Operação expõe limite estadual no combate ao crime
Por O Globo
Ou governo federal e estados se unem para
enfrentar facções criminosas, ou então todos sairão derrotados
A resistência feroz que a polícia fluminense
encontrou na operação desta terça-feira contra o Comando Vermelho (CV) nos
complexos do Alemão e da Penha, no Rio, é demonstração eloquente dos limites
enfrentados pelos governos estaduais no combate às organizações criminosas. A
ação reuniu 2,5 mil policiais e deixou ao menos 60 mortos, entre eles quatro
policiais, 56 suspeitos, além de vários inocentes feridos. Diante da incursão,
os criminosos ergueram barricadas, incendiaram veículos e fecharam vias
essenciais paralisando a cidade. Usaram até drones com explosivos para
intimidar a polícia.
O secretário de Segurança do Rio, Victor Santos, reconheceu que o governo do estado não tem condição de enfrentar o tráfico. “Não dá para enfrentar sozinho”, afirmou. “É preciso que, sem ideologia, estado, União e município se sentem à mesa.” O governador Cláudio Castro cobrou “um trabalho de integração muito maior com as forças federais”. Ele disse que pediu apoio de blindados do Exército por três vezes e que os pedidos foram negados. O governo federal afirmou que não houve pedido de ajuda para a operação atual.
A milhares de quilômetros dali, o panorama
não é diferente. A cidade colombiana de Leticia, na tríplice fronteira de
Brasil, Colômbia e Peru, virou reduto do CV, hegemônico na região, como mostrou
reportagem do GLOBO. É lá que a facção negocia com fornecedores a compra de
droga, produzida em fazendas vizinhas. Como no Rio, autoridades locais admitem
que, isoladamente, não têm como combater o crime. “A gente precisa que haja
ação mais incisiva das forças federais, e falo das Forças Armadas mesmo, no
combate ao tráfico de drogas”, diz o secretário de Segurança do Amazonas,
coronel Marcus Vinicius de Almeida.
A incapacidade dos estados para enfrentar as
organizações criminosas já deveria estar clara. Primeiro, porque as maiores,
como CV e PCC, atuam em vários estados e até no exterior, dificultando as
investigações. Segundo, porque em geral estão mais bem armadas que as forças
locais — no Amazonas, policiais abortaram a abordagem de uma lancha ao ver uma
arma capaz de derrubar pequenas aeronaves. Terceiro, porque dominam extensões
significativas do território, onde as forças de segurança têm dificuldade para
entrar.
Não há outra saída a não ser combatê-las, ou
elas continuarão a estender seus domínios pela economia formal e até pelas
instituições da República. Mas operações letais como a do Rio expõem a vida de
policiais e inocentes, com poucos resultados práticos. Daí a necessidade de
atuação mais efetiva do governo federal e de maior integração entre as forças
de segurança, priorizando o uso de inteligência e tecnologia para asfixiar o
crime financeiramente e planejar o foco das ações da polícia.
Executivo e Legislativo têm obrigação de se
debruçar sobre o tema urgentemente. Não dá para adiar a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) da Segurança, que prevê participação do governo federal e
articulação entre as diversas forças, nem a legislação antifacção que o governo
deve entregar ao Congresso. Eventuais divergências precisam ser superadas.
Projetos aprovados recentemente são positivos, mas não resolverão o problema. O
Brasil precisa de medidas capazes de tornar o Estado mais organizado que o crime.
Ou governos federal e estaduais se unem para enfrentar as organizações
criminosas, ou todos sairão derrotados.
Fazenda faz bem em tentar reduzir subsídios
ao setor elétrico
Por O Globo
Energia solar gerada e jogada fora é exemplo
de como incentivos além do razoável geram distorções
É especialmente feliz a iniciativa do
Ministério da Fazenda para reduzir os subsídios ao setor elétrico. Não é
novidade que grupos de pressão conseguiram inserir na legislação setorial, por
meio dos proverbiais “jabutis”, benefícios a diversas modalidades de geração
de energia:
solar, eólica, pequenas centrais hidrelétricas e térmicas a gás. Em nenhum
desses casos, a ajuda que o consumidor brasileiro dá às empresas foi submetida
a avaliação metódica e sistemática para verificar se os benefícios superam o
custo e se vale a pena mantê-la como política pública.
Por isso é mais que oportuna a nota técnica
da Secretaria de Reformas Econômicas do ministério propondo uma revisão geral
dos subsídios e subvenções que recaem sobre a Conta de Desenvolvimento
Energético (CDE), dividida entre todos os consumidores. Uma das propostas mais
sensatas é estabelecer um teto para os gastos com a CDE, tornando os
beneficiados responsáveis por despesas que o ultrapassarem. Subsídio precisa
ter limite.
