quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Trump fará mal ao planeta

O Globo

Efeitos nefastos do novo mandato se estenderão do clima à geopolítica, da economia à regulação da tecnologia

Ninguém pode se dizer surpreso com as primeiras medidas tomadas por Donald Trump ao assumir a Presidência dos Estados Unidos. Elas refletem tudo o que ele repetiu ao longo da campanha que o levou de volta à Casa Branca e, por absurdas que sejam, se alinham com o desejo dos eleitores americanos. Não quer dizer que sejam menos preocupantes ou menos assustadoras. Vistas no conjunto, representam retrocesso em diversas áreas — do clima à geopolítica, da economia à tecnologia. A colonização de Marte prometida por Trump é para lá de incerta, mas o Planeta Terra certamente ficará pior com ele no poder.

Na política externa, há uma contradição entre o Trump que se proclama “pacificador e unificador” e o Trump que pretende retomar o Canal do Panamá, nutre pretensões sobre Groenlândia e Canadá e quer mudar o nome do Golfo do México. De um lado, ele foi essencial na negociação para libertar reféns do Hamas — fato que suscitou aplauso unânime na posse. De outro, ameaça a China e fala em investir nas “Forças Armadas mais fortes de que o mundo tem notícia”. Qual Trump prevalecerá, o bélico ou o pacifista?

Se no aspecto militar pode haver dúvida, no econômico não há nenhuma. Trump abraçou a agenda mercantilista que tenta proteger a indústria local por meio de tarifas, enxerga déficits externos como problemas e considera o comércio internacional um jogo de soma zero. Promessas populistas — como a revisão no sistema tarifário para “beneficiar famílias americanas” ou exigir das agências federais que trabalhem para “derrotar a inflação” — são equívocos que, uma vez postos em prática, cobrarão seu preço em termos de crescimento e produtividade. Terão o efeito contrário ao desejado.

Mais grave é o incentivo que, sob o pretexto de preservar empregos americanos, Trump pretende dar à exploração de petróleo e gás e à indústria baseada no motor a combustão. O corte dos estímulos à transição energética introduzidos por Joe Biden e a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris representam um recuo na agenda ambiental de consequências gravíssimas. Sem o compromisso do governo americano para reduzir emissões dos gases de efeito estufa, os danos das mudanças climáticas já em curso se agravarão.

Outro retrocesso previsível se dará na regulação das redes sociais. Não foi coincidência a presença dos líderes das maiores plataformas digitais na primeira fileira da plateia da posse. Trump cedeu aos apelos daqueles que, disfarçados de defensores da liberdade de expressão e da inovação, se recusam a assumir responsabilidade pelos danos que causam. O decreto revogando as precauções adotadas pelo governo Biden na inteligência artificial foi um primeiro sinal preocupante.

São um recuo civilizatório as medidas para desmantelar políticas de diversidade e inclusão, em especial as relativas à comunidade LGBTQIA+. E foi um absurdo oportunista o perdão aos insurretos que invadiram o Capitólio para tentar mantê-lo no poder.

Como esperado, Trump concentrou energia nas medidas de restrição à imigração ilegal. Parte delas traduz seu impulso populista — a deportação de milhões é um mistério de ordem prática. Outra parte enfrentará obstáculos na Justiça — como revogar a cidadania dos nascidos em solo americano. As turbulências jurídicas e políticas do primeiro mandato de Trump poderão parecer pequenas ante o que está por vir.

Êxito da concessão do Galeão depende de restrições no Santos Dumont

O Globo

Governo acerta ao promover nova licitação simplificada para aeroporto, mas precisa garantir regras estáveis

São bem-vindas as iniciativas do governo federal e do Tribunal de Contas da União (TCU) para solucionar os problemas na concessão do Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão que ameaçam a sobrevivência do negócio. A ideia é que o terminal carioca passe por um processo simplificado de licitação. No modelo planejado, a operadora Changi, sócia majoritária da concessionária RIOgaleão, poderia participar do certame, e a Infraero deixaria o consórcio, a pedido da União. O lance mínimo será de R$ 600 milhões.

