Folha de S. Paulo
Garantir o financiamento da estrutura
sindical é garantir a democracia
Os sindicatos são uma instituição da
democracia, e assim devem ser tratados. Está em desenvolvimento uma proposta de
criação de contribuições a
serem aprovadas em assembleias dos trabalhadores de cada categoria, no contexto
da aprovação de seus acordos coletivos e isso não é a retomada do imposto
sindical.
O imposto sindical, eliminado pela reforma trabalhista,
consistia em um desconto obrigatório feito em folha de pagamento, em valor
arbitrado pela lei, repassado automaticamente para as entidades sindicais. O
mecanismo foi uma criação nada democrática da Era Vargas que tinha como
objetivo controlar o financiamento
dos sindicatos para que a própria estrutura de representação dos
trabalhadores fosse controlada pelo Estado.
Ao longo dos anos, a imposição desse modelo de financiamento foi responsável por sustentar sindicatos com baixo grau de representatividade e transparência com a efetivação desses recursos que acabaram por contribuir com um abalo considerável na legitimidade do sindicalismo. No entanto, esses mesmos anos assistiram um aprofundamento de crises políticas que abalaram a democracia em diversos países do mundo.
Foi nessa conjuntura que a reforma
trabalhista aboliu o imposto sindical. No entanto, em consonância com a
debilidade da democracia brasileira, a reforma não criou uma alternativa legal
para o financiamento dos sindicatos. Isso aprofundou a crise da estrutura
sindical, acompanhada de uma queda substancial nas taxas de sindicalização e de
mecanismos até então eficientes na proteção dos trabalhadores. O que já não era
muito bom, piorou.
Acontece que uma democracia precisa garantir
voz e participação ao conjunto da população com força suficiente para fazer
frente ao poder financeiro ou político. É na proteção
da coletividade que se garante o jogo da democracia. Os sindicatos
servem para criar aos trabalhadores um espaço legítimo e democrático para
protegê-los, possibilitando algum equilíbrio na relação de trabalho. Sem uma
garantia legal de financiamento, não há sindicalismo viável, e sem um
sindicalismo viável, o trabalhador fica desprotegido.
Garantir um modelo de financiamento da estrutura
sindical é garantir a democracia. A ideia discutida hoje pelo governo já é
aplicada por diversas negociações coletivas no Brasil, como na convenção
coletiva da categoria bancária, de abrangência nacional, com a participação de
todos os bancos, tanto públicos quanto privados.
Isso significa dizer que o próprio sistema
financeiro reconhece a relevância de uma estrutura sindical que funcione e que
dê legitimidade ao interesse da classe trabalhadora. E isso acontece há mais de
trinta anos. O modelo ora proposto não é exatamente uma inovação, mas é
democrático.
O mecanismo da contribuição sindical
autorizada coletivamente pelos trabalhadores quando aprovam o reajuste de
salário e os direitos negociados pode ser um avanço da democracia e a correção
de um erro grave cometido pela reforma trabalhista. Reunida, a categoria aprova
um acordo e, nessa aprovação, decide pelo formato de financiamento do
sindicato.
Mas essa iniciativa, por si só, não garante
que os sindicatos cumprirão com o seu dever de representar o interesse dos
trabalhadores. Devem ser conferidas as condições necessárias para que se tenha
transparência, contraditório, e representatividade de fato nas entidades
sindicais. Inclusive para que a contribuição sindical seja instituída.
Inclusive para que o trabalhador tenha o direito de escolher o sindicato que o
representará. Que seja possível disputar e concorrer às eleições sindicais, ou
buscar um outro sindicato que garanta maior legitimidade e representatividade
para os trabalhadores. Sindicato não é clube de amigos, não é partido político,
não é máfia. Sindicato é uma instituição da democracia, e assim deve ser
tratado.
*Advogado e cientista político, especializado
em economia do trabalho e sindicalismo
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