- Valor Econômico
A crise de 2008 mostrou que o mundo não consegue caminhar na direção apregoada pela corrente da liberdade econômica
Durante muito tempo, a tese do mercado racional dominou o pensamento econômico. Nasceu nos anos 70, na Universidade de Chicago, que havia se destacado uma década antes com a teoria monetarista, segundo a qual a inflação resultaria diretamente da quantidade e da velocidade da moeda em circulação na economia.
O monetarismo, como se sabe, começou a sucumbir no início dos anos 90, quando os primeiros países passaram a usar o regime de meta inflacionária, baseado no direcionamento das expectativas futuras para a estabilidade monetária. Já a hipótese da racionalidade prevê a capacidade dos preços absorverem todas as informações disponíveis, redundando, assim, no funcionamento eficiente do mercado.
Ainda nos anos 70, concomitantemente à ideia da racionalidade, surgiu a tese da economia comportamental, baseada nos escritos de dois psicólogos, advogando que as decisões do mercado nem sempre são perfeitas porque as escolhas se fazem debaixo de incertezas, influenciadas pelo contexto do momento.
As finanças comportamentais destacam não a eficiência, mas a ineficiência do mercado, cujos participantes costumam errar sistematicamente, afetando preços e retornos, muitas vezes em busca de vantagens. Operações de arbitragem e a criação de instrumentos financeiros sofisticados, demasiadamente replicados na era da globalização, são produtos da ineficiência, a mesma que também explica as bolhas e o fenômeno do "rebanho" (em que os participantes movem-se na mesma direção para diluírem a percepção das falhas de suas decisões). A ineficiência favorece, ainda, a especulação.
Para além disso, pode-se dizer que os mercados não são imunes à política, muito embora possam ser cegos ao ambiente político que os rodeia.
O comportamento atual do mercado financeiro dos Estados Unidos é um exemplo emblemático. De olho nas projeções de crescimento da economia norte-americana para 2019 e 2020, está dominado pela euforia. A expansão do crédito empresarial e as significativas altas acumuladas nos preços das ações não combinam com o discurso errático do presidente Trump, nem com as medidas intervencionistas adotadas por ele. Muito menos com os gastos públicos que têm crescido de forma expressiva, como uma bomba em construção passível de explodir no médio prazo. Também o endividamento privado tem aumentado de forma preocupante.
Mas nada daquilo parece relevante para o mercado que, de forma irracional, age com vistas a tirar proveito dos ganhos de curto prazo, sem olhar para as perspectivas sombrias que se desenham no horizonte. Não a toa, tem crescido entre os economistas o temor de que uma nova crise financeira se avizinhe, nos moldes da que estourou há exatos dez anos com a quebra do banco Lehman Brothers.
As suspeitas recaem na alavancagem de um instrumento conhecido por "covenant-lite loans" ou, em tradução grosso modo, empréstimos com cláusulas suavizadas. São créditos concedidos a empresas de baixa classificação que buscam condições financeiras menos restritivas. Esse tipo de operação tem crescido muito nos Estados Unidos desde o ano passado, levantando o receio de que os investidores naquelas companhias possam sofrer sérias perdas no caso de novo colapso. Em resumo, apesar dos riscos da política econômica de Trump, Wall Street parece viver na festa de Babette.
No Brasil, a irracionalidade do mercado tem se aprofundado neste ano eleitoral. O índice da Bolsa de Valores cai, e o dólar também, sempre que o candidato do Partido Social Liberal (PSL) sobe nas pesquisas de opinião. Os participantes do mercado financeiro não estão preocupados com o perfil de um político eivado de todo tipo de deformações morais. Não enxergam o potencial desastre que sua eleição representaria para o país nos segmentos político, econômico e social. Em linha com a tese da economia comportamental, atuam de forma ineficiente ao prestigiar um político que não apresenta condições mínimas de presidir a nação.
Nem mesmo faz sentido a justificativa de que a aposta do mercado recai sobre o economista Paulo Guedes, potencial futuro ministro da Fazenda, segundo se imagina, caso Bolsonaro seja eleito. Sem experiência em cargos executivos do setor público, Guedes é "filho" da Universidade de Chicago, onde cursou o mestrado e o doutorado em economia, e carrega a chancela de liberal que tanto agrada o mercado.
Mas o pensamento liberal radical ou a sua vertente mais amenizada, o neoliberalismo, do qual Chicago foi a maior expressão no século XX - depois de ter desenhado a política econômica adotada pelo governo do ditador Pinochet, no Chile - está defasado. Até Chicago se renova. O último economista daquela universidade laureado com o Prêmio Nobel (em 2017) é Richard Thaler, um estudioso da economia comportamental. Seus trabalhos enfatizam justamente a influência da psicologia na tomada de decisões e a ineficiência das escolhas feitas pelo mercado.
A tese da racionalidade do mercado, deve-se dizer, surgiu na academia norte-americana independente do neoliberalismo. Mas são irmãos gêmeos. A não intervenção dos governos na economia, e nos mercados, pressupõe que os agentes econômicos sejam capazes de tomar as decisões "corretas" a partir das informações captadas sem a ingerência do Estado.
A crise financeira de 2008 mostrou que o mundo não consegue caminhar na direção apregoada pela corrente da liberdade econômica. O mercado quebrou porque não funcionou de forma racional e muito menos teve interesse em se auto-regular. A ganância superou largamente a racionalidade. Vale ponderar que as políticas destinadas a estreitar a presença do Estado na economia devem ser sempre bem vindas. O setor privado sabe como alocar os recursos disponíveis com mais eficiência do que os governos. Isso tem a ver com bom senso, condição que qualquer economista pode ter, mesmo que não tenha se formado em Chicago.
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