O Galeão foi concedido à iniciativa privada em 2013, durante o governo Dilma Rousseff, mas as perspectivas de crescimento projetadas à época nunca se concretizaram. A concorrência predatória do Aeroporto Santos Dumont, cujo movimento foi equivocadamente inflado pelo governo, a crise econômica e a pandemia contribuíram para o esvaziamento. Em 2022, a Changi, uma das maiores operadoras de aeroportos do mundo, chegou a anunciar a intenção de deixar o negócio, mas depois se mostrou disposta a permanecer, mediante negociação do contrato.

Um dos problemas era o valor elevado da outorga (em torno de R$ 1,4 bilhão), tido como incompatível com a realidade do aeroporto. Para superar o obstáculo, ficou acordado que as parcelas a vencer serão atreladas às receitas. A intenção de prorrogar o atual contrato, com vencimento em 2039, não foi adiante, e o Galeão terá de ser novamente licitado ao fim desse prazo. Nas negociações, foi excluída a previsão de construção de uma nova pista para pousos e decolagens, por se mostrar desnecessária.

As decisões terão de passar ainda pelo plenário do TCU. Como o órgão tem participado das negociações, acredita-se num desfecho favorável. Representantes do governo estimam que, vencida essa etapa, seria possível realizar o leilão ainda no primeiro trimestre. O entendimento no Planalto é que uma definição rápida sobre a concessão do Galeão favorecerá a retomada de investimentos.

Por mais que sejam positivos os esforços para salvar a concessão, de nada adiantarão se não houver um equilíbrio entre os terminais internacional e doméstico do Rio. Foi esse descompasso que causou o esvaziamento do Galeão e a saturação do Santos Dumont, refletida em atraso nos voos, filas nos saguões e trânsito caótico no centro do Rio. Como acontece noutras cidades do Brasil e do exterior, o esperado é que os terminais funcionem de forma coordenada, cada um seguindo a sua vocação.

A operação descalibrada começou a ser revertida com a decisão do governo federal — tomada após pressão das autoridades do Rio — de restringir voos no Santos Dumont. Prova de que a medida foi acertada é o aumento de usuários no Galeão. No ano passado, a concessionária registrou recorde de 4,7 milhões de passageiros internacionais, aumento de 30% em relação a 2023. Se a política de restrição de voos no Santos Dumont não for adiante, não haverá nova licitação que dê jeito no Galeão.

Trump inaugura governo com desafios à ordem global

Valor Econômico

Presidente americano passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente

Donald Trump voltou à Presidência dos Estados Unidos com a energia recomposta por uma reviravolta política inesperada da política americana. A experiência, porém, nem sempre conduz à moderação ou à sabedoria, e Trump imediatamente assinou decretos que, se forem executados como concebidos, prometem arrematar a obra de destruição da ordem internacional construída pelos EUA, iniciada no primeiro mandato. “America first”, termo no discurso de posse, é um cognome para o isolacionismo reativo - os interesses do governo americano não poderão mais ser contrariados, sejam quais forem.

A lista de medidas é variada e abrangente, a maior parte delas instruções para que os departamentos do governo reúnam dados que comprovem teses trumpistas. As tarifas não foram nem por um minuto esquecidas. Ele disse que provavelmente em fevereiro taxará em 25% produtos mexicanos e canadenses, com os quais tem um acordo comercial, já modificado em seu primeiro mandato por exigência sua. A primazia de os parceiros inaugurarem a lista de punições diz o suficiente sobre o que Trump pensa sobre tratados comerciais - nada valem se não forem totalmente convenientes aos EUA. Trump ignora tarifas comuns e mobilidade de mão de obra - objetivos fundamentais de qualquer acordo comercial - e ainda determinou emergência na fronteira do México para conter a imigração, com o auxílio de tropas.

O estilo “transacional” do presidente se revela em outra medida inesperada, que atende à aliança com os bilionários das big techs, pressionados em todo o mundo e que acorreram a uma aliança com Trump para tentar impedir todas as regulações que lhes sejam prejudiciais na arena internacional. Trump determinou que as agências do governo colham dados, visando medidas retaliatórias, dos países que cobrem impostos “extraterritoriais” das multinacionais americanas. Esse é o núcleo do pacto global feito pelos países da OCDE em 2021, para uniformizar taxação mínima a multinacionais de qualquer setor e país que se abriguem em paraísos fiscais para pagar menos tributos. A Receita brasileira se prepara para cobrar o imposto mínimo, cuja arrecadação em 2025 está estimada em R$ 7 bilhões.