Mas o problema não acaba aí. Todo subsídio
gera distorção no mercado, na medida em que favorece a oferta de determinada
tecnologia em detrimento das demais. Com preços distorcidos (uma energia mais
barata que a outra), o equilíbrio natural entre oferta e demanda deixa de
funcionar como sinal para a produção, gerando riscos tanto de excesso quanto de
falta. No primeiro caso, é preciso jogar energia fora. No segundo, há apagões.
“O atual arcabouço legal e regulatório, desenhado para um sistema hidrotérmico,
tem gerado estímulos equivocados de expansão do sistema e riscos à operação do
Sistema Interligado Nacional, associados a um aumento injustificável do preço
da energia para todos”, diz a nota.
Em nenhum caso isso fica tão evidente quanto
no incentivo à energia solar. Com o estímulo à geração distribuída,
proliferaram painéis para captar luz do Sol e transformá-la em eletricidade. A
energia que sobra é devolvida à rede elétrica, mas, como há milhares de
pequenos geradores, o Operador Nacional do Sistema não tem controle sobre a
potência total. O resultado é que, durante o dia, quando faz sol, tem sobrado
energia, que acaba jogada fora (pelo mecanismo conhecido por curtailment). À
noite, pode faltar se não for suprida por outras fontes. Numa das manobras
legislativas, a isenção da cobrança pelo uso da rede de distribuição da energia
foi estendida até 2045 para os pequenos geradores. Os técnicos do ministério
recomendam, com razão, que esse prazo seja antecipado de forma escalonada a
partir de 2026.
Esse é apenas um exemplo das distorções resultantes da regulamentação deficiente. A nota técnica elenca diversas outras que precisam ser corrigidas. Todas as medidas são objeto de propostas legislativas em tramitação e merecem atenção do Congresso (uma das prioridades deveria ser a dispensa da contratação obrigatória das térmicas a gás imposta na lei de privatização da Eletrobras). É preciso desfazer as distorções introduzidas pelos grupos de pressão na regulação do setor elétrico em nome do interesse de outro grupo bem mais importante: o consumidor.
A mortandade no Rio e o descalabro do crime
organizado
Por Folha de S. Paulo
Operação contra o narcotráfico gera reação
violenta, com bombas lançadas por drones, e deixa 64 mortos
A onipresença de facções é tragédia que exige
ação integrada urgente entre RJ e União, e a população espera que esse diálogo
venha a público
Cenas de guerra mostraram o poderio aterrador
do crime organizado no Rio de
Janeiro durante megaoperação nesta terça (28) contra a
facção Comando
Vermelho (CV). O resultado desastroso do combate ao
narcotráfico foram
ao menos 64 mortes, sendo 4 de policiais, na ação mais letal do
gênero na história do estado.
A chamada Operação Contenção se deu nos
complexos do Alemão e da Penha, que abrigam 26 comunidades. A resposta do CV
foi fechar ruas com barricadas, boa parte delas com ônibus e caminhões
roubados. Segundo o governo fluminense, os criminosos dispararam com fuzis e
usaram drones para lançar bombas contra equipes e civis.
O saldo da intervenção descambou em disputa
política. O governador Cláudio
Castro (PL) queixou-se em
entrevista do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixou regras
para ações policiais no estado, e do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
que teria negado
três pedidos para a ajuda das Forças Armadas em outras
operações —não nesta. "O Rio está sozinho nessa guerra", declarou.
Em resposta, o ministro da Justiça, Ricardo
Lewandowski, disse que o governador deve "assumir as suas
responsabilidades" ou, caso julgue que não tem recursos suficientes para
enfrentar o crime organizado, pedir formalmente intervenção federal, estado de
sítio ou atuação das Forças Armadas na segurança pública.
Já o Ministério da
Defesa afirmou ter colocado blindados à disposição de Castro em
janeiro, mas que uma colaboração mais ampla dependeria da decretação de uma
Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) —o que já ocorreu no Rio em anos
recentes.
Trata-se de um debate já contaminado por
animosidades eleitorais, a um ano dos pleitos presidencial e estadual. É óbvio,
a esta altura, que a onipresença de facções do narcotráfico (como o CV) se
tornou uma tragédia que exige com urgência ação integrada entre o governo
fluminense e a União —a população espera que o teor desse diálogo entre Rio
e Brasília venha
a público.
