quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Trump achou um modelo – Elio Gaspari

O Globo

Por causa do frio, a posse de Donald Trump aconteceu na Rotunda do Capitólio. Má ideia. De certa maneira, foi uma revanche. No 6 de janeiro de 2021 aquele lugar foi invadido pela turma que queria melar a vitória eleitoral de Joe Biden. Cenograficamente, é um lugar bonito. Fica embaixo da cúpula dos cartões-postais. Em seu espaço circular estão estátuas de notáveis da História americana. Em 1876, Dom Pedro II lá esteve e definiu-o:

— Fui ver o Capitólio. Aspecto majestosíssimo. Agradou-me muito o todo da arquitetura. Tudo o que é escultura é medíocre.

O mundo teve de aturar a mediocridade das esculturas da Rotunda.

Trump assumiu resgatando a memória de William McKinley (1897-1901) e devolveu-lhe a denominação da montanha mais alta dos Estados Unidos, cassada em 2015.

Não é retórica. Trump promete o início de tempos dourados. McKinley governou no auge de uma era folheada a ouro. Em seu primeiro mandato, o PIB americano cresceu a taxas inéditas. Àquela época, a U.S. Steel era maior que o governo federal. (Em 2025, faltou pouco para que a U.S. Steel fosse absorvida pela japonesa Nippon Steel.)

Trump quer retomar o Canal do Panamá, McKinley anexou o Havaí e, depois de expulsar os espanhóis, transformou CubaPorto Rico e Filipinas em protetorados americanos. Trump promete protecionismo, McKinley elevou as tarifas de importação.

Passado mais de um século, a Presidência de McKinley é vista como apogeu dos endinheirados. Os homens mais ricos dos Estados Unidos — John D. Rockefeller e Andrew Carnegie — cacifavam-no. (Ambos haviam saído do nada.) Nenhum dos dois foi à posse de McKinley, mas Elon Musk, o homem mais rico do mundo, não só estava em Washington, como faz parte do governo e quer um cantinho na Casa Branca.

Quando Trump diz que o Golfo do México se chamará Golfo da América, repete a rainha Vitória (1819-1901), que se desentendeu com o ditador da Bolívia e mandou tirar o país do mapa que tinha no palácio. Botar uma bandeira em Marte? Tudo bem, melhor ainda se ela for levada num foguete de Musk. Noves fora o teatro, Trump saiu do Acordo de Paris, apertou o ferrolho da imigração e certamente elevará as tarifas das importações. Assumiu com uma vitalidade que faltava a Joe Biden e antecipou uma Presidência menos sonolenta, mas McKinley ele nunca será.

Trump disse que a América Latina e o Brasil “precisam mais de nós do que nós precisamos deles”. Até aí, ele pode até estar certo. Os regimes de Cuba e da Venezuela viverão anos amargos, mas o Brasil e a América Latina não precisam dos Estados Unidos tanto quanto ele pensa.

Em 1896, quando McKinley tinha um pé na Casa Branca, o barão do Rio Branco escrevia a um amigo:

— Eu prefiro que o Brasil estreite as suas relações com a Europa a vê-lo lançar-se nos braços dos Estados Unidos.

Em 1896 a China estava humilhada e subjugada pelas potências da época. Conta a lenda que, num parque de Xangai, havia uma placa inglesa informando que estava proibida a entrada de “cachorros e chineses”. Em 2025, o ano pode fechar com Pequim chegando a um superávit comercial de US$ 1 trilhão.

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