O Globo
Desde o traumático dia 7 de outubro, o
terrorismo do Hamas exalou ondas de desumanidade
O conflito Israel-Hamas, não
bastassem as mortes e a tristeza, se mostra agravado pelo modo Fla-Flu como os
populares enxergam o mundo globalizado. Onde a turba tem opinião sobre todos os
assuntos, inclusive medicamentos para Covid-19, questões atuariais ou ainda a
dosimetria aplicada aos militantes do sopão bolsonarista.
O padrão violento das discussões nas redes
sociais contamina o cotidiano, com um ódio feroz; exacerba as opiniões, que
desconhece nuances; e provoca, ao final, outra quantidade de vítimas, abatidas
desta vez pelos memes e pela lacração; ou ainda pela imposição autoritária de algum
tipo de poder. Seja econômico ou emocional.
O tal post, em sua facilidade de ser multiplicado por um simples toque de dedo, fez muito mal à sociedade. Convenhamos, fala-se muita besteira sem pensar. Aquela leviandade antes inocente, muitas vezes maliciosa ou apenas recalcada, tornou-se arma ferina. A palavra escrita, quase sempre, pesa mais que uma fala, porque destituída da inflexão da voz ou dos gestos e trejeitos. Também das piscadelas.
O militante de post, aquele tipo que se quer
bem-intencionado, é como um deputado do MBL ou o governador Zema — a
espontaneidade revela o preconceito e a superficialidade das propostas. Querer
extinguir a Cracolândia com a força policial ou enxergar o mundo como campo de
batalha pode ser apenas uma descompensação de formação, mas que se torna
perigosa ao ser conectada com outros belicosos tipos semelhantes. O vozerio dos
idiotas, numa licença roubada de Umberto Eco.
Desde o traumático dia 7 de outubro, o terrorismo do
Hamas exalou ondas de desumanidade, não apenas junto ao populacho anônimo das
redes, mas entre intelectuais, empresários ou professores. Ecoadas por
estudantes universitários, verbalizadas por líderes políticos. Não apenas no
Brasil, porque a insensatez não é privilégio nacional. É coisa de país
subdesenvolvido ou de país rico.
Além da desumanidade, assusta o mecanismo de
censura às opiniões ou ao que poderia vir a ser um debate. A lacração se deu na
PUC do Rio, com o professor Michel Gherman, que nem sequer conseguiu expor sua
análise, e se agrava nos Estados Unidos, a partir do poderio econômico.
Trava-se um duelo de narrativas em várias universidades
americanas, onde a questão da liberdade de opinião sofre duro desgaste. Por
todos os lados. Em Harvard, depois que várias associações de alunos, por meio
de manifestos, denunciaram o governo de direita de Benjamin
Netanyahu, diversos empresários judeus, mantenedores da instituição,
ameaçam cortar suas doações. O dono de um fundo de investimento em startups de
alta tecnologia pediu a lista dos nomes dos estudantes que se colocaram contra
a política de Israel. Para evitar que sejam contratados quando estiverem
formados. Outro escritório de advocacia, entre algumas outras firmas, seguiram
semelhante toada. Até que outro investidor judeu chamou os colegas ao chão,
para que entendessem o desarrazoado das retaliações. Interessante que, nos
livros de Philip Roth, de muitos personagens saltam críticas no mesmo conteúdo
das hoje reverberadas pelos universitários.
Até o momento em que escrevo, apesar de a
esquerda judaica nova-iorquina concordar com parte dos termos dos estudantes, a
pressão continua. A reitora de Harvard, Claudine Gay, primeira negra a ocupar o
cargo, está sob tiroteio por não ter reagido prontamente ao manifesto. Entre os
próprios alunos há divergências e, se alguns alegam haver antissemitismo nos
ataques, outros reivindicam o direito à liberdade de opinião. Quem já
frequentou a universidade conhece bem o ambiente, em geral exacerbado,
polarizado e crítico por natureza. Fazem parte da vida acadêmica, por
definição, o engajamento e a tomada de posição. Agora, como noutras situações,
exalam preconceitos — um professor de História, Russell Rickford, de Cornell,
outra importante universidade americana, declarou durante sua aula estar “exultante”
com os ataques do Hamas. Tal opinião não estaria protegida sob o conceito de
liberdade de expressão. Caso não seja algo assemelhado ao antissemitismo
praticado pelos nazistas, revela imensa desumanidade e mostra que a ignorância
se esconde também sob o verniz ideológico.
Ao ler a nota do PT, em resposta mal-educada
ao embaixador de Israel no Brasil, assinada e vocalizada pela renomada Gleisi
Hoffmann, volta à memória a lembrança de que Stálin eliminou todos os
revolucionários judeus. Matou-os. A começar por Trótski. Stálin não suportava
divergência e opiniões contrárias. Diante do debate, condenava o crítico à
morte.
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