A hora é péssima para a demagogia praticada
por Lewandowski. Pelo que disse o ministro, parece que não há meio termo entre
a ação solitária da polícia do Rio, em um extremo, e uma intervenção federal,
no outro. A realidade exige cooperação entre os dois governos para livrar a
população do jugo desses grupos bárbaros.
Está em gestação agora um projeto de lei
específico para o combate às facções, mas não será fácil, ao que parece, chegar
a um entendimento político para sua rápida aprovação. De todo modo, a soma de
esforços de governos e instituições, que já rendeu bons exemplos recentes, não
deveria esperar a votação de leis.
Ameaça militar de Trump à Venezuela sobe de
patamar
Por Folha de S. Paulo
EUA mobilizam até seu mais poderoso
porta-aviões na concentração inaudita de ativos militares na região
Lula ofereceu-se como mediador, mas tarifaço
americano, prepotência de Trump e afastamento entre o petista e Maduro
dificultam a proposta
Desde seu primeiro mandato (2017-21), Donald Trump mantém
uma relação oscilante com o comando do maior arsenal bélico da história.
Naquela etapa inicial, hesitou em fazer uso da força, tentando manter a
coerência de quem dizia rejeitar o papel de polícia global.
Já nesta segunda passagem pela Casa Branca, o
republicano fez campanha ativa pelo Prêmio Nobel da Paz e bombardeou
—literalmente— o programa nuclear do Irã, numa
aparente contradição que revela um método.
Trump é um adepto da política à base de
intimidação e força bruta. É isso que o leva, mesmo quando contrariado pelo
impasse em torno da Ucrânia, a enaltecer Vladimir
Putin sempre que pode.
Na América
Latina, o americano bebe na fonte da antiga Doutrina Monroe, que
desde o século 19 preconiza a área como zona de influência de Washington.
Depois de coagir o Panamá a sair do guarda-chuva chinês, sugerindo uma via
"manu mililtari", Trump voltou-se à Venezuela.
A ditadura de Nicolás
Maduro é obviamente execrável e há suspeitas acerca de seus
contatos com organizações criminosas transnacionais. Mas especialistas são
unânimes em apontar que a versão montada por Trump, na qual o chavista
chefiaria cartéis, parece fantasiosa demais.
Tendo equiparado por decreto as gangues a
organizações terroristas, os Estados
Unidos se veem livres para explodir embarcações que dizem ser
de traficantes. Já
foram 14 ataques com 57 mortos, os mais recentes anunciados nesta
terça-feira (28), e está posto o debate acerca da legalidade das ações.
Trump promoveu uma concentração de ativos
militares inaudita desde 1994, quando ao menos a desculpa de restaurar a
democracia no Haiti era nobre. Há força expedicionária, navios, submarino e
caças. O maior e mais poderoso porta-aviões do mundo, o USS Gerald Ford, ruma
de águas europeias ao Caribe.
Somem-se a isso comandos já autorizados por
Trump para agir contra Maduro em treino na região e sobrevoos de
bombardeiros pesados, três em apenas duas semanas. Cabe suspeitar
que as bravatas militares possam ganhar alguma concretude.
Assim, o cenário é cada vez mais perigoso,
com agravantes regionais, dado que Trump também já direciona holofotes ao
esquerdista Gustavo Petro,
o presidente da Colômbia que
é chamado pelo americano de produtor de drogas e
foi objeto de sanções.
Ameaçado diretamente por impactos migratórios
num eventual conflito, o Brasil testemunha o agravamento das tensões sem muitos
recursos à disposição.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que estabeleceu um canal de diálogo com Trump sobre o tarifaço comercial, ofereceu-se como mediador no domingo (26), mas a prepotência do americano e o afastamento entre o petista e Maduro dificultam a proposta.
Argentina dá voto de confiança a programa
austero de Milei
Por Valor Econômico
Milei precisará agora fazer o que não tem
feito, buscar alianças para consolidar seus programas liberais
Os eleitores argentinos continuam apoiando a
política de austeridade do presidente Javier Milei, apesar de todos os
sacrifícios que ela exigiu, e deram a ele uma grande vitória no pleito
legislativo de domingo. Quando mesmo os membros do Liberdade Avança, partido de
Milei, e seus assessores mais próximos mostravam dúvidas até a véspera se
seriam bem-sucedidos ou não, as urnas apontaram repúdio claro às políticas
irresponsáveis do peronismo, com mais um voto de confiança aos programas do
governo, apesar dos custos da estabilização. Milei obteve condições políticas
bem melhores para governar, com avanços sólidos no parlamento, mas isso só se
traduzirá em sucesso se fizer alianças e corrigir rumos na economia.
