Correio Braziliense
Liderado por
Esperidião Amin (PP-SC), um grupo de senadores ameaça apresentar um pedido de
impeachment contra o ministro do STF, com 35 assinaturas já confirmadas
A decisão do ministro
Alexandre de Moraes de impor prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro
representa um novo patamar na espiral ascendente do embate entre o Supremo
Tribunal Federal (STF) e a extrema-direita brasