domingo, 13 de janeiro de 2019

*Bolívar Lamounier: Energia, dedicação e farol alto

- O Estado de S.Paulo

Se funcionar bem como freada de arrumação, o governo terá realizado um trabalho meritório

A julgar pelas duas primeiras semanas, o governo Bolsonaro periga tomar gol antes de tocar na bola. Realmente, o número de desencontros e trapalhadas foi considerável.

Se funcionar bem como uma freada de arrumação, o governo terá realizado um trabalho meritório. Freada de arrumação o que é? Arrumar as contas públicas, aí incluída a reforma da Previdência; atrair capital estrangeiro em quantidade para destravar a infraestrutura; controlar as falcatruas e safadezas na administração direta e nas estatais. Isso é pouco, pouquíssimo, à luz dos desafios que teremos de enfrentar no médio prazo – voltarei a este ponto abaixo –, mas no presente quatriênio temos de ser realistas, pois fomos atingidos em cheio pelo tsunami Dilma Rousseff. Isto posto, qualquer pequena perda de capital político precisa ser avaliada com seriedade, uma vez que o jogo ainda nem começou.

A trapalhada de maior tamanho foi, sem dúvida, o precipitado anúncio da transferência de nossa embaixada em Israel para Jerusalém. Nesse caso, o próprio presidente Bolsonaro e o excelentíssimo senhor ministro das Relações Exteriores parecem-me ter cometido um sério pecado, falando antes da hora e mostrando-se propensos a comprar uma briga que não nos pertence. E sinalizando duas possíveis orientações que se revelarão desastrosas caso sejam levadas à prática: um afastamento do conceito do Brasil como Estado laico – consta que a influência evangélica pesou na mencionada atitude – e um alinhamento político automático com os Estados Unidos, ainda por cima dentro do jeito Trump de governar, que, obviamente, suscita preocupações.

Outro episódio que merece referência foi a contratação pelo presidente do Banco do Brasil do sr. Antônio Mourão, filho do vice-presidente, Hamilton Mourão. O general vice-presidente reagiu com calma e sinceridade ao episódio, ressaltando a lisura do ato, a competência de seu filho para a função, o fato de ser concursado e de ter uma longa carreira no banco. Fato é, porém, que a contratação repercutiu negativamente numa parcela da opinião pública, que reagiu com argumentos também ponderáveis. Recorrendo a uma imagem surrada, à mulher de César não basta ser casta, ela precisa parecer casta. Nesse caso, a aparência é importante por várias razões. 

Primeiro, pelas circunstâncias da eleição. Jair Bolsonaro foi eleito graças a um amplo movimento de opinião caracterizado, de um lado, pelo antipetismo e, do outro, por uma aguda exigência de reforma, de mudança de comportamentos e práticas. A questão do timing é também relevante. Entre os eleitores que foram às urnas com essa expectativa, muitos devem ter estranhado a mencionada contratação já na primeira quinzena do novo governo.

Tudo isso desaparecerá da memória se o governo conseguir “entregar” as mudanças que se propôs efetivar. Mas isso, como assinalei no início, não são favas contadas.

O general Hamilton Mourão foi também sincero e ponderado ao responder a críticas feitas ao desentrosamento da equipe de governo. Frisou que uma equipe não se organiza e age de forma coesa da noite para o dia. Isso é certo, sem dúvida. Permito-me, porém, repetir que, mesmo no modesto modelo de um governo de arrumação, a equipe ainda não deu sinais claros de como pretende proceder em várias frentes, nem mostrou uma percepção realista do tamanho dos interesses que lhe cumprirá arbitrar. 

Tome-se, por exemplo, a contraposição existente na área ambiental, com fazendeiros querendo ampliar a área desmatada e ambientalistas argumentando que o desmatamento já foi longe demais. No tocante à privatização, outro imperativo dos próximos anos, precisamos andar rápido, mas somos, infelizmente, um país de cabeça feita, nacional-estatizante até a medula. Entre os pesquisadores acadêmicos sobram demonstrações de que o modelo nacional-desenvolvimentista, cujo núcleo é uma máquina estatal atrelada a umas poucas megaempresas, cedo ou tarde acaba esbarrando na chamada armadilha do baixo crescimento. 

Pior ainda quando esse modelo reduz a diversificação estrutural da economia, concentrando fortemente a atividade econômica na exportação de commodities; nessa variante, além do baixo crescimento, a redução das desigualdades sociais se torna virtualmente impossível. Louve-se, portanto, a intenção anunciada pelo sr. Joaquim Levy, novo presidente do BNDES, qual seja, a de redirecionar as prioridades do banco no sentido da média empresa.

Esquematicamente, podemos, portanto, afirmar, sem temor de erro, que a agenda da “arrumação” é um modelo de transição para outra, muito maior e mais decisiva, que consistirá em melhorar a produtividade, elevando acentuadamente a taxa global de investimento e diversificando a economia, para dessa forma atingir uma taxa menos medíocre de crescimento do PIB. Essa agenda que chamo de maior e mais decisiva mal apareceu na campanha eleitoral e nas duas primeiras semanas do governo Bolsonaro. 

Nesse plano, a reforma do sistema educacional configura-se como a questão sine qua nonque precisa ser enfrentada com coragem e energia. Sociólogo competente, o ministro Vélez Rodrigues seguramente deve ter uma percepção adequada das dimensões e determinantes da reforma necessária, mas ainda não se pronunciou a respeito. No nível superior, nosso país não tem uma universidade sequer entre as cem melhores do mundo. Há ilhas de excelência, sem dúvida, mas o panorama geral é bem conhecido.

Altamente ideologizadas, as instituições de ensino superior são presa fácil para a luta política e para o grevismo. Muitos, talvez a maioria dos estudantes não responde com a esperada motivação ao privilégio do ensino gratuito, que é estendido a todos, quer suas famílias tenham ou não condições de pagar anuidades. No ensino básico o quadro é evidentemente pior, não cabendo analisá-lo neste espaço.

* Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências

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