Depois da euforia com o resultado, que
derrubou o risco país em 40% e fez a bolsa subir mais de 30%, ontem o dólar
voltou a encostar perto do teto superior da banda de variação, aonde chegara
antes das eleições e obrigara a intervenções sucessivas de um governo quase sem
divisas para gastar. Na frente econômica este é o problema mais imediato e um
dos mais difíceis de resolver. Ao optar por uma banda de flutuação de 1%
mensal, inferior à variação da inflação (2,1% em setembro, 31,8% em 12 meses),
o peso tornou-se muito sobrevalorizado, com efeitos previsíveis: importações
mais baratas, exportações menos competitivas, menor entrada de divisas. A
Argentina, porém, comprometeu-se com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que
liberou mais US$ 20 bilhões em julho ao país, a aumentar as reservas. Isso não
ocorreu.
Após a barbeiragem política de Milei, de
nacionalizar uma eleição estadual na Província de Buenos Aires, governada pelos
peronistas, e seus candidatos perderem por 14 pontos percentuais de diferença,
a pressão cambial disparou, antevendo a erosão de força política do presidente
e de seus projetos. Houve intervenções seguidas que por pouco não levaram a uma
desvalorização desordenada e inflacionária. A Casa Rosada, para manter seus
trunfos contra a inflação e obter dividendos eleitorais, segurou o câmbio o
quanto pôde e só conseguiu porque o Tesouro americano abriu ao país uma linha
de swap de US$ 20 bilhões e prometeu outro tanto em empréstimos privados. A
banda cambial sobreviveu até a eleição, mas não resistirá muito tempo.
Revigorado politicamente, Milei ganhou tempo
para que prepare um esquema de livre flutuação, como prega o FMI. Com o câmbio
livre, o governo terá de aceitar alguma desvalorização, mas não precisará
intervir com dólares escassos para defender cotações, medida que, pelas
tentativas fracassadas do passado, nunca deu certo. O peso mais fraco resgata a
competitividade das exportações, tolhe importações e permite recompor reservas.
As reformas podem abrir caminho para o
crescimento e o aumento da produtividade. Na noite da vitória, Milei afirmou
que vai acelerar os trâmites de mudanças trabalhistas e tributárias. No
primeiro caso, quer fazer, por exemplo, com que negociações paritárias, entre
trabalhadores e empresa, prevaleçam sobre os acordos coletivos, flexibilizar
leis para facilitar contratações e demissões, permitir pagamento parcelado de
multas e rescisões e outros pontos que desagradam aos sindicatos. Na reforma
tributária, Milei disse que vai enxugar o número de impostos e reduzi-los,
ampliando a base de contribuintes. O programa de privatizações, que inclui
energia, hidrovias e ferrovias, deve ser agilizado.
A posição antes ultraminoritária do partido
de Milei no Congresso deixou de ser empecilho para os planos do presidente. Com
41% dos votos, Liberdade Avança não só conseguiu um terço dos 257 votos da
Câmara, o que lhe permite impedir a derrubada de vetos do Executivo a projetos
contrários a sua política. Sozinho, o Liberdade obteve 93 cadeiras, 56 a mais
do que tinha, e junto com aliados do Pro, 107, ultrapassando os peronistas, com
96 cadeiras, ficou mais perto da maioria de 129 votos para aprovar projetos de
lei.
Milei precisará então fazer o que não tem
feito: buscar alianças. No domingo, disse que irá realizá-las. Precisará
reaproximar-se do Pro do ex-presidente Maurício Macri, que o apoiou no
Congresso até agora, manter a seu redor parte da União Cívica Radical, lançar
pontes ao Províncias Unidas, que reúne ex-governadores de seis Estados, com 12
cadeiras, e aos independentes. Milei acenou com uma reforma ministerial, com a
qual contemplaria uma ou mais dessas forças políticas.
Tendo desdenhado antes de um amplo apoio,
Milei precisará de toda a ajuda que puder obter. Enquanto seu partido cresceu
tirando votos de todos os partidos de direita e centro, o Força Pátria, de
Cristina Kirchner, ficou só um pouco menor no Congresso: perdeu 2 cadeiras na
Câmara e 8 no Senado. A política ficou mais radicalizada: não houve espaço para
os centristas das Províncias Unidas, e o embate concentra-se entre mileistas e
peronistas.
Se fizer alianças certas, o caminho está aberto para Milei consolidar seus programas liberais. Nas eleições ele mostrou que um programa de austeridade, ainda que impopular, pode trazer votos a governantes, desde que mostre resultados palpáveis — na Argentina, em primeiro lugar, a derrubada da inflação, como conseguiu.
