Folha de S. Paulo
Como o Comando Vermelho, o bolsonarismo
continua funcionando
Entendo perfeitamente que você queira
acreditar que a operação
do governador Cláudio Castro no complexo do Alemão foi um sucesso.
Todos queremos ouvir boas notícias sobre segurança pública.
Mas não foi dessa vez.
O nome da operação, "Contenção",
pode dar uma impressão errada. O objetivo nunca foi impedir que o Comando
Vermelho conquiste áreas da cidade que atualmente estão livres do
crime organizado.
O objetivo da operação era impedir que o
Comando Vermelho continuasse tomando áreas na região de Jacarepaguá que, no
momento, são controladas pelas milícias.
Imagino que as autoridades tenham uma boa
explicação para isso. Seria para evitar que o CV fechasse controle sobre o Rio
todo, como o PCC (Primeiro
Comando da Capital) faz em São Paulo? Talvez.
O conflito entre facções impediu que no Rio surgisse uma facção estável e centralizada como o PCC. Por outro lado, os fluminenses pobres sofrem muito mais com guerras de quadrilha sangrentas do que os pobres paulistas. É difícil saber qual dos dois quadros é pior.
De qualquer forma, é bom ter isso em mente: a
operação nunca teve como objetivo libertar o território do Alemão do jugo dos
criminosos. Esse foi o objetivo das UPPs (Unidades
de Polícia Pacificadora), por exemplo.
Castro não fez UPP, não fez ocupação, não fez
nada. Encerrada a operação, a polícia foi embora e deixou os moradores lá,
buscando seus mortos no meio da mata e pagando as mesmas taxas extorquidas pelo
Comando Vermelho.
A única coisa que talvez tenha mudado em
função da operação de terça-feira é que pode ter aumentado a probabilidade do
pessoal de Jacarepaguá continuar sendo extorquido pelas milícias, ao invés de
ser extorquido pelo Comando Vermelho.
Em entrevista ao UOL, o ex-oficial do Bope
(Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel sugeriu que o governo Lula
aproveite a oportunidade para ocupar o Alemão.
Seria ótimo, mas isso deveria ter sido
planejado antes da invasão, como foi na época das UPPs. E o partido de Cláudio
Castro trabalharia no Congresso, como já faz há meses, para que Lula não
tivesse dinheiro para fazer nada importante em ano eleitoral.
Bom, você pode dizer: "Mas mesmo se a
operação não tiver tido efeitos de longo prazo, pelo menos a polícia prendeu os
traficantes que queria prender, certo?"
Também não.
Cláudio Castro invadiu o Complexo do Alemão
por ordem da Justiça para prender 100 criminosos do Comando Vermelho. Dos 100,
prendeu 20. Mais
de 100 pessoas morreram, mas nenhuma delas estava na lista de pessoas que
Cláudio Castro foi lá prender.
O principal alvo da operação, o traficante
Doca, está
entre os que escaparam.
Logo depois da operação, Castro partiu para a
politização. Precisava esconder seu fracasso. Sabia que, se xingasse Lula por qualquer
motivo (a história dos blindados, a propósito, era mentira), os bolsonaristas
fariam o barulho que ele precisava para esconder o fiasco.
Até agora, tem dado certo. O fracasso das
prisões só ficou claro quando os presos e os mortos foram oficialmente
identificados, vários dias depois da invasão. O clima de euforia em torno da
matança já estava instalado.
A turma que até outro dia dizia que soluço é
motivo para prisão domiciliar já estava festejando as mortes sem direito a
julgamento. Como o Comando Vermelho, o bolsonarismo continua funcionando.

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