quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O novo momento das relações Brasil-EUA - Fernando Exman

Valor Econômico

Autoridades do governo vão avaliar, dia após dia, cada medida administrativa e discursos do presidente Donald Trump

Sem precipitações retóricas em público, autoridades do governo vão avaliar, dia após dia, cada medida administrativa e discursos do presidente Donald Trump antes de se arriscarem a vaticinar o destino da bicentenária relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos. Nos bastidores, contudo, alguns pontos de atenção já estão sobre a mesa.

Os laços são históricos. Cerca de 200 anos atrás, o diplomata José Silvestre Rebello entregava suas cartas credenciais ao presidente James Monroe em Washington e se tornava formalmente o primeiro encarregado de negócios do Brasil nos EUA. Como consequência desse ato, na prática o governo americano reconhecia a independência do Brasil. O episódio é visto como uma das primeiras vitórias da diplomacia nacional.

Os EUA consolidaram-se, dessa forma, na posição de aliado estratégico. Em 1916, ultrapassaram a Europa como principal parceiro comercial do Brasil, ocupando o lugar por quase cem anos. Perderam o posto em 2009 para a China.

Está justamente aí um dos motivos da irritação observada atualmente em Washington.

Em recentes interações na capital americana, autoridades brasileiras captaram duas grandes preocupações de seus interlocutores: imigração e a influência da China na região. Até hoje eles têm dificuldade de digerir a notícia de que os chineses inauguraram, no fim do ano passado, um gigantesco complexo portuário no Peru. O empreendimento é considerado um passo importante na expansão da presença chinesa na América Latina. Já o Brasil mantém uma estratégia pendular, com a qual evita se alinhar formalmente a chineses ou americanos. Mas está, sim, de olho no tom considerado imperialista adotado pela nova administração Trump.

O novo secretário de Estado, Marco Rubio, por exemplo, foi assertivo quando apresentou-se à Comissão de Relações Exteriores do Senado em audiência para a sua confirmação no cargo. “Cada dólar que gastamos, cada programa que financiamos e cada política que seguimos deve ser justificado com a resposta a três perguntas simples: Isso torna a América mais segura? Isso torna a América mais forte? Isso torna a América mais próspera?”, declarou, ao detalhar a direção dada por Trump para a condução da política externa. “Em nosso próprio hemisfério, déspotas e narco-terroristas aproveitam-se de fronteiras abertas para promover imigração em massa, traficar mulheres e crianças, e inundar nossas comunidades com fentanil e criminosos violentos”, acrescentou.

Na segunda-feira, entre promessas de elevar tarifas comerciais, Trump disse a jornalistas que Brasil e América Latina precisam mais dos EUA do que o inverso. E em outro momento da entrevista, voltou a ameaçar os países que integram o Brics. Foi um repeteco do que publicou nas redes sociais em novembro, quando escreveu que iria impor tarifas de 100% contra todos os produtos do bloco caso o grupo atue para diminuir a importância do dólar no sistema internacional, seja pela criação de uma moeda nova ou pelo fortalecimento de um câmbio já existente.

É preciso ter no radar que neste ano o Brics é presidido temporariamente pelo Brasil. Está colocado o desafio para que se acerte o tom durante os trabalhos, afastando assim a percepção de atores nos EUA e na Europa de que este se tornou um grupo antiocidental controlado por China e Rússia.

Quanto aos instrumentos para as transações comerciais intrabloco, a mensagem de Brasília é que o uso de moeda local é mais uma opção que os Estados podem oferecer aos agentes privados locais. Porém, cabe a cada empresa decidir como prefere operar. Além disso, acrescenta-se, esse tipo de iniciativa demanda um longo processo de desenvolvimento de instrumentos financeiros comuns. Não é algo para o curto prazo.

Na visão de interlocutores do governo, seria preciso também uma autocrítica por parte dos americanos para que se esclareça os motivos da crescente presença da China na região. Os chineses jogam com uma estratégia conhecida, argumentam. Uma virada só seria possível com mais cooperação, investimentos e comércio. Não o contrário.

Nesse contexto, reiteradas declarações de guerra tarifária por parte de Trump são vistas como um sinal da “lei da selva” que tem prevalecido em um sistema internacional falido. Após o desmonte dos mecanismos de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC), a percepção é que o mandatário tenta, na verdade, obter concessões de outros países pela força.

Em público, contudo, o mais provável é que integrantes do governo relembrem da história de José Silvestre Rebello e outros momentos positivos de aproximação política e comercial entre os dois países. Há registros, por exemplo, da assinatura do acordo comercial que no século 19 garantiu acesso para café e açúcar em condições favorecidas ao mercado americano, com a contrapartida da redução das tarifas brasileiras aplicadas a manufaturas e farinhas dos EUA.

Mas o acordo não durou muito devido à chamada “tarifa McKinley”, concebida por um congressista republicano protecionista chamado William McKinley que anos depois se tornaria presidente dos EUA. Em seu discurso de posse na segunda-feira, Trump falou com grande admiração de McKinley. Não é um bom prenúncio.

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