Lula vai para a sua enésima eleição
Por O Estado de S. Paulo
A pergunta é: para que ele quer mais um
mandato? A esta altura, o Brasil, já pós-graduado em Lula, sabe bem qual é a
resposta: só interessa ao petista a preservação do poder em si mesmo
Em sua recente passagem pela Indonésia, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou em público, pela primeira vez de
forma categórica, o que ninguém duvidava: será candidato à reeleição em 2026.
Desde que voltou ao Palácio do Planalto, em janeiro de 2023, o País foi
obrigado a ouvir sua cantilena eleitoreira como modo permanente de governar,
invariavelmente modulada pelo jogo de cena de quem parecia estar hesitante
sobre disputar um quarto mandato. Mas, em geral, ele condicionava ter seu nome
na cédula eleitoral no ano que vem a não ter problemas de saúde. Agora,
apressando-se em dizer que, aos 80 anos, está “com a mesma energia” de quando
tinha 30, e certamente empolgado com a recuperação da popularidade que havia
perdido durante boa parte do atual mandato, o petista foi claríssimo: “Eu vou
disputar um quarto mandato. (...) Estou preparado para disputar outras
eleições”.
É óbvio que, como presidente da República e
político que há mais de 40 anos não sai dos palanques, Lula tem todo o direito
de concorrer. A pergunta é: para que Lula quer mais um mandato?
A esta altura, o Brasil, já pós-graduado em
Lula, sabe bem qual é a resposta: só interessa ao petista a preservação do
poder em si mesmo. É improvável que o octogenário Lula surpreenda o País em seu
eventual quarto mandato, que provavelmente será o mesmo governo medíocre de
sempre, adornado com seu falatório populista e suas medidas eleitoreiras de
curtíssimo prazo, mandando às favas, como de hábito, a responsabilidade fiscal.
Será, portanto, apenas o exercício da vaidade de quem se crê insubstituível.
O problema é que o Brasil de 2027 exigirá um
governo comprometido com o enfrentamento de uma crise fiscal de grande
magnitude. Isso significa que esse novo governo terá de promover reformas
profundas e potencialmente impopulares, como na Previdência e no serviço
público, além de liderar politicamente o desengessamento do Orçamento, hoje
capturado por interesses paroquiais de parlamentares e comprometido com
despesas obrigatórias que crescem em progressão geométrica. O cenário de
despesas que crescem num ritmo muito superior à expansão da economia, num país
com baixíssima taxa de poupança e com produtividade medíocre, pressiona a
inflação, mantém os juros na estratosfera e praticamente inviabiliza os
investimentos necessários para o desenvolvimento sustentável e de longo prazo
do Brasil.
Lula não tem a menor vocação para enfrentar
nenhuma dessas questões. Pelo contrário: acredita piamente – e não temos razão
para esperar que mude de ideia a esta altura – que o País só não cresce porque
“as elites” estão confortáveis com a renda auferida pelos juros altos,
ignorando o fato de que é a gastança de seu governo – numa combinação de oferta
irresponsável de crédito subsidiado e de gastos exorbitantes, muitos deles à margem
do Orçamento – que leva o Banco Central ao aperto monetário.
Um quarto governo Lula, portanto, tem tudo
para ser no mínimo tão ruim quanto este. E o presidente não esconde que, se as
urnas lhe sorrirem mais uma vez, pretende ser ainda mais radical. Se no
primeiro mandato Lula comprometeu-se a respeitar os fundamentos econômicos na
famosa Carta ao Povo
Brasileiro, e neste terceiro mandato acenou com a formação de uma
“frente ampla” pela democracia, agora o presidente dá a entender que será mais
esquerdista do que nunca.
O mais recente sinal disso foi a nomeação do
ex-arruaceiro Guilherme Boulos para ser ministro da Secretaria-Geral da
Presidência, que terá a missão, em suas palavras, de “colocar o governo na
rua”. Não se sabe se, com isso, Lula ungiu Boulos como seu sucessor, mas o fato
é que sua presença no governo e na campanha dá o tom de confronto que o
presidente decidiu adotar contra o “andar de cima”, numa reedição tosca da luta
de classes.
E assim vamos. Dado que os possíveis
adversários de Lula são hoje reféns da família Bolsonaro, incapazes de decidir
se o mais importante é bajular o ex-presidente golpista ou derrotar o petista,
compreende-se a confiança lulista – e, quanto maior a confiança de Lula, pior
para o Brasil.