Determinar objetivos políticos para discriminações comerciais tende a provocar o caos no comércio global, embora a prática exista há tempos, de forma dissimulada. Trump tarifou aço e alumínio de seus aliados com base em ameaças à segurança nacional. Trump paralisou a OMC em seu primeiro mandato, e o democrata Joe Biden nada fez para ressuscitá-la. Agora prepara o longo inverno da organização com tarifas discriminatórias arbitrárias baseadas no puro poder econômico do maior mercado do mundo.

Os EUA se retirarão do Acordo de Paris novamente, em grande estilo. O presidente decretou emergência energética, cujo objetivo deve ser a eliminação de todas as restrições colocadas pelo “extremismo climático” para a exploração de combustíveis fósseis. A agenda verde de Biden será dizimada, a começar pelos subsídios aos carros elétricos, com consequências extensivas à maior parte das energias alternativas. Trump justificou a necessidade com o álibi de baixar a inflação, causada, para ele, por gastos públicos exagerados e pela explosão do custo energético. Para os gastos públicos, criou um Departamento de Eficiência Governamental a cargo do homem mais rico do mundo, Elon Musk, que começou a fazer cálculos e já diminuiu a economia prevista pela metade, para US$ 1 trilhão - com forte viés de baixa.

A receita de tarifas mais altas e corte de impostos é inflacionária e encontra a economia americana em boa forma. Juros descerão com menor velocidade e o dólar fará a mesma coisa, para cima. Trump quer reduzir à base de ultimatos o déficit comercial, mas suas medidas tendem a diminuir a competitividade americana. Talvez isso não faça muita diferença em seu mundo isolado onde, ao que parece, o que importa é produzir localmente. E, ao apelar para impostos de importação sobre todas as mercadorias, com fins de arrecadação, ele pode atrasar o desenvolvimento tecnológico do país, elevar preços e acumular fracassos na área fiscal.

Além da paranoia sobre “milhões de criminosos” que serão deportados, Trump fará uma varredura, por seus próprios critérios, em países que têm “controles deficientes” sobre migração. Tanto nesse ponto, quanto no da “global tax” e em muitos outros, o Brasil poderá ser alvo de uma disputa mesmo sem antagonizar os EUA, disposição agora explícita do presidente Lula. Como todos os países, o Brasil pode ser vítima do torvelinho “transacional” das exigências americanas.

Trump tem de fazer tudo rápido porque seu mandato tende a se esgotar em dois anos. Há divergência em sua equipe sobre timing, magnitude e alvos de tarifas e, com a exígua margem republicana na Câmara e no Senado, defecções serão fatais. Trump e Musk tentaram eliminar o limite para a dívida do Estado - algo estranho para quem busca eficiência governamental - e foram derrotados por revolta de republicanos fiscalistas. Trump passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente.

Ao deixar Acordo de Paris, Trump ameaça a COP de Belém

Folha de S. Paulo

Dano pode ser mais diplomático que físico; EUA já vêm reduzindo emissões, mas dão pretexto para inação de demais países

Um exemplo cabal do conflito ideológico nos Estados Unidos está no vaivém de seu governo quanto ao Acordo de Paris. Em 2017, no primeiro mandato, Donald Trump retirou o país do tratado. Em 2021, Joe Biden retornou, mas o presidente ora reempossado volta a abandonar o acordo.

A defecção da nação mais poderosa do mundo abre flanco pernicioso na já claudicante negociação para conter o aquecimento da atmosfera e aumenta o pessimismo com resultados na próxima cúpula do clima, a COP30 a realizar-se em Belém (PA).

O dano ao processo poderá ser mais diplomático que físico. Afinal, a economia dos EUA já observa trajetória de redução de emissões de carbono que o voluntarismo de Trump pode até frear ou, mais dificilmente, reverter. Dará, contudo, pretexto para outros 194 signatários continuarem a nada resolver.

