sábado, 1 de novembro de 2025

A guerra de Castro, por Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

Terrorismo, em qualquer de suas definições, inscreve-se no campo da política

Face à mexicanização do Brasil, o governo ainda não criou um diretório unificado antifacção

"Narcoterrorismo" –a palavra saltou da boca de Trump para a de Cláudio Castro, governador do Rio, enquanto tramita a PEC patrocinada por Derrite, secretário de Segurança de SP, que reclassifica as facções do tráfico como "terroristas". Palavras, às vezes, geram atos. A transferência das facções do universo da segurança pública para o da guerra propicia execuções sumárias, extrajudiciais, de supostos "combatentes inimigos". É o que fazem as bombas dos EUA no Caribe e no Pacífico. É o que fez no Rio a megaoperação de Castro.

Terrorismo, em qualquer de suas definições, inscreve-se no campo da política. As facções situam-se no campo dos negócios criminosos. A perversão da linguagem tem finalidade política. Sob a encenação de uma "guerra às drogas" montada para o público doméstico, Trump engaja-se na aventura da mudança de regime na Venezuela. Já o espetáculo promovido por Castro mira a cena eleitoral estadual e nacional. Os mortos –policiais, bandidos reais ou presumidos, moradores das favelas– são danos colaterais na estratégia política do governador fluminense.

As mortes de policiais, as execuções à queima-roupa longe das câmeras de celulares, na rota de fuga no mato, a transformação da Penha e do Alemão em praças de guerra, a difusão do pavor pela segunda metrópole do país –eis o saldo da megaoperação criminosa. O antigo vice do condenado Wilson "mira na cabecinha" Witzel nem sequer conseguiu capturar o tal Doca, chefe do CV na base da Penha. Mas, como de hábito, rimou violência com incompetência.

Castro celebra o fracasso, nomeando-o como vitória –e ganha o respaldo dos governadores bolsonaristas de SP, MG, GO, MT e SC. Mas a sombria orquestra só toca o hino da barbárie porque, no lado oposto, a esquerda não consegue romper sua tradição de imobilismo diante do crime organizado.

Lewandowski repetiu a ladainha sobre a responsabilidade estadual pela segurança pública, fingindo que as facções não operam nas escalas nacional e internacional. Boulos, operador lulista de emergência, parabenizou seu sábio presidente por enxergar "na Faria Lima" a "cabeça" do crime organizado, uma meia-verdade que ignora Fernandinho Beira-Mar e seus milicianos armados. A direita brucutu insiste em reprisar em HD um antigo filme de horror porque a esquerda ginasiana segue refém da lenda ideológica de que a criminalidade deriva da desigualdade social.

Lula só acordou para o tema da segurança pública às vésperas do ano eleitoral. Seu PL Antifacção, uma iniciativa legislativa elogiável paralisada pelos governadores bolsonaristas, não deveria servir de álibi à leniência. Face à mexicanização do Brasil, o governo ainda não criou um diretório unificado antifacção constituído pelo MPF, pela PF e PRF, pela Receita e pelos comandos militares. É a ausência de ações práticas desse tipo que descortina os atalhos para os Castro moverem suas sangrentas guerras de mentira.

Andrei Rodrigues, da PF, confessou que conhecia o plano de Castro. Por que o governo federal não denunciou publicamente a catástrofe iminente? Por que, diante das pilhas de cadáveres, o Planalto ainda promete ajudar Castro, em lugar de decretar intervenção federal na segurança pública do Rio? A inércia da esquerda é o elemento oculto na cena da orgia criminosa na Cidade Maravilhosa.

 

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