sábado, 20 de setembro de 2008

Poder arreganha dentes para nós


Milton Coelho da Graça (*)
DEU EM COMUNIQUE-SE

Quanto mais avança a democracia, quanto mais avança a tecnologia, mais o poder quer xeretar nossas vidas e menos aceita que os jornalistas descubram e divulguem um pouquinho do resultado dessa xeretice.

Por que o ministro da Justiça não mandou um projeto de lei ao Congresso com penas mais duras para violações do sigilo bancário dos cidadãos, como aquela ordenada pelo ex-ministro Antonio Palocci (e respeitosamente cumpridas por dirigentes de estatais) contra o pobre caseiro da casa de diversões mais famosa de Brasília?

Por que Legislativo e Judiciário nada fizeram depois que João Paulo Cunha, presidente da Câmara Federal, graças a informações obtidas por grampos, mandou parar a enxurrada de convocações de empresários pela Comissão de Fiscalização de Atividades Financeiras, onde eram polidamente “escalpelados”?

E, porque nada fizeram, o “Coringa” dessa Comissão continuou subindo na vida. Agora, como presidente da Constituição e Justiça, a mais importante nas duas casas do Congresso, é o pior espinho parlamentar contra o presidente Lula, exigindo sempre um “presentinho” para dar andamento a qualquer iniciativa do Governo. O mais recente “presentinho” exigido é o fundo de pensão Real Grandeza, dos funcionários de Furnas, um dos mais bem administrados do país.

Estou contando tudo isso antes que seja aprovado esse projeto provavelmente elaborado de comum acordo entre os três poderes da República (embora Lula esteja calado). O ministro Tarso Genro explicou hoje (sexta, 19/9): “Quem diz que o texto abre brecha para punir jornalistas não leu o projeto ou não teve clareza jurídica e técnica para compreendê-lo”.

Ministro, li umas três ou quatro vezes. Reconheço que talvez não tenha clareza jurídica para compreender o que V. Exa. pretende. Mas os únicos textos ministeriais que às vezes não consigo compreender são os do ministro Mangabeira Unger.

Em quase 50 anos de carreira, sempre entendi bem todos os outros. E está claríssima a intenção de impor medo e punir qualquer investigação jornalística que se inicie ou inclua informações obtidas através de um e-mail ou grampo, referentes a um tema de interesse público, mesmo que a matéria não reproduza nem se refira a essa origem. “Utilizar o RESULTADO de interceptação” é bastante vago para nos sujeitar a prisãode quatro anos e multa, com anuência e até aplauso, suspeito, de uma significativa parcela do Judiciário.

O projeto modifica o artigo 151 do Código Penal. O parágrafo 1º e seu inciso II (clique aqui para conhecer bem a ameaça) estão cuidadosamente redigidos. As palavras “imprensa” e “jornalista” não aparecem, mas é a nós que se referem.

E já está no forno outra paulada, desta vez anunciada pelo ministro Nelson Jobim, visivelmente entusiasmado pelas fotos com uniforme de combatente. O alvo é o sigilo da fonte.

Todo governante sonha com a absoluta fidelidade do aparelho de Estado, mas a democracia depende vitalmente da lealdade de cada funcionário público o interesse do Estado e da legalidade constitucional acima dos desejos de superiores hierárquicos. Quando o governante usa uniforme e a lei não nos protege, ele não apenas sonha, baixa o sarrafo.

Falo de cadeira porque peguei um mês no DOI-CODI e uma condenação a seis meses no presídio do Hipódromo, por fazer com outros companheiros um jornal clandestino (Notícias Censuradas) quando o ditador Médici proibiu a divulgação de notícias sobre uma epidemia de meningite e prejudicou o combate à doença. Se os médicos no Rio e em São Paulo tivessem baixado a cabeça e não divulgassem o que estava acontecendo, teria havido um número ainda maior de mortes.

Mencionei lá em cima que o presidente Lula até agora está calado sobre esses dois temas. Tenho sincera esperança de que ele ordenará “meia volta volver” a todos os ministros, parlamentares e juízes que sonham com um Brasil sem jornalistas xeretas.

(*) Milton Coelho da Graça, 78, jornalista desde 1959. Foi editor-chefe de O Globo e outros jornais (inclusive os clandestinos Notícias Censuradas e Resistência), das revistas Realidade, IstoÉ, 4 Rodas, Placar, Intervalo e deste Comunique-se.

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