domingo, 2 de novembro de 2025

Respostas midiáticas à criminalidade, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo.

Guerra e terrorismo são diferentes de criminalidade e precisam de respostas diferentes

A chacina de israelenses em outubro de 2023, as execuções sumárias de palestinos pelo Hamas, a campanha militar de Israel na Faixa de Gaza, o bombardeio americano de embarcações no Caribe e no Pacífico e a operação da polícia no Rio de Janeiro têm um propósito político comum: saciar a sede de sangue do público.

Desde a Antiguidade, quando imperadores romanos punham gladiadores para lutar, os políticos lançam mão desse truque: entreter o povo com violência explícita. O Taleban promovia execuções nos intervalos das partidas de futebol. Pessoas agitadas pelo medo e pela raiva são fáceis de manipular.

Vídeos dos bombardeios de lanchas no Caribe, que já mataram dezenas, são publicados no X pelo secretário da Guerra americano, Pete Hegseth. Assassinatos feitos para serem exibidos. Sua eficácia policial é nula.

A forma correta de conter o narcotráfico é abordar as embarcações com lanchas da Guarda Costeira, confiscar e examinar a droga, deter e interrogar os traficantes, para investigar a complexa cadeia que vai da sua produção à venda. Mas esse é um trabalho sigiloso, que não produz imagens semelhantes a videogame.

Em 2002, a Comuna 13 de Medellín era ocupada por traficantes, paramilitares e guerrilheiros. Em outubro daquele ano, o então presidente Álvaro Uribe ordenou a Operação Orión, que resultou na morte de 17 pessoas pela Polícia Nacional e 71 pelos paramilitares, equivalentes colombianos dos milicianos cariocas.

Diante do caos, moradores de Medellín criaram o Comitê Universidade-Empresa-Estado, que passou a discutir soluções para a cidade. Cada um saía da reunião com uma tarefa. Daí nasceram planos integrados de segurança, transporte, urbanismo, meio ambiente, empreendedorismo, empregabilidade e inovação.

A taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 160 em 2000 para 85 em 2010 e 14 em 2020. Fui a Medellín em 2006 e 2017 fazer reportagens sobre a transformação. Sucessivos prefeitos deram continuidade aos planos, vinculados a consensos construídos na cidade, não a disputas políticas.

A lógica binária faz pensar que ou se fica de braços cruzados ou se parte para a violência indiscriminada. O uso tecnicamente incorreto de “guerra” e “terrorismo” para definir o crime organizado é parte do ilusionismo. Passei a vida cobrindo guerra e terrorismo de verdade, assim como a criminalidade no Brasil. São fenômenos diferentes, que precisam ser combatidos de formas diferentes. É fácil recorrer à violência. Dá trabalho construir soluções efetivas. Mas vale a pena. 

Nenhum comentário: