segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A gestação da foto entre Lula e Trump, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Trump impôs seu jogo, viu os danos causados à economia americana e agora começa a recuar, comenta um diplomata brasileiro

Na pose captada pelo fotógrafo oficial da Presidência, Ricardo Stuckert, a diferença de mais de 20 centímetros de altura, disfarçada pelas poltronas, aparece e é acentuada pelo lendário topete louro do presidente americano, que o deixa ainda mais alto. A altura não é o único atributo que sobressai em Donald Trump. O sorriso do presidente americano na pele bronzeada artificialmente deixa à mostra todos os dentes, enquanto o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva os deixa escapar mais discretamente. É ainda a mão do presidente americano que envolve a do colega brasileiro.

Naquela reproduzida pela Casa Branca o sorriso de Trump é ainda mais largo e os poucos dentes mostrados por Lula somem numa atitude mais apreensiva. A postura do presidente americano se traduz na frase usada para sintetizar o encontro nas suas redes oficiais: “Foi uma grande honra estar com o presidente do Brasil... Acho que seremos capazes de fazer bons acordos para nossos países... sempre tivemos uma boa relação - e acredito que isso deve continuar”.

As fotos foram produzidas depois da reunião que, ao longo dos dez primeiros minutos, foi aberta à imprensa. Enquanto Lula, recostado na poltrona, confortavelmente, olha para a câmera, Trump se mantém inclinado em sua direção. Foi assim, de fato, que permaneceram a maior parte do tempo em que durou a maior parte pública do encontro. Lula só se moveu para abrir os braços, como quem diz “não acredito”, quanto a jornalista Raquel Krahenbul, da TV Globo, perguntou se o ex-presidente Jair Bolsonaro seria tema da reunião (“Não é da sua conta”, respondeu Trump). E, por fim, Lula adotaria a mesma inclinação de Trump para reclamar com os jornalistas do tempo que lhes estavam roubando da reunião.

Foram nove meses, desde a posse de Trump, e quase quatro meses desde o tarifaço de 50%, para que essa imagem fosse produzida. Não surpreenderá se for repetida à exaustão. Ao longo desse período, o bolsonarismo deitou e rolou na interlocução com o governo americano. A ponte entre Brasil e EUA ficou por conta do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do influenciador Paulo Figueiredo, que, além das tarifas, arrancaram a aplicação da Lei Magnitsky e a revogação de vistos de autoridades brasileiras, colocando o país ante uma hostilidade inédita dos americanos.

Era, sobretudo, essa imagem que o governo brasileiro estava a perseguir. Se pretendesse avançar nos temas técnicos, até mesmo no encontro entre ministros que se seguiu àquele com a presença dos dois presidentes, o Itamaraty teria levado seus secretários mais técnicos do Itamaraty, da Fazenda e da Indústria e Comércio. Tanto o chanceler Mauro Vieira quanto o secretário-executivo do MDIC, Marcio Rosa, ressaltaram o tom de uma aproximação eminentemente política - do interesse de Trump sobre o período em que Lula ficou preso à disposição do presidente brasileiro em se colocar como mediador dos conflitos entre os EUA e a América Latina. Essa descompressão era o que o segundo escalão precisava para marcar os encontros que devem acontecer ao longo do mês de novembro para discutir os contenciosos.

O encontro se produziu num momento em que Trump viajou para a Ásia aparentemente disposto a rever a impulsividade com a qual tem se conduzido na sua política tarifária. Sinalizou que se encontrará com o presidente chinês, Xi Jinping, provavelmente na próxima quinta, durante o encontro de cooperação econômica dos países asiáticos, na Coreia do Sul. Na definição de um embaixador brasileiro, Trump impôs seu jogo, viu os danos causados aos produtores americanos de soja, à indústria dependente dos minerais raros, à inflação afetada pelo tarifaço sobre produtos como carne e café, e às cadeias produtivas de uma maneira geral, e, agora, começa a recuar. É quase tão simples assim.

 

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