Não que a contribuição americana para agravar a crise do clima seja pequena. Os EUA são o segundo maior poluidor mundial, com produção anual de 4,9 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (GtCO2eq, medida que reduz a denominador comum todos os gases do efeito estufa).

Isso corresponde a 13% do total emitido no planeta e a uma das maiores taxas per capita, de 14 toneladas a cada ano. A campeã absoluta, China, emite 12,7 GtCO2eq, 33% em termos globais, mas no cálculo por habitante fica aquém (9 toneladas).

Do Rio (1992) a Paris (2015), as tratativas se basearam no princípio de que países desenvolvidos fariam esforço maior para diminuir o impacto do aquecimento. Por isso a China só se comprometeu com atingir um pico de carbono antes de 2030 e então começar a reduzir emissões para alcançar neutralidade até 2060.

Os EUA tinham meta mais estrita: cortar, até 2025, de 26% a 28% sobre os níveis de 2005. Como o país emitia cerca de 6 GtCO2eq há duas décadas, os percentuais se traduzem em 4,4 a 4,3 GtCO2eq —não tão longe das 4,9 GtCO2eq atuais, ainda que na prática descumprindo o compromisso agora abandonado.

Há incerteza também sobre as metas de outras nações, dado que o Acordo de Paris não prevê sanções. Alguns signatários adotam compromissos em aparência ambiciosos, porém demasiado flexíveis, como o Brasil: 59% a 67% de redução até 2035 sobre 2005, com margem ampla para computar captura de carbono de recuperação florestal.

Resulta daí a baixíssima probabilidade de não ser ultrapassado o limite fixado na capital francesa de 1,5ºC de aquecimento. Mesmo que se cumpram todos os compromissos nacionais, sobrariam depois de 2030 meras 70 GtCO2eq para emitir com queima de combustíveis fósseis.

A cifra equivaleria a apenas dois anos de emissões, o que tornaria inexequível alcançar a neutralidade até 2050. Mais, ainda, com carta branca de Trump para novos poços de petróleo e desinvestimento em energias limpas.

É preciso mais transparência sobre a crise yanomami

Folha de S. Paulo

Governo divulga só dados parciais da ação de emergência na terra indígena em 2024; combate ao garimpo deve ser contínuo

Na segunda (20), o estado de emergência em saúde pública na Terra Indígena Yanomami, que se espalha por Amazonas e Roraima, completou dois anos. Segundo dados parciais disponíveis, houve melhora nos indicadores.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, ainda apresenta problemas na publicidade das informações, que afetam a transparência das políticas públicas implementadas na localidade.

Até aqui, o Ministério da Saúde apresentou apenas os números referentes até o primeiro semestre de 2024. Tal opacidade já se verifica desde o ano passado.

Em 2023, a pasta liberou boletins diários até março e semanais até agosto, quando os documentos passaram a ser mensais. Em fevereiro do ano passado, a divulgação foi suspensa.

Com as informações disponíveis, constata-se que foram registradas 155 mortes de yanomamis de janeiro a junho de 2024, ante 213 no mesmo período do ano anterior, o que representa uma queda relevante de 27%.

O número total de óbitos em 2023 (363) superou o de 2022 (343), mas é possível que subnotificações sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que estimulou a expansão do garimpo na região, tenham afetado esse indicador.

Na comparação entre os seis primeiros meses de 2023 e 2024, os casos atestados de malária passaram de 14.450 para 18.310, fenômeno que pode estar relacionado à alta de 73% nos exames para detectar a doença, que chegaram a 136 mil no ano passado.

A extração ilegal de ouro é a principal causa da tragédia yanomami, já que a atividade polui rios com mercúrio, impedindo a pesca e gerando intoxicações, e devasta florestas, o que contribui para a proliferação do mosquito transmissor da malária.

No primeiro ano das ações emergenciais, a área de garimpo oscilou entre fases de redução e expansão. De acordo com os dados oficiais divulgados, de março a dezembro de 2024 o indicador despencou, indo de 4.570 hectares para 313.

É dever do poder público divulgar números completos sobre sua atuação contra a crise sanitária na terra yanomami.

Ademais, mesmo que a situação emergencial venha a ser superada, é preciso manter políticas integradas de longo prazo para combater o garimpo. A fiscalização deficiente e a impunidade são alguns dos gargalos, como mostram dificuldades enfrentadas pelo Ibama em logística e na cobrança de multas.