USP se dobra à intolerância
Por O Estado de S. Paulo
Ao suspender cooperação com uma universidade
de Israel, os ‘humanistas’ da USP rompem com o pluralismo em favor da
performance ideológica. E boicotam o saber com pose de heroísmo
Em nome da “ética institucional”, a Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP rompeu relações com a
Universidade de Haifa, de Israel. O gesto escancara uma subversão de
propósitos: taras ideológicas ditam os termos da política acadêmica, em
detrimento da produção e transmissão do conhecimento.
A FFLCH se autoinfligiu um dano duplo –
simbólico e material. Simbólico, por negar legitimidade a uma universidade com
destacado protagonismo científico, cultural e humanista. Material, porque
depaupera canais de cooperação intelectual, justamente em áreas – como os
estudos judaicos ou a língua hebraica – que a própria faculdade deveria
cultivar.
A justificativa oficial? As “práticas
sádicas” de Israel em Gaza. A verdadeira razão? O triunfo de um espírito cada
vez mais dominante nos câmpus: o da intolerância disfarçada de virtude, o da
hostilidade seletiva a Israel mascarada de compaixão pelos palestinos.
Se o critério foi a defesa dos direitos
humanos, por que só Israel foi punido? A mesma USP que cancela Haifa mantém
convênios com universidades da Rússia, que assassina opositores, iniciou a
guerra mais perigosa para a paz mundial desde a invasão da Polônia pela
Alemanha nazista, bombardeia civis e sequestra crianças ucranianas. Também
mantém acordos com universidades da Venezuela e de Cuba, governados por infames
ditaduras. Além disso, há acordo de cooperação com uma universidade do Irã, o
maior patrocinador dos terroristas do Hamas, responsáveis não só pelo maior
massacre de judeus desde o Holocausto, mas por décadas de opressão sangrenta
dos próprios palestinos.
A Universidade de Haifa é, por sinal, tudo o
que seus detratores fingem ser. É plural, multicultural, uma das mais
integradas entre árabes e judeus em Israel. Seu câmpus abriga pesquisas
avançadas em linguística, neurociência, história e direito humanitário. Romper
com Haifa não é um ato de “resistência”, mas de violência ao conhecimento.
Mas coerência nunca foi o forte da militância
progressista que domina departamentos inteiros de humanidades. A Unicamp rompeu
um acordo de cooperação com o Instituto de Tecnologia de Israel. A Universidade
de Brasília cancelou o curso de um professor israelense porque alunos pró-Hamas
vasculharam suas redes e encontraram postagens favoráveis às Forças de Defesa
de Israel – de 2017. Palestrantes judeus são alvos de difamações, cancelamentos
e ameaças. Nos EUA e na Europa, universidades registram uma escalada de
antissemitismo disfarçado de antissionismo. E por aqui, como de hábito, a
vanguarda “decolonial” corre para copiar os modismos das elites intelectuais
das metrópoles.
O problema não está só nas manifestações –
está na covardia institucional. Ao invés de defender o princípio basilar da
universidade – o pluralismo de ideias –, as administrações dobram-se à
gritaria. A da FFLCH não pode sequer alegar ignorância. Alunos do curso de
Hebraico alertaram para o prejuízo. Foram ignorados. Estudos judaicos, história
do Oriente Médio, literatura israelense, tudo isso sai perdendo. Mas o que são
línguas e bibliotecas para quem só quer gritar “genocídio” no megafone do
centro acadêmico?
A universidade pública brasileira – bancada
com o dinheiro do contribuinte – vive um momento difícil. Em alguns casos, em
vez de formar cidadãos livres, fabrica militantes biônicos, em vez de promover
a dúvida, cultiva certezas dogmáticas e em vez de oferecer abrigo à diversidade
intelectual, reprime tudo o que desafia o credo dominante.
Ao romper com Haifa, a FFLCH não fez um gesto
de coragem. Fez um gesto de rendição. Rendeu-se ao anti-intelectualismo, ao
sectarismo, ao linchamento performático. Em nome da “ética”, sacrifica a
integridade. Em nome da “paz”, sufoca o diálogo. Em nome dos “direitos
humanos”, glamouriza seus mais brutais violadores.
Num tempo em que o antissemitismo se espalha
como gás venenoso sob a capa de causas nobres, a universidade que se cala – ou,
pior, que aplaude – repete o erro sinistro dos que julgam estar do lado certo
da História enquanto ajudam a apagá-la. Se a missão da USP nesse caso era
educar, fracassou.
