terça-feira, 16 de agosto de 2011

ENTREVISTA – José Álvaro Moisés: 'A opinião pública é a variável mais importante na qual ela pode se apoiar'

ESCÂNDALOS EM SÉRIE

Dilma precisa deixar claro para a sociedade que quer só cumprir a lei, diz analista

Autor do livro virtual "O papel do Congresso Nacional no presidencialismo de coalizão" e coordenador do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés avalia que a presidente Dilma Rousseff terá que buscar na sociedade apoio político se quiser continuar a faxina no governo sem pôr em risco a governabilidade.

Silvia Amorim
Como a presidente Dilma pode prosseguir com a faxina no governo, mantendo a governabilidade?

JOSÉ ÁLVARO MOISÉS: Eu diria que isso dependerá em grande parte da relação dela com a sociedade. A opinião pública neste momento é a variável mais importante na qual ela pode se apoiar. O modo de os partidos participarem do presidencialismo de coalizão não é muito indicativo de que eles queiram mudar a conduta adotada até agora. Então, ela vai precisar buscar mecanismos novos, novas forças para criar suficiente força política e pressão para enfrentar o problema.

Essa faxina tem levado partidos e lideranças políticas a fazerem ameaças de abandonar a base do governo. O sr. vê risco para a governabilidade?

MOISÉS: Não vejo um risco imediato porque a base de apoio parlamentar que a presidente Dilma formou é muito ampla. Ela tem mais de 400 parlamentares na Câmara e no Senado. Não é uma saída do PR que vai colocar em questão a força majoritária do governo. É claro que ela não pode solapar todas as suas bases de apoio. Diria que a presidente Dilma está enfrentando um dilema. Se por um lado ela está com a decisão de fazer uma faxina, por outro ela enfrenta um problema que é uma diminuição do apoio parlamentar. É muito provável que nas próximas pesquisas essa conduta da Dilma no que diz respeito à corrupção tenha apoio, em particular, dos segmentos mais escolarizados dos eleitores. O desafio será quanto ela consegue usar esse apoio para propor aos remanescentes da sua coalizão uma repactuação.

A presidente não é muito de falar em público sobre essa fase do governo. Isso pode dificultar na busca desse apoio popular?

MOISÉS: A presidente Dilma precisa de alguma maneira ir a público explicar o que ela está fazendo, a conduta que o governo adotou, qual o objetivo disso e qual o custo que isso tem. Nesse aspecto, eu diria que a conduta dela tem um elemento deficitário comparado à sinalização emitida inicialmente por ela. Não me refiro a buscar apoio no sentido ilegítimo ou plebiscitário, algo como um presidente apoiado nas massas contra o Congresso, mas buscar apoio para fazer o que manda a lei.

Há uma ideia difundida na sociedade de que o fisiologismo é uma prática inerente ao sistema presidencialista de coalizão. O senhor concorda?

MOISÉS: Para mim, isso não é natural. Não faz sentido a ideia de que para ter um governo de maioria você tem que conviver com o abuso. Corrupção existe em qualquer país do mundo. A diferença que existe em relação ao Brasil é que em boa parte dos lugares onde você tem democracia consolidada, há corrupção, mas também mecanismos de punição muito eficientes. Não podemos negar que o sistema presidencialista brasileiro contém uma série de incentivos institucionais que levam a essa situação. Uma delas é a discrepância muito grande de poderes entre Executivo e Legislativo.

O senhor vê, de fato, uma tentativa da presidente Dilma de enfrentar o fisiologismo ou considera os últimos acontecimento apenas uma ação pontual?

MOISÉS: A leitura que eu faço é que a presidente, com base nesse caso do Ministério dos Transportes, está sinalizando uma conduta nova, que é de levar a sério o que a legislação prevê independentemente dos custos políticos. Agora, se ela vai levar isso adiante, aplicando os mesmos critérios com os demais partidos e propondo uma repactuação que leve em conta princípios republicanos, nós ainda não sabemos. Ela vai precisar nos próximos meses confirmar essa conduta.

FONTE: O GLOBO

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