Para um governo que pretende ser referência na área ambiental, é o mínimo a ser feito.

 Governo vira comitê de campanha

O Estado de S. Paulo

Lula diz a ministros que ‘a campanha já começou’ e cobra resultados prometidos, mas, com inflação e amarras fiscais, será difícil. Resta a carta fraudulenta da ‘defesa da democracia’

O presidente Lula da Silva avisou formalmente seus auxiliares na primeira reunião ministerial do ano que todo o seu governo deve começar já a trabalhar por sua campanha à reeleição, em 2026. E o fez sem rodeios nem ambiguidades: “O que eu quero dizer para vocês é que 2026 já começou”.

A bem da verdade, Lula já está em campanha há muito tempo, mas agora é oficial – e, claro, tudo por culpa da oposição: “Pelos adversários, a eleição já começou. É só ver o que vocês assistem na internet para vocês perceberem que eles já estão em campanha”.

Como tudo o que envolve Lula, há obviamente um bocado de mistificação. O que o petista chama de “campanha eleitoral” da oposição nada mais é do que a exploração política dos inúmeros erros do governo, o que é a essência do embate democrático.

E Lula parece ter entendido que está perdendo esse embate – e de lavada. O já antológico caso da “taxação do Pix”, que humilhou o governo nas redes sociais e fora delas, é apenas o sintoma de problemas muito maiores, alguns dos quais diagnosticados pelo próprio presidente na reunião.

Não é só que, dois anos depois da posse, “a entrega que fizemos para o povo ainda não foi a entrega que nos comprometemos a fazer em 2022”, como disse Lula. A verdade é que o presidente a esta altura parece saber que não tem condições de “entregar” o que prometeu porque os compromissos fiscais assumidos pela equipe econômica, ainda que frouxos, limitam o uso da máquina do Estado para conquistar votos. A não ser que Lula resolva mandar às favas os escrúpulos fiscais, como já fez em seu mandato anterior, será difícil desfazer a sensação de impotência.

Sem o dinheiro farto da era de ouro do lulopetismo, duas décadas atrás, resta a Lula caprichar na propaganda, e foi por isso que transformou um marqueteiro profissional em um de seus principais ministros. Por mais competente que possa ser o referido marqueteiro, porém, não há como convencer os brasileiros de que a vida melhorou sob Lula quando os preços não param de subir, contrariando a famosa promessa de campanha petista segundo a qual o povo voltaria a comer picanha e tomar uma cervejinha. Lula parece saber disso e, na reunião, admitiu que “os alimentos estão caros” e que “é uma tarefa nossa fazer com que os alimentos cheguem baratos à mesa do trabalhador”. A julgar pelo que conhecemos do lulopetismo, a ordem cheira a intervenção do Estado na formação de preços, o que quase sempre resulta em desabastecimento e mais inflação.

O fato relevante, contudo, é que Lula parece ter entendido onde o calo está apertando. O presidente admitiu que ele e seu governo estão desconectados dos anseios da população. “O povo com que estamos trabalhando hoje não é o povo dos anos 1980, que queria ter emprego com carteira assinada. É um povo que está virando empreendedor e precisamos aprender a trabalhar com essa nova formação do povo brasileiro”, afirmou o petista.

Sabe-se lá o que Lula pretende fazer para que esses “empreendedores” deixem de vê-lo como o símbolo de um Estado glutão que cobra muito, entrega pouco, atrapalha bastante e está a serviço de castas e companheiros. Ninguém é bobo: quando Guilherme Boulos, candidato de Lula na recente eleição à Prefeitura de São Paulo, posou de amigo dos “empreendedores”, levou uma surra nas urnas. O mesmo provavelmente se dará com o próprio Lula: como disse o ideólogo petista André Singer em entrevista à BBC Brasil, “o PT não pode aderir a uma ideologia do empreendedorismo do salve-se quem puder”, porque “isso é contra seus próprios princípios” e “é contra aquilo que ele veio propor para a sociedade brasileira”. Ou seja, a adesão do lulopetismo ao empreendedorismo vale tanto quanto uma nota de três reais, e não há ministro-marqueteiro que mude isso.

