- Folha de S. Paulo / O Globo
O instituto que começou como uma arma contra malfeitores aos poucos tornou-se uma barafunda que os favorece
Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e Dilma, quindim da banca enquanto mandou, fechou seu terceiro acordo de colaboração, desta vez com o Ministério Público Federal em Brasília. Condenado a 12 anos de prisão, cumpriu menos de dois e está em casa, de tornozeleira. Como de hábito, o que vazou de suas confissões é uma mistura de notícias velhas com aulas de ciência política.
Quando juiz, no calor da campanha eleitoral, Sergio Moro divulgou um dos anexos da colaboração de Palocci à Polícia Federal. Espremendo-a, dela resultou que Lula chamou-o para uma reunião no Palácio da Alvorada e mandou que organizasse uma caixinha com os fornecedores
de sondas para a Petrobras.
Grande revelação, desde que em outros anexos, ainda desconhecidos, ele tenha contado a quem mordeu, quanto arrecadou e como passou o dinheiro adiante. Sem isso, o anexo é o que foi: um instrumento de campanha política.
O instituto da colaboração de malfeitores está contaminado desde 2015, quando um procurador de Curitiba formulou a doutrina da “bosta seca”, segundo a qual, havendo colaborações conflitantes, não se aprofunda a investigação.
Aceita-se a palavra do delator e, mais tarde, sentenças baseadas nelas caem nas instâncias superiores. Essa jabuticaba faz a fortuna de uma nova geração de criminalistas.
Ainda neste ano o Supremo Tribunal Federal decidirá se mantém ou revoga o acordo feito por Rodrigo Janot com os donos da JBS. Os irmãos Batista estão na frigideira, mas Janot, a outra ponta de um acordo tão astucioso quanto escalafobético, vai bem, obrigado.
Com a ida do astro-rei Sergio Moro para o Ministério da Justiça, talvez se possa começar a duvidar da eficácia da doutrina da “bosta seca”. Estima-se que, de cada dez anexos de colaboração, só a metade resulte em investigações ou sindicâncias.
Para ficar num exemplo que entrará nos anais da diplomacia, o Itamaraty de Lula deu agrément ao doutor Choo Chiau Beng, para a posição de embaixador de Cingapura no Brasil. Ele não pertencia ao serviço público, nunca chefiou a embaixada em Brasília e não deixou de ser o CEO do estaleiro Keppel, que fornecia sondas à Petrobras.
Essa circunstância foi revelada na colaboração do operador da Keppel no Brasil, Zwi Skornicki, que pagou a propina de 1,2% no contrato de US$ 700 milhões da plataforma P-52.
Quem topou dar o agrément? Choo entregou suas credenciais a Lula e chegou a fazer uma visita protocolar ao presidente do STF, Joaquim Barbosa.
ONIPOTÊNCIA
Os poderosos acreditam em qualquer coisa e assim há quem creia que a embrulhada de Fabrício Queiroz possa ser resolvida por algum craque capaz de matá-la no peito.
Afinal, Sérgio Cabral julgou-se protegido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, mas Claudio Lopes, que ocupou a procuradoria-geral de 2009 a 2011, passou uns dias na cadeia e Cabral rala sentenças que somam 192 anos.
Na infantaria do Ministério Público do Rio há gente decidida a impedir um novo vexame. Os procuradores não têm pressa, só perguntas.
PARENTE DO GENERAL
Refrescando a memória para a “nova era” do governo Bolsonaro:
Em 1964, o general Ernesto Geisel, chefe do Gabinete Militar de Castello Branco, encontrou-se com um sobrinho. Economista e funcionário do Banco do Brasil, pretendia trabalhar no gabinete do ministro do Planejamento, Roberto Campos. O general abateu-o em voo: “Não vá, porque eu vou dizer ao Roberto que mande você embora”.
Já o marechal Castello Branco demitiu o irmão Lauro da Diretoria de Arrecadação do Ministério da Fazenda porque ele aceitou um automóvel de presente.
OS FAIXAS
Nos últimos tempos disseminou-se o uso de faixas no vestuário dos hierarcas nacionais.
Pela norma, só quem tem a grã-cruz de alguma ordem da nobiliarquia republicana pode usar esse adereço, em ocasiões especiais. Como em Pindorama é farta a distribuição de condecorações, paisanos aparecem em solenidades com suas faixas coloridas. O governador Wilson Witzel mandou que se fizesse uma para enfeitá-lo.
Já se foi o tempo em que no Brasil só quem usava faixa eram o presidente da República e as misses de concursos de beleza.
UM JABUTI NO MEC
Alguém pôs um jabuti no edital dos livros didáticos que o Ministério da Educação divulgou no dia 2 de janeiro (governo Bolsonaro). A medida tinha data de 28 de dezembro (governo Temer) e com isso estabeleceu-se um jogo de empurra para fixar a autoria da peça.
As novidades do edital eram de discutível natureza pedagógica, mas escondido na pirotecnia havia um jabuti. Ele revogava a proibição de publicidade nos livros das crianças.
Assim, um garoto poderia estudar matemática num volume que anunciasse, por exemplo, as virtudes de uma operadora de telefonia.
As mudanças relativas à violência contra mulheres envolviam uma questão pedagógica. A colocação dos livros didáticos no mercado publicitário é um pleito antigo de algumas editoras e nesse caso há dinheiro no lance.
Tomara que a sindicância aprofunde a origem jabuti.
LEIAM O TIMES
Depois de pedir aos diplomatas que leiam mais José de Alencar e menos o New York Times, o chanceler Ernesto Araújo informou que o monoglota Alex Carreiro pediu para deixar a presidência da Apex, para a qual havia sido nomeado dias antes:
“O sr. Alex Carreiro pediu-me o encerramento de suas funções como presidente da Apex”, escreveu o ministro.
Carreiro não pediu demissão. Teve que ser demitido.
É melhor ler o New York Times. Lá quem mente está frito.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e encantou-se com o capitão quando soube que ele não preencheria cargos técnicos com indicações políticas. Altruísta, o cretino sabia que com isso perdia o acesso a uma boquinha.
Eremildo decidiu ir a Brasília para reivindicar um emprego na Agência de Promoção de Exportações. Alex Carreiro, escolhido por Bolsonaro para presidi-la, não era fluente em inglês, mas dirigiu o Patriotas de Brasília, primeiro partido a oferecer legenda ao capitão.
Ele foi patrocinado por amigos do PSL e viu-se defenestrado por causa de um atrito com uma diretora da agência, ex-secretária-geral do partido (expulsa em setembro passado). Mosca de padaria, ele esteve no Sebrae, na Caixa e na Secretaria de Portos.
Eremildo lembra que durante o mandarinato petista a Apex foi aparelhada com uma ex-secretária de Lula e com a mulher de um “aloprado” da fábrica de dossiês contra o PSDB. A agência foi presidida pelo comissário Alessandro Teixeira. Em 2016, Dilma Rousseff nomeou-o para o Ministério do Turismo e sua mulher (Miss Bumbum 2012) fez um ensaio fotográfico no gabinete do doutor.
OTIMISMO
Coisas boas também acontecem.
No dia 4 de março a Mangueira entrará na avenida cantando “Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”.
*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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