domingo, 26 de outubro de 2025

O tiro pela culatra no agro americano, por Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

As tarifas não poderiam ter vindo em pior momento para a carne bovina dos EUA

Donald Trump está em condição mais vulnerável, do ponto de vista comercial, do que quando anunciou a tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros, no dia 9 de julho. A carne e o café estão caros nos EUA e não houve impacto sobre as principais exportações do agro brasileiro.

As tarifas não poderiam ter vindo em pior momento, para a carne bovina dos EUA, que vive a pior queda de produção em 70 anos. Todo setor tem os seus ciclos. Dentro de um ou dois anos a produção pode aumentar de novo. Mas a escassez levou a aumento de 14% do preço da carne americana nos 12 meses encerrados em agosto.

Para uma economia estável como a americana, é muita coisa. O churrasco de hambúrguer no fim da tarde é sagrado para a família americana. Diante das pressões, Trump falou em importar carne argentina. Provavelmente para ajudar Javier Milei nas eleições para o Congresso argentino, hoje – como fez ao condicionar o swap cambial de US$ 40 bilhões à vitória de seu aliado nas urnas.

Mas não se ajudou. A declaração causou algo raro em tempos de total domínio de Trump sobre as primárias de seu partido, ainda mais considerando as eleições para o Congresso em um ano. Republicanos de Estados produtores de carne criticaram o presidente publicamente. Chuck Grassley, do Iowa, um dos mais antigos no Senado, disse que “prejudicar a carne bovina americana não é colocar a América em primeiro lugar”, referindo-se ao slogan de Trump.

Em contrapartida, a carne bovina brasileira registrou em setembro sua maior exportação da série histórica, iniciada em 1997. A carne americana já estava tão cara que as exportações continuaram, mesmo com 50% de tarifa. Os frigoríficos brasileiros exportam para 165 países, e destinaram a carne a outros mercados. O México passou a vender mais para os EUA e a comprar mais do Brasil.

As exportações de suco de laranja e de café também não diminuíram com a tarifa de 50%. O café é tão importante para os americanos que os importadores racharam a tarifa com os exportadores. A safra foi 25% menor e os preços estão altos, o que suavizou o impacto. A China trocou a soja americana pela brasileira e argentina.

Isso não quer dizer que um acordo não interessa ao Brasil. O mercado americano paga bem e tem logística incomparável. E o efeito do tarifaço começou em setembro no setor de máquinas. Houve queda de 28%, com exceção de máquinas para construção civil, cujos contratos são anuais, e tiveram crescimento de 5%.

Mas, no que diz respeito ao agro, motor da economia brasileira, quem está com a corda no pescoço não é Lula.

 

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