terça-feira, 5 de agosto de 2025

Bolsonaro preso por que? - Pedro Doria

O Globo

O filho Zero Três, Eduardo, já disse em live pelas redes que não se importa que o país vire terra arrasada

Não foi sem razão que o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua primeira decisão estabelecendo medidas cautelares continha ambiguidades. Nos dias seguintes, quando jornalistas quiseram entrevistar Bolsonaro, e todos foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) cobrar clareza, clareza veio. Pode-se questionar a ordem de Moraes, mas era evidente que o ex-presidente estava proibido de incitar seus opositores contra a Corte e que não havia simpatia pela ideia de que outros publicassem seus comunicados nas redes. Ora, o senador Flávio Bolsonaro pôs o pai em ligação direta com uma multidão no domingo, pelo celular. Depois, publicou o vídeo nas redes sociais. Numa manifestação contra o Supremo. Não há o que discutir. Bolsonaro violou a ordem do ministro que o julga. Sofria algumas restrições à liberdade, agora elas ficaram mais rígidas. Sobram duas perguntas. A primeira: por que Bolsonaro fez isso? E a segunda: por que Moraes proibiu seu acesso às redes?

À primeira pergunta, se responde fácil. O círculo ao redor de Bolsonaro está convencido de que, na Casa Branca, Donald Trump fica irritadíssimo quando a Justiça brasileira age contra ele. O uso da Lei Magnitsky contra Moraes, segundo relatos de quem trabalha nesse lobby, foi decidido quando Trump soube da instalação da tornozeleira eletrônica. Pois é evidente que Bolsonaro cavou essa prisão. Sabia desafiar o ministro. Portanto, deve estar mesmo atiçando a Casa Branca a piorar as sanções contra o Brasil — ou contra os ministros do Supremo. O filho Zero Três, Eduardo Bolsonaro, já disse em live pelas redes que não se importa que o país vire terra arrasada.

Eles não estão nem aí para o Brasil ou para os brasileiros.

A segunda pergunta — por que Moraes escolheu proibir Bolsonaro de usar as redes? — é um pouco mais complicada. O processo por que ele responde trata de tentativa de golpe de Estado. Isso está solidamente comprovado pela investigação da Polícia Federal. Conta com testemunho de ex-comandantes de Exército e Aeronáutica, planos impressos dentro do Palácio da Alvorada, militares flagrados pelo GPS do celular de tocaia contra ministro do STF. Do projeto de golpe há o registro do caminho que pretendiam seguir, há dinheiro distribuído para o início das ações, há reuniões para pressionar o comando das Forças Armadas. Está ali no relatório até a razão de não ter dado certo. O Alto-Comando do Exército não topou. Até havia generais quatro estrelas dispostos, mas eram minoria. O golpe foi planejado, e esse plano posto em ação. Mas, para além do crime de fato, há também no processo uma tese sobre como o bolsonarismo se formou.

Essa tese soará familiar a muitos. Montou-se, usando redes sociais e serviços de mensagem como o WhatsApp, uma máquina de desinformação dentro do “gabinete do ódio”, como foi apelidado. Uma estrutura pesada que enganou uma quantidade grande de brasileiros. Essa tese é popular, mas não está comprovada nos autos. Hoje em dia, ela nem sequer é consensual entre quem estuda o tema. O debate está posto.

O mais provável é que o funcionamento das redes leve a outro resultado: a polarização da sociedade. O que os algoritmos de recomendação fazem, em essência, é selecionar o tipo de conteúdo que deixará o público mais envolvido emocionalmente. Reforçam laços tribais. Sempre apresentam a todo mundo a versão mais caricatural do adversário político. Dão a todos o poder de se apresentar como heróis dos valores certos. Essa experiência é vivida por todo mundo, seja de esquerda, seja de direita, ou mesmo de centro. No recorte em que vivemos das redes, o algoritmo dá um jeito de nos permitir viver como heróis do bom senso contra oponentes horrorosos. O que nunca vemos é gente do nosso lado que discorda de nossos pontos ou gente do outro lado que se porta com decência. Só que ambos existem. O algoritmo os esconde, pois, assim, vivemos no quentinho confortável da ilusão.

A rede não desinforma. O que ela faz é outra coisa: reforça a polarização afetiva e faz desaparecerem as vozes da moderação. Não adianta calar toda a direita golpista, pois o algoritmo sempre encontrará o que mostrar para quem quer um golpe. Como não adiantaria calar todos os identitários, se algum juiz quisesse. Conteúdo identitário ainda assim apareceria.

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