O Estado de S. Paulo.
Guerra e terrorismo são diferentes de criminalidade e precisam de respostas diferentes
A chacina de israelenses em outubro de 2023,
as execuções sumárias de palestinos pelo Hamas, a campanha militar de Israel na
Faixa de Gaza, o bombardeio americano de embarcações no Caribe e no Pacífico e
a operação da polícia no Rio de Janeiro têm um propósito político comum: saciar
a sede de sangue do público.
Desde a Antiguidade, quando imperadores romanos punham gladiadores para lutar, os políticos lançam mão desse truque: entreter o povo com violência explícita. O Taleban promovia execuções nos intervalos das partidas de futebol. Pessoas agitadas pelo medo e pela raiva são fáceis de manipular.
Vídeos dos bombardeios de lanchas no Caribe,
que já mataram dezenas, são publicados no X pelo secretário da Guerra
americano, Pete Hegseth. Assassinatos feitos para serem exibidos. Sua eficácia
policial é nula.
A forma correta de conter o narcotráfico é
abordar as embarcações com lanchas da Guarda Costeira, confiscar e examinar a
droga, deter e interrogar os traficantes, para investigar a complexa cadeia que
vai da sua produção à venda. Mas esse é um trabalho sigiloso, que não produz
imagens semelhantes a videogame.
Em 2002, a Comuna 13 de Medellín era ocupada
por traficantes, paramilitares e guerrilheiros. Em outubro daquele ano, o então
presidente Álvaro Uribe ordenou a Operação Orión, que resultou na morte de 17
pessoas pela Polícia Nacional e 71 pelos paramilitares, equivalentes colombianos
dos milicianos cariocas.
Diante do caos, moradores de Medellín criaram
o Comitê Universidade-Empresa-Estado, que passou a discutir soluções para a
cidade. Cada um saía da reunião com uma tarefa. Daí nasceram planos integrados
de segurança, transporte, urbanismo, meio ambiente, empreendedorismo,
empregabilidade e inovação.
A taxa de homicídios por 100 mil habitantes
caiu de 160 em 2000 para 85 em 2010 e 14 em 2020. Fui a Medellín em 2006 e 2017
fazer reportagens sobre a transformação. Sucessivos prefeitos deram
continuidade aos planos, vinculados a consensos construídos na cidade, não a
disputas políticas.
A lógica binária faz pensar que ou se fica de braços cruzados ou se parte para a violência indiscriminada. O uso tecnicamente incorreto de “guerra” e “terrorismo” para definir o crime organizado é parte do ilusionismo. Passei a vida cobrindo guerra e terrorismo de verdade, assim como a criminalidade no Brasil. São fenômenos diferentes, que precisam ser combatidos de formas diferentes. É fácil recorrer à violência. Dá trabalho construir soluções efetivas. Mas vale a pena.

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