Diante desse cenário, resta a Lula a carta fraudulenta da defesa da democracia contra o bolsonarismo. O petista deixou isso claro na reunião: “Precisamos dizer em alto e bom som, queremos eleger governo para continuar o processo democrático do País, não queremos entregar esse país de volta ao neofascismo, neonazismo, autoritarismo”. Soa como desespero, mas é só o velho Lula de sempre.

A hora do bom combate político nos EUA

O Estado de S. Paulo

Não se pode subestimar a ameaça autoritária de Trump, mas a democracia americana é vigorosa o suficiente para lhe impor limites. Resta à oposição provar que pode fazer melhor que ele

A ameaça que o presidente dos EUA, Donald Trump, representa à democracia é real. Ninguém pode duvidar de seus instintos autocráticos, amplamente comprovados por sua atitude antidemocrática de não reconhecer o resultado das eleições de 2020, chantageando autoridades estaduais para revertê-lo e incitando militantes a invadir o Capitólio para impedir a ratificação da vitória do democrata Joe Biden. Ele nunca se retratou disso e afirma ainda hoje que as eleições foram roubadas. Um de seus primeiros atos em seu segundo mandato foi perdoar os invasores condenados pela Justiça – ou, como ele diz, “prisioneiros políticos”, num escárnio à democracia e ao Estado de Direito.

Agora ele tem mais poder do que nunca e também mais experiência. O Partido Republicano está mais ideologicamente alinhado e em grande medida se transformou num culto à personalidade. Até oligarcas das big techs outrora críticos agora fazem o beija-mão. Trump começa seu mandato com maioria nas duas Casas parlamentares e uma Suprema Corte com uma maioria conservadora de 6 contra 3. Ele preencheu seu gabinete com ferozes militantes para combater e aniquilar os “inimigos internos”. “Sua indiferença em relação aos valores americanos farão de 2025 e os anos subsequentes uma temporada aberta de vandalismo político”, resumiu a consultoria de risco político Eurasia.

Mas, se não se deve subestimar os riscos, tampouco se deve subestimar a resiliência da democracia americana.

Considerem-se os últimos 20 anos. A presidência mudou de controle partidário quatro vezes, a Câmara dos Deputados mudou quatro vezes e o Senado, também quatro vezes. Pela primeira vez em 120 anos, os partidos incumbentes perderam três eleições presidenciais consecutivas: 2016 (democratas), 2020 (republicanos) e 2024 (democratas). Isso não significa que os eleitores tenham mudado suas posições ideológicas, sobre, por exemplo, o aborto ou o tamanho do Estado, mas sim que rejeitaram governantes que não entregaram os resultados prometidos.

Trump cultiva uma imagem de “rolo compressor” eleitoral, mas ele perdeu a disputa de 2020 e acumulou derrotas nas eleições de 2018 e 2022. Agora, ele tem maioria na Câmara, mas é a mais estreita em 100 anos, e começa o seu segundo mandato já com uma das mais altas taxas de impopularidade para um presidente em seu primeiro ano.

A blitzkrieg de decretos em seu primeiro dia foi estonteante, mas muitas das promessas de campanha de Trump – incluindo as mais críticas relativas à imigração, tarifas ou energia – não poderão ser cumpridas sem uma legislação do Congresso. A maioria dos senadores republicanos chegou ao Congresso antes de 2017. Já o seu primeiro nomeado para o Departamento de Justiça caiu por resistência de republicanos moderados antes mesmo de ser submetido à aprovação do Senado, e outras indicações exóticas encontram dificuldades.

O apelo a ordens executivas para superar impasses no Congresso tem crescido desde a gestão de Barack Obama, mas a estratégia tem sido em grande medida frustrada pela Justiça. Ainda neste mês, a Suprema Corte recusou um recurso de Trump para barrar uma sentença de um tribunal em Nova York que o acabou sentenciando como culpado por fraudar registros contábeis.

