Folha de S. Paulo
Muitas de suas propostas serão contestadas em
tribunal, e o Judiciário ainda não está totalmente do seu lado
Eu moro em Washington e nesta segunda a cidade estava bloqueada
para a segunda posse de Donald
Trump. Serei diretamente afetada pela implementação da sua agenda de usar o
poder coercitivo do Estado federal para atacar imigrantes, funcionários
públicos federais e gays, porque uma de suas ordens será que o Departamento de
Estado emita passaportes e outros documentos conforme o gênero em que você
nasceu. Quando o meu for renovado, em janeiro de 2027, ele terá que dizer
gênero "masculino" em vez de "feminino". Uma pessoa rica
como eu não precisa se preocupar muito. Mas pessoas trans pobres serão as
únicas prejudicadas.
Ele não pode obter tudo o que quer, porque os Estados Unidos ainda são uma
nação de leis. Muitas de suas propostas serão contestadas em tribunal, e o
Judiciário ainda não está totalmente do lado de Trump. E o Exército, crucialmente, ainda não é
político, como sempre foi, surpreendentemente. Vocês, brasileiros, sabem bem
como são importantes um Judiciário independente e um Exército apolítico.
É verdade que Trump tem maiorias, embora muito pequenas, em ambas as
casas do Congresso. Se ele quiser tornar os servidores federais menos seguros
em seus empregos, pode fazê-lo. E os congressistas, especialmente na câmara
baixa, estão aterrorizados com as ameaças dele de se opor à reeleição em dois
anos de qualquer um que vote contra a sua agenda.
Suas ameaças se tornam verossímeis por dois fatos. Primeiro, a disposição de
muitos americanos, embora não seja uma grande maioria, é conservadora, e muitos
são populistas trumpistas que agora votam com
entusiasmo. E, segundo, o sistema "primário" que cresceu nos últimos
50 anos facilita para os conservadores radicais entrarem na câmara baixa.
Antigamente, os candidatos a cargos de nossos
meros dois grandes partidos eram escolhidos como são no Brasil, por políticos
profissionais em segredo, em "salas cheias de fumaça", como diz a
expressão americana. Os políticos apresentavam candidatos que achavam que
venceriam a chamada eleição "geral", aquela que realmente coloca as
pessoas no poder.
Mas hoje os candidatos de ambos os partidos
enfrentam uma eleição primária anterior, que geralmente é restrita a pessoas
que se declararam anteriormente a favor de um dos partidos. Crucialmente, o
meio do eleitorado não se preocupa em votar nas primárias. Os extremos sim.
Portanto, hoje em dia, os democratas acabam com candidatos de esquerda mais
radicais e os republicanos com candidatos mais radicalmente conservadores.
Em 1972, por exemplo, eu ainda era um pouco de esquerda, ainda não como sou
hoje, totalmente fora do espectro comum —uma liberal essencial sentada em nossa
pequena casa na árvore olhando assustada para os partidos estatistas no
espectro. E, como eu era contra a Guerra do Vietnã em curso sob o então presidente
Nixon, trabalhei como observadora de votação para o democrata radical
antiguerra George McGovern, que tinha saído do sistema primário. Na eleição
geral, ele perdeu em cada um dos 50 estados, exceto meu Massachusetts natal.
O presidente dos EUA é importante para os brasileiros, nem preciso dizer.
Observem atentamente.
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