sábado, 20 de setembro de 2008

Glória sem cidadania


Teresa Costa D'Amaral
DEU EM O GLOBO

O Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD) ganhou 5 medalhas de ouro nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, por isso talvez eu tenha conquistado o direito de ser lida com boa-fé por quem se emocionou com os atletas brasileiros.

Lutei todas as lutas com o Tenório e o Eduardo, nadei todas as provas com o André, joguei toda partida de futebol com o Zeca, o Vanderson, o Antonio e o Adriano. Velejei pelos mares com o Darke e o Rossano. Vivi cada medalha com alegria.

Mas outros motivos me levam a falar. Um deles, o fato de o IBDD ser o único clube de esporte para pessoas com deficiência que realiza um trabalho permanente de prática desportiva e construção da cidadania. Cada um dos nossos atletas tem apoio social, treinamento, orientação profissional, bolsa, seguro-saúde, preparação física, nutricionista.

A maioria dos atletas brasileiros volta de uma paraolimpíada sem emprego, sem patrocínio. Este ano nem o tradicional prêmio por medalha eles ganharam do Comitê Paraolímpico Brasileiro!

Os clubes e os atletas sobrevivem sem apoio. São pelo menos um milhão de reais mensais garantidos por lei para o CPB aplicar no esporte para pessoas com deficiência, mas o CPB não realiza com adequação e transparência esse investimento, e como não é nem órgão de governo nem ONG, vive no limbo da fiscalização do esporte em que quase tudo é permitido.

Existe em cada atleta muito de esforço pessoal e de infinita vontade de vencer. Não posso negar, existe uma confusa bolsa-atleta do Ministério do Esporte. Mas como seria poderoso todo o imenso volume de recursos, se não se perdesse no mal-organizado apoio às confederações, nas bem-organizadas viagens dos cartolas, na farsa da relação de marketing com empresas. O Lars Grael já se pronunciou contra.

Importante dizer que as confederações estão falidas. A CBDC, que representa o desporto para cegos, fez no início do ano uma rifa para tentar pagar a dívida de mais de um milhão de reais que contraiu para fazer os Jogos Mundiais, etapa indispensável para Pequim. A Abradecar, de desporto em cadeira de rodas, fechou por desvios e dívidas. A Ande, desporto para paralisados cerebrais, mal sobrevive, o próprio IBDD já emprestou dinheiro para ela.

Decisão equivocada do CPB fez com que o Caco, nosso atleta, medalha de ouro em Atlanta, não competisse porque é desafeto de dirigentes. Outra decisão infeliz fez com que as TVs abertas não transmitissem as competições.

Os Jogos de Pequim não foram o que poderiam ter sido para a nossa luta. Mas conquistamos cada brasileiro que viu nossa força. Fizemos muito, muito, por esforço pessoal de cada atleta, poderíamos ter feito mais e melhor se houvesse consistência na construção dessas conquistas. E persistiu a irresponsável aplicação dos recursos destinados ao esporte paraolímpico. E mais infelizmente não posso dizer, ou porque minha responsabilidade como administradora do IBDD não permite ou porque nossa assessoria jurídica não deixa.

TERESA COSTA D"AMARAL é superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD).

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