Sem dúvida a eleição de Trump exprime um resgate de anseios conservadores clássicos no eleitorado americano: a desconfiança do big government, do intervencionismo estrangeiro, do identitarismo, e o desejo de políticas pró-família, de uma rede mínima de seguridade social, de políticas de imigração disciplinadas, da meritocracia. Mas, a julgar pelo seu primeiro mandato, Trump é a resposta errada a perguntas certas, e faltam-lhe a coerência e a disciplina para implementar essas políticas. Agora, ele tem só dois anos e uma margem estreita no Congresso antes de enfrentar o veredicto popular.

A oposição precisará fazer a sua própria lição de casa. O alarmismo e a demonização falharam. Se Trump é a resposta errada, os democratas ainda precisam provar que têm a certa.

“São ações, não palavras que contam”, disse Trump em seu discurso de posse. Isso é verdade para ele, e também para a oposição. O tempo dos discursos acabou. Começa agora a temporada aberta da política.

O ministro sem senso de humor

O Estado de S. Paulo

Alexandre de Moraes leva a sério livro que satiriza Eduardo Cunha e decide que ninguém pode lê-lo

Um espírito censório vaga pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com desassombro poucas vezes visto sob a égide da Constituição de 1988. Têm sido recorrentes decisões de ministros do STF que cerceiam a liberdade de expressão de cidadãos nas redes sociais, tolhem a publicação de material jornalístico e tiram de circulação livros técnicos ou artísticos. Tudo, claro, sob a iluminação das mais nobres intenções de Suas Excelências – aquelas das quais o inferno está cheio.

Há poucos dias, mais um ato de censura praticado pela Corte responsável pela guarda da “Constituição Cidadã” veio a público, mostrando que o STF parece disposto a abastardá-la no que a democracia tem de mais sagrado.

Em decisão monocrática, o ministro Alexandre de Moraes atendeu a um pedido do notório Eduardo Cunha e ordenou que o livro Diário da Cadeia, escrito por Ricardo Lísias sob o pseudônimo “Eduardo Cunha”, fosse retirado de circulação. Simples assim. Moraes ainda condenou o autor da obra, a Editora Record e Carlos Andreazza – colunista deste jornal e, à época da publicação, em 2017, diretor Editorial do Grupo Record – a pagarem uma indenização de R$ 30 mil ao ex-presidente da Câmara dos Deputados.

O livro, escancaradamente satírico, já apresenta desde a capa, em letras garrafais, a informação de que “Eduardo Cunha” é um pseudônimo do autor. Ademais, ao longo da obra, publicada quando Cunha estava preso no âmbito da Lava Jato por suspeita de exigir e receber US$ 5 milhões de propina em contratos da Petrobras, fica evidente para qualquer pessoa alfabetizada que não se trata de um livro escrito pelo verdadeiro Cunha, mas sim de uma paródia sobre como seriam os dias de cárcere de uma personalidade pública que teve papel destacado na história recente do País.

Ou seja, além de censura, a caneta do sr. Moraes também veio carregada com tintas de preconceito ao supor que os leitores seriam estúpidos a tal ponto que nem sequer poderiam distinguir entre realidade e ficção, donde o acesso à obra deveria ser proibido.

Para o ministro, tido como a epítome da defesa da democracia no País, as liberdades de expressão e criação dos responsáveis pelo livro colidiram, ora vejam, com a proteção à honra de Eduardo Cunha. E, diante desse suposto conflito, Moraes não teve dúvidas: optou por Cunha. Dado seu histórico nada abonador, nem o próprio Eduardo Cunha foi tão zeloso com sua reputação como foi o ministro Moraes. Como se a censura já não fosse grave por si só, o ministro ainda ignorou a jurisprudência do STF, que relativiza o direito à intimidade de personalidades públicas.

Havia outras medidas mais equilibradas e coadunadas com as liberdades democráticas que o sr. Moraes poderia ter tomado antes de tirar uma obra artística de circulação, ato violento em qualquer democracia digna do nome. Ele poderia, por exemplo, ter exigido divulgação ainda maior da informação de que o nome “Eduardo Cunha” é um pseudônimo, malgrado, como foi dito, a palavra vir impressa em caixa alta desde a capa do livro.

Agora, restam o recurso e a dúvida: quem no STF haverá de censurar o censor?