Inação contra o crime
Por O Estado de S. Paulo
Demora em aprovar projeto contra devedor
contumaz facilita a vida dos criminosos
Se o atual Congresso estivesse genuinamente
preocupado em preservar a estabilidade econômica e social do País, teria
aprovado sem demora o projeto que visa a fechar o cerco à infiltração de
criminosos na economia formal. Mas não: o texto, que pune devedores contumazes
– um eufemismo para designar caloteiros intencionais e reincidentes –, completa
três anos tramitando sem conclusão.
A saga remonta a setembro de 2022, quando a
proposta de criação do Código de Defesa dos Contribuintes iniciou o percurso
por quatro comissões diferentes do Senado até chegar ao plenário da Casa dois
anos depois, onde hibernou por mais um ano até que a operação “Carbono Oculto”,
deflagrada pela Receita, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público de São
Paulo, em agosto deste ano, revelou um grande esquema de sonegação e lavagem de
dinheiro do PCC no mercado de combustíveis que atingiu o centro financeiro do
País, a Faria Lima, em São Paulo.
A investigação listou dezenas de fundos de
investimentos utilizados como estruturas de ocultação de patrimônio do crime
organizado, e foi preciso que a grande repercussão do caso despertasse os
senadores para a urgência do projeto, votado e aprovado na semana seguinte. Daí
começou a segunda etapa dessa história, com o envio do projeto à Câmara, para
avaliação dos deputados.
A operação policial que desmantelou o elo do
crime na cadeia de combustíveis, com mandados de busca e apreensão em cerca de
350 alvos – pessoas físicas e jurídicas – em oito Estados, gradativamente saiu
da ordem do dia, e o projeto foi voltando à gaveta. O risco de um novo período
de imobilidade, considerando que nada aconteceu durante um mês, motivou o
lançamento de um manifesto em que oito frentes parlamentares declaram apoio ao
projeto de lei.
Fatos como esse, além do inconformismo que
provocam, atiçam a curiosidade sobre que tipo de interesse mantém medidas de
reconhecida importância para o País em segundo plano no ofício legislativo. Em
jantar com empresários e representantes das frentes parlamentares signatárias
do manifesto, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, foi claro
ao indicar quem o projeto que institui a figura do devedor contumaz pretende
atingir: “Não estamos falando de contribuintes, mas de bandidos que se utilizam
de estruturas empresariais para movimentar, ocultar e lavar dinheiro de
atividades criminosas”. Trata-se de sonegadores, como frisou, que além disso
são capazes de matar.
Depois da pressão, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), informou ao Estadão que irá pautar a urgência do projeto em plenário. O mínimo que se espera é que esteja realmente entre os primeiros itens da pauta da semana parlamentar, já que não há razão plausível para a demora. A não ser, é claro, que o poder de algum lobby esteja se sobrepondo ao interesse maior da sociedade que elegeu os deputados que a representam.
Saneamento falho ameaça o futuro
Por Correio Braziliense
Caso a oferta atual do serviço não se altere,
extensos períodos de racionamentos de água podem virar uma realidade no país,
alerta estudo do Instituto Trata Brasil
Divulgado, ontem, pelo Instituto Trata
Brasil, o estudo Demanda futura por água em 2050: desafios da eficiência e das
mudanças climáticas trouxe números alarmantes do saneamento básico no país.
Segundo a pesquisa, extensos períodos de racionamentos de água podem virar uma
realidade no país. A previsão é de que brasileiros e brasileiras enfrentem, em
média, até 12 dias de interrupção total do abastecimento de água por ano até
2050 caso a oferta atual do serviço não se altere. Em regiões mais secas, como
Nordeste e Centro-Oeste, o racionamento poderia chegar até mesmo a um mês.
O cálculo sintetiza um problema de dimensões
complexas. De um lado, há as significativas perdas de água na distribuição por
parte do sistema de abastecimento — estima-se que 40% da água tratada no país
não chega às torneiras; de outro, uma projeção de aumento de 59,3% na demanda
pelo serviço nas próximas duas décadas, diante do crescimento populacional e da
expansão econômica, especialmente da indústria.
Nesse último recorte, pesam também as
mudanças climáticas, que elevam as temperaturas e, consequentemente, o consumo
— o estudo indica que, a cada 1°C adicional na temperatura, eleva-se o consumo
per capita de água em 24,9%. Sem contar com a possibilidade clara de diminuição
da chuva nas próximas décadas, uma peça-chave da equação.
Vale lembrar que o Marco Civil do Saneamento
estabelece o ano de 2033 como meta para universalizar o acesso à água e ao
esgoto tratado no país. No entanto, o maior desafio para alcançar o objetivo é
levar o serviço para os rincões interioranos, onde a falta de investimentos em
tecnologia, pessoal e planejamento se impõe.
