquerda, dependendo do candidato.

Sem ir muito longe na história, “é o fim de um ciclo de polarização marcado por disputas entre candidatos kirchneristas e os adversários”, afirma Zuleta Puceiro. Esse final implica também em reconhecer que a Argentina necessita de reformas. Mas, a profundidade destas vai depender da reconfiguração no Congresso. O pleito eleitoral também elegeu governadores em quatro das 24 províncias (cada uma pode realizar eleições com cronograma eleitoral diferenciado), a chefia de Governo da cidade de Buenos Aires (prefeito), a metade da Câmara de Deputados (130 de um total de 257 assentos) e um terço do Senado (24 de um total de 72 senadores). Ainda foram eleitos parlamentares do Parlasul.

O novo governo terá que negociar porque não terá maioria e, por isso, os analistas alertam para a dúvida política sobre a governabilidade. “Estamos em condições de fazer o melhor governo da história”, declarou Milei logo depois que votou, ao ser perguntado se lhe preocupa a governabilidade. Massa, por sua vez, admitiu que o novo presidente “terá que resolver infinitos problemas”. Bullrich disse que seu partido “sempre traz tranquilidade”.

A Argentina teve 20 anos de modelo kirchnerista, marcado por ser arisco aos mercados. O kirchnerismo, que é alinhado à centro-esquerda e representa a ala dominante atual do PJ, assumiu o poder em 2003, quando foi eleito Nestor Kirchner. Ele foi seguido por dois mandatos consecutivos da esposa, Cristina Kirchner. A hegemonia foi quebrada com a eleição de Mauricio Macri (2015-2019), do mesmo grupamento político de centro-direita de Bullrich. E, em 2019, Alberto Fernández foi o candidato escolhido por Cristina para retomar o poder.

Massa, embora tenha o apoio do kircherismo, não se caracteriza como um autêntico representante desta ala peronista. Inclusive, ele foi adversário dos Kirchner em 2015, quando concorreu à presidência como um peronista não kirchnerista.

Diferente do Brasil, que exige 50% dos votos mais um para vencer no primeiro turno, o sistema eleitoral argentino facilita vitória no primeiro turno. Na Argentina o candidato precisa obter 45% dos votos ou 40% mais uma diferença de 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo melhor candidato para ganhar sem ir ao segundo turno.

Desde 1995, quando o sistema entrou em vigor, das sete eleições realizadas, somente uma foi decidida no segundo turno. Em 2015 Macri disputou com Daniel Scioli, atual embaixador argentino no Brasil. Em 2003 , Nestor Kirchner foi declarado vitorioso com escassos 22,24% dos votos porque o primeiro colocado, Carlos Menem, com 24%, desistiu do pleito depois do primeiro turno.

 

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