Valor Econômico
Seria produtivo trazer Trump para uma estada
no Brasil, para que ele possa se dar conta de como tarifas altas generalizadas
prejudicam a economia e encarecem a vida dos cidadãos
Com muita pompa e circunstância, Donald Trump
assumiu seu segundo mandato na segunda-feira passada. E logo no primeiro dia,
assinou 41 decretos. Em seu primeiro mandato, tinha assinado apenas um. Como
prometido, os decretos cobrem ampla gama de temas de sua campanha. Para a
economia, os principais são o comércio internacional (tarifas) e a imigração,
além do repúdio aos compromissos de mitigação da mudança climática.
Inicialmente, os mercados reagiram positivamente, pois não houve anúncios imediatos de majoração de tarifas. Trump determinou que agências federais dos EUA investiguem práticas comerciais potencialmente desleais. Também pediu uma avaliação dos acordos comerciais anteriores, especialmente aqueles com a China, México e Canadá. Por fim, criou uma nova agência, o Serviço de Receita Externa, para arrecadar tarifas. E, mais tarde, anunciou que no início de fevereiro imporia tarifas de 25% sobre o México e Canadá.
Em artigo recente (“Estadão”, 12/1/25), Pedro
Malan lembrou que a revista “The Economist” sugeriu há tempos que as ações de
Trump seguiriam um roteiro padrão: 1) fazer ameaças, 2) obter acordos (com base
nas ameaças) e 3) declarar vitória sempre (“make threats, strike deals, always
declare victory”). Muitos críticos provavelmente acrescentariam um quarto
passo: não cumprir os acordos.
Esperança é que os freios e contrapesos
restrinjam os danos que Trump pode causar à economia dos EUA e mundial
Já não há mais dúvida de que Trump se
converteu em um mercantilista. Acredita que a riqueza das nações cresce na
medida em que as exportações superam as importações e o país acumula ativos no
exterior. Dado que o déficit em transações correntes dos EUA é bastante grande
(4,2% do PIB no terceiro trimestre do ano passado), e vem de longe (desde os
anos 70s), a reversão desse quadro exigiria a imposição permanente de pesadas
tarifas de importação. Que, mesmo na ausência de retaliação, encareceriam
substancialmente o custo de vida nos EUA, ao elevar a inflação. O Fed teria que
voltar a subir juros, desaquecendo a economia.
Seria produtivo trazer Trump para uma estada
no Brasil, para que ele possa se dar conta de como tarifas altas generalizadas
prejudicam a economia e encarecem a vida dos cidadãos. Ficaria provavelmente
escandalizado como diversos bens industriais podem ser tão mais caros no Brasil
do que nos EUA, mesmo com o dólar acima de R$ 6. Nada disso interessa ao novo
governo. Sua equipe econômica, com sólida base no mercado financeiro,
certamente deve ter advertido o novo presidente dos riscos envolvidos.
Seja como for, as ameaças de Trump
conseguiram já trazer diversos governos ao redor do mundo para a mesa de
negociação, oferecendo concessões aos EUA. A esperança é que se obtenham
acordos que não ensejem retaliação dos países atingidos, sobretudo da China.
Uma guerra comercial poderia ter efeitos muito negativos sobre a economia
mundial, com risco de deflagração de uma recessão global.
No plano fiscal e da dívida pública, as
projeções mais recentes do Congressional Budget Office (cbo.gov) indicam
déficit alto duradouro, mesmo sem os cortes de impostos prometidos por Trump. A
projeção mais recente indica um déficit de 6,2% do PIB em 2025, grosso modo se
mantendo nesse nível no horizonte de 10 anos. Sob hipóteses razoáveis, isso
faria com que a razão dívida/PIB se elevasse do atual patamar de cerca de 100%
do PIB para 118% em 2035, ultrapassando o pico da série, registrado em 1946, de
106%, decorrente do dispêndio militar da Segunda Guerra Mundial.
O quadro fiscal é, portanto, bastante
preocupante. As tarifas só ajudariam substancialmente a minorar o déficit
fiscal caso fossem permanentes e aplicadas a todos os países. Mas isso não
parece se adequar bem ao modus operandi de Trump, que envolve negociar acordos
bilateralmente. A redução de impostos afetaria negativamente o quadro fiscal, a
menos que tais cortes trouxessem muito mais crescimento. Tal estratégia, a de
esperar que déficits fiscais se paguem por si mesmos, como se sabe, foi tentada
sem sucesso nos anos 80s por Ronald Reagan. Acabou gerando os famigerados
déficits gêmeos (déficits fiscal e em conta corrente), significativamente
elevando a dívida pública.
Quanto à imigração, a contemplada expulsão de
milhões de trabalhadores parece inviável. Mas medidas localizadas, como a que
se espera que aconteça em breve em Chicago, deverão ocorrer. Caso venham a
adquirir proporções substanciais, tais extradições podem vir a afetar
significativamente setores como o de construção residencial e várias atividades
do setor de serviço. E ter um impacto negativo sobre o nível de atividade (um
choque de oferta negativo) e a inflação. Mais uma vez, a esperança é de que a
antevisão dos efeitos negativos possa circunscrever a dimensão das medidas ao
estritamente necessário para os fins de satisfazer seus eleitores.
Mas o maior e mais permanente dano deve ser o
repúdio às iniciativas de mitigação do aquecimento global. A promoção do uso de
combustíveis fósseis nos EUA é um crime contra o planeta difícil de ser
consertado, sobretudo se for seguido por outros países.
E o Brasil, como fica sob Trump? Aparentemente, deveremos ser poupados das reações iniciais, centradas nos principais parceiros comerciais dos EUA. Talvez até possamos vir a aproveitar algumas oportunidades de curto prazo, oriundas do embate dos EUA contra a China. Mas não devemos nos enganar. O ambiente econômico piorou, sobretudo para países que necessitam de recursos externos, como o Brasil. Os solavancos dos mercados financeiros no final do ano passado foram um alerta quanto à necessidade de promover uma mudança fiscal que possa estabilizar nossa dívida pública. Convém não contar só com a sorte.
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