O conflito que expõe o cidadão no trânsito

Correio Braziliense

Empresa de transporte privado de passageiros por aplicativo desafia a lei e o poder público para iniciar operação com motocilcistas em São Paulo, ignorando o bem-estar coletivo

Há cerca de uma semana, uma das gigantes do setor de transporte privado de passageiros por aplicativo iniciou sua operação com motociclistas em São Paulo. A estratégia desafia a prefeitura local, que se posiciona contra o serviço, resguardada por um decreto proibitivo assinado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) em 2023. No frigir dos ovos, o que se desenha é uma situação conhecida aos olhos da opinião pública: uma empresa de tecnologia coloca a lei à prova para ampliar seu mercado, a partir de uma guerra judicial e midiática que ignora o bem-estar coletivo.

Por um lado, a empresa oferece um serviço rápido e barato, capaz de seduzir o trabalhador sufocado pelo já conhecido caos do trânsito de São Paulo. O transporte com motos por aplicativo resolve dois problemas de quem perde horas com o vai e vem nas grandes cidades: diminui o tempo perdido no transporte público e oferece um custo-benefício superior aos abarrotados ônibus e metrôs.

Por outro, está em jogo a segurança viária. É provado, estatisticamente, que os motociclistas integram a maior parte das vítimas do trânsito nas grandes cidades brasileiras. Em Belo Horizonte, por exemplo, quase 60% dos acidentes com morte no ano passado envolveram o veículo sobre duas rodas. Foram 89 registros diferentes, uma média de uma vida perdida a cada quatro dias. Os dados são da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). No primeiro semestre de 2024, em média, seis motociclistas morreram, por mês, vítimas de sinistros nas vias da capital do país, segundo os dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF). 

Apesar da queda de braço momentânea, o histórico mostra que os embates entre o poder público e a iniciativa privada, no Brasil, terminam em goleada a favor das empresas de tecnologia. O relatório Caminhos do Trabalho — feito pelo Fundacentro, do Ministério do Trabalho e Emprego, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA) — mostra que 25% dos entregadores de aplicativo entrevistados em 2023 relatam ter sofrido algum acidente durante o exercício da profissão.

Ainda assim, esse tipo de serviço opera normalmente no Brasil, a partir de uma explosão da demanda após a pandemia da covid-19. Ou seja, mesmo com os riscos comprovados em gênero, número e grau, as empresas mantêm suas atividades, a partir do lobby do setor e também de uma pressão da opinião pública, que faz questão de usar o serviço por sua comodidade e custo-benefício.

Em São Paulo, no último capítulo da batalha judicial, a Justiça autorizou o Executivo a fiscalizar os motociclistas da plataforma. A cidade garante ter apreendido dezenas de veículos do tipo por irregularidades, enquanto a empresa informa que pagará todas as multas dos seus cadastrados. A estratégia é clara: desgastar o poder público e conseguir o direito de operar "na marra".

Se os problemas e as vantagens do transporte de passageiros por motos estão claros, qual a saída para o desafio apresentado? A resposta requer debate entre as diferentes partes envolvidas, com via livre, principalmente, para os especialistas em trânsito. A regulamentação precisa considerar os aspectos técnicos, trabalhistas, econômicos e sociais. Todos devem ser ouvidos para se chegar a um denominador comum.

Algumas medidas, porém, têm necessidades cristalinas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a velocidade máxima das vias deve ser de 50km/h. Diante da possibilidade razoável de sufocamento do sistema público de saúde por causa dos acidentes com motociclistas, urge que as empresas criem mecanismos para que seus prestadores de serviço respeitem a velocidade máxima das vias — razão principal de ocorrências graves, como mostrou o Estado de Minas em sua recente série de reportagens Vítimas da velocidade, publicada no início do mês.

Além disso, é preciso olhar para regras que funcionam em outras metrópoles ocidentais. Em Nova York, quando se olha para a questão do delivery, a regulamentação obriga as empresas a pagarem um valor mínimo aos trabalhadores do setor, uma medida que ameniza o pé pesado no acelerador, dentro da ótica de que "tempo é dinheiro".

Seja qual for o resultado da queda de braço em São Paulo, a resposta não pode passar pelo paliativo. Trata-se de uma questão grave para a saúde pública e sintomática da sociedade informatizada, que, cada vez mais, procura comodidade aliada ao menor custo.

 

 

 

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