De origem camponesa, um dos fundadores da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura em 1964, Granja completou 98 anos de vida. Em sua homenagem, reproduzo um texto de 2009.
Na sede da Revista Internacional, em Praga
No início de 1990, ao tempo em que estudei artes gráficas na antiga Tchecoslováquia, recebi um telefonema de Antônio Ribeiro Granja, o representante brasileiro na Revista Internacional, periódico que congregava os Partidos Comunistas de todo o mundo e cuja sede era em Praga. Dirigente da velha guarda do antigo PCB, convidava para uma cerimônia de despedida na sede da revista.
Com a queda dos regimes comunistas no leste da Europa, Granja tratou de fazer as malas e voltar para o Brasil. O prédio onde funcionava a revista havia sido um seminário da Igreja Católica, confiscado após a II Guerra Mundial. Estive lá, salvo engano, uma construção do século 19, estilo neoclássico e, se bem me lembro, tinha 5 andares. Aprovada a lei de restituição de bens, o novo governo tcheco atendeu pedido da Igreja de devolução e deu um prazo para a desocupação do prédio.
Alianças com os socialistas
Antes do coquetel e das despedidas propriamente, houve uma reunião do conselho da revista, da qual participei ao lado de Granja, no auditório com menos de uma centena de pessoas. No comando da reunião, o representante do PC da União Soviética. Na pauta, a continuidade ou não da revista, uma vez que, segundo ele, o “nosso movimento vem mudando suas características”. Dizia que alguns partidos ali haviam deixado de ser comunistas para se tornarem socialistas, dando o exemplo da Bulgária, cujo PC passou a se chamar Partido Socialista. E também da Polônia.
Ao final, deduzi da fala do soviético que não havia mais interesse em manter a revista, composta exclusivamente pelos PCs. Pareceu-me que a intenção da liderança soviética era editar uma nova revista que estabelecesse uma aliança com outras correntes socialistas, especialmente com a social-democracia, bastante influente na Europa ocidental.
Quando o debate foi aberto para os membros do conselho, o primeiro a falar foi o representante do PC de Cuba, que se opôs tenazmente ao representante soviético. O cubano defendia a continuação da revista somente com os “revolucionários”, como se definiam os PCs, excluindo dela as correntes socialistas reformistas. Para ele, com a crise do “socialismo real”, era preciso uma tribuna para defendê-lo.
Aquela diferença expressava as divergências significativas entre aqueles dois grandes partidos. Fidel Castro, o líder cubano, se colocara contra as reformas democratizantes do líder da União Soviética, Mikhail Gorbatchev. Inclusive o livro do soviético, “A Prerestroika”, lançado no Brasil em 1987, fora proibido em Cuba.
Lembro-me de que outras poucas intervenções se seguiram. Mas não houve um debate acalorado. Afinal, eram os soviéticos que mantinham a revista e se não estavam dispostos a continuar com ela e nem havia quem a bancasse, a probabilidade era de que ela fechasse. Comentei essa impressão com Granja.
- É por isso que já estou indo embora. Isto aqui não tem futuro, respondeu ele, que assistia ao debate desolado.
Apoio às reformas democráticas de Gorbatchev
O PCB apoiava a abertura de Gorbatchev, mas era minoria entre os PCs, especialmente da América Latina. Na Comissão Latino-americana da revista, disse-me Granja, suas posições eram tidas como “revisionistas” e pouco consideradas. Granja era um dos poucos a defender uma solução política e negociada para a então guerra civil em El Salvador. Muitos dos outros PCs da região eram favoráveis a uma solução militar, isto é, a continuidade da luta armada dos guerrilheiros. Felizmente, naquele pobre país da América Central prevaleceu a primeira solução.
Ainda segundo Granja, a maioria dos PCs continuava aferrada ao velho modelo estalinista da época de Leonid Brejnev e via em qualquer reforma democratizante do chamado “socialismo real” como “contra-revolução”. Para muitos, o banho de sangue promovido por Nicolai Ceascescu contra a multidão de manifestantes pró-democracia na Romênia era um ato de heroísmo e exemplo de resistência a ser seguido.
Fim da Internacional Comunista?
Ao terminar o breve debate, tive a impressão de que assistia o momento final do que restou da Internacional Comunista, instituição fundada em 1919 pelos líderes da Revolução Russa de 1917, Vladimir Lênin e Leon Trotsky, com o objetivo de unir e guiar a ação dos PCs em termos mundiais.
A Internacional Comunista, também chamada de Komintern, na abreviatura em russo, foi fechada em 1943 por Josef Stálin, num demonstração de boa vontade com os aliados na II Guerra Mundial, Estados Unidos e Reino Unido.
Em seu lugar foi criado, em 1947, o Kominfor, um comitê de troca de informações entre os PCs com sede em Belgrado e depois Bucareste. Era o início da Guerra Fria entre EUA e URSS. O representante brasileiro no Kominform foi por muito tempo o jornalista Osvaldo Peralva, que, coincidentemente, eu viria a conhecer em Praga, em 1991, como correspondente da Folha de São Paulo. O Kominform foi fechado, em 1956. Tempos depois, foi criada a Revista Internacional, de debates entre os PCs.
Deixamos o prédio da revista após o coquetel de despedida. Granja voltou ao Brasil em 1990 e eu voltaria em 1992. Nessse ano, a União Soviética se extinguiria, os PCs na Europa e no mundo entrariam em declínio. E nunca mais tive notícias da revista.
Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista
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