Em nota, Luana Pretto, presidente executiva
do Instituto Trata Brasil, alerta que o momento para reverter esse cenário é
agora. "É fundamental agir agora para promover eficiência e preparar o
país para enfrentar os desafios que as mudanças climáticas trarão nos próximos
anos". Os desdobramentos, continua, terão "impactos severos na saúde
e na qualidade de vida das pessoas". O ponto de partida, segundo ela, é
melhorar a eficiência no sistema, reduzindo perdas e equilibrando ofertas e
demandas.
Parte da solução passa pelos chamados
consórcios intermunicipais. Em vez das prefeituras menores atuarem de maneira
isolada, a formação de conglomerados fortalece os municípios na busca por
investimentos. Essa união pode, inclusive, facilitar a concessão à iniciativa
privada, apesar dessas empresas, historicamente, não prestarem um serviço
necessariamente melhor do que as autoridades públicas. Há, ainda, outro desafio
óbvio: como atrair investimentos também para as regiões mais vulneráveis?
No plano nacional, a administração de Lula corre contra o tempo para cumprir a meta prevista pelo Marco Civil do Saneamento - o que também será incumbência de quem assumir o Planalto a partir de 2027. No Congresso, a classe política até tentou ampliar o prazo traçado para 2033, mas a repercussão negativa fez o projeto caducar. O recado da sociedade é direto: não dá para falar em país desenvolvido sem saneamento básico para 100% dos brasileiros.
SUS é utilizado por 84% dos brasileiros
Por O Povo (CE)
É preciso reafirmar o SUS como uma importante
conquista democrática para garantir a todos o direito à saúde
Para marcar a passagem de 35 anos de existência do Sistema Único de Saúde,
neste 2025, foram publicados estudos mostrando que o SUS consolidou-se como o
maior sistema público, gratuito e universal do mundo, com acesso livre a todos
que o procuram.
O Ministério da Saúde (MS), com
dados do DataSUS, informa que a grande maioria dos brasileiros depende
diretamente do sistema. Os números indicam que o SUS realiza 2,8 bilhões de
atendimentos ao ano, sob a responsabilidade de 3,5 milhões de profissionais em
atuação.
Como lembra o Ministério da Saúde, a Constituição
de 1988 deixou como legado um capítulo inteiro dedicado à saúde, prevendo
que o sistema deveria ser universal e gratuito, estabelecido como direito de
todos e dever do Estado. A regulamentação do sistema ocorreu dois anos mais
tarde, no dia 19 de setembro de 1990.
Dados do governo mostram que, atualmente, 76%
da população brasileira dependem exclusivamente do SUS para serviços médicos e
odontológicos. Contando com aqueles que utilizam o sistema em algum momento,
como para exames, vacinas e emergência, esse percentual chega a 84%.
Alguns números do SUS impressionam, como ter a maior rede pública de transplantes do
mundo, com recorde de 30 mil procedimentos realizados em 2024, segundo
informações do MS. Ou como o seu extenso serviço de vacinação — que erradicou a
poliomielite em 1994 —, e protege, principalmente as crianças, de
aproximadamente outras 25 doenças graves.
O SUS já faz parte do dia a dia dos
brasileiros, que o tomam — como deve ser — como um direito inalienável e que
deve estar à disposição quando demandado. No entanto, é interessante observar
como estrangeiros reagem, quando estão no Brasil, e precisam procurar uma
emergência médica.
Tornou-se notícia o espanto do jornalista
americano Terrence McCoy, repórter do The Washington Post, quando, em julho
deste ano, após sofrer um acidente doméstico em Paraty (RJ), recorreu a um
serviço de emergência. Ele passou por raio x, tomografia, sutura na cabeça,
recebeu medicamentos e saiu sem pagar nada. "Isso não existe nos Estados
Unidos", disse ele, comentando os altos custos dos serviços médicos em seu
país.
É ainda preciso observar que a quantidade
brasileiros que dependem do SUS vem aumentando: era de 71,5% em 2019 (IBGE),
subindo para os atuais 76% (Ministério da Saúde), mostrando a necessidade de
mais investimentos no setor.
Enaltecer o SUS não significa esconder os
problemas que existem no sistema, pelo contrário é preciso expô-los para melhorar
a sua administração. O SUS padece de crônico subfinanciamento; faltam
médicos, remédios e existem extensas filas para cirurgias eletivas, desafios
que precisam ser superados.
Mas é preciso reafirmar o SUS como uma importante conquista democrática para garantir a todos os brasileiros o direito à saúde.

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