O Globo
O filho Zero Três, Eduardo,
já disse em live pelas redes que não se importa que o país vire terra arrasada
Não foi sem razão que o ministro Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. Sua primeira decisão estabelecendo medidas cautelares continha ambiguidades. Nos dias seguintes, quando jornalistas quiseram entrevistar Bolsonaro, e todos foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) cobrar clareza, clareza veio. Pode-se questionar a ordem de Moraes, mas era evidente que o ex-presidente estava proibido de incitar seus opositores contra a Corte e que não havia simpatia pela ideia de que outros publicassem seus comunicados nas redes. Ora, o senador Flávio Bolsonaro pôs o pai em ligação direta com uma multidão no domingo, pelo celular. Depois, publicou o vídeo nas redes sociais. Numa manifestação contra o Supremo. Não há o que discutir. Bolsonaro violou a ordem do ministro que o julga. Sofria algumas restrições à liberdade, agora elas ficaram mais rígidas. Sobram duas perguntas. A primeira: por que Bolsonaro fez isso? E a segunda: por que Moraes proibiu seu acesso às redes?
À primeira pergunta, se
responde fácil. O círculo ao redor de Bolsonaro está convencido de que, na Casa
Branca, Donald Trump fica irritadíssimo quando a Justiça brasileira age contra
ele. O uso da Lei Magnitsky contra Moraes, segundo relatos de quem trabalha
nesse lobby, foi decidido quando Trump soube da instalação da tornozeleira
eletrônica. Pois é evidente que Bolsonaro cavou essa prisão. Sabia desafiar o
ministro. Portanto, deve estar mesmo atiçando a Casa Branca a piorar as sanções
contra o Brasil — ou contra os ministros do Supremo. O filho Zero Três, Eduardo
Bolsonaro, já disse em live pelas redes que não se importa que o país vire
terra arrasada.
Eles não estão nem aí para o
Brasil ou para os brasileiros.
A segunda pergunta — por que
Moraes escolheu proibir Bolsonaro de usar as redes? — é um pouco mais
complicada. O processo por que ele responde trata de tentativa de golpe de
Estado. Isso está solidamente comprovado pela investigação da Polícia Federal.
Conta com testemunho de ex-comandantes de Exército e Aeronáutica, planos
impressos dentro do Palácio da Alvorada, militares flagrados pelo GPS do
celular de tocaia contra ministro do STF. Do projeto de golpe há o registro do
caminho que pretendiam seguir, há dinheiro distribuído para o início das ações,
há reuniões para pressionar o comando das Forças Armadas. Está ali no relatório
até a razão de não ter dado certo. O Alto-Comando do Exército não topou. Até
havia generais quatro estrelas dispostos, mas eram minoria. O golpe foi
planejado, e esse plano posto em ação. Mas, para além do crime de fato, há
também no processo uma tese sobre como o bolsonarismo se formou.
Essa tese soará familiar a
muitos. Montou-se, usando redes sociais e serviços de mensagem como o WhatsApp,
uma máquina de desinformação dentro do “gabinete do ódio”, como foi apelidado.
Uma estrutura pesada que enganou uma quantidade grande de brasileiros. Essa
tese é popular, mas não está comprovada nos autos. Hoje em dia, ela nem sequer
é consensual entre quem estuda o tema. O debate está posto.
O mais provável é que o
funcionamento das redes leve a outro resultado: a polarização da sociedade. O
que os algoritmos de recomendação fazem, em essência, é selecionar o tipo de
conteúdo que deixará o público mais envolvido emocionalmente. Reforçam laços
tribais. Sempre apresentam a todo mundo a versão mais caricatural do adversário
político. Dão a todos o poder de se apresentar como heróis dos valores certos.
Essa experiência é vivida por todo mundo, seja de esquerda, seja de direita, ou
mesmo de centro. No recorte em que vivemos das redes, o algoritmo dá um jeito
de nos permitir viver como heróis do bom senso contra oponentes horrorosos. O
que nunca vemos é gente do nosso lado que discorda de nossos pontos ou gente do
outro lado que se porta com decência. Só que ambos existem. O algoritmo os
esconde, pois, assim, vivemos no quentinho confortável da ilusão.
A rede não desinforma. O que
ela faz é outra coisa: reforça a polarização afetiva e faz desaparecerem as
vozes da moderação. Não adianta calar toda a direita golpista, pois o algoritmo
sempre encontrará o que mostrar para quem quer um golpe. Como não adiantaria
calar todos os identitários, se algum juiz quisesse. Conteúdo identitário ainda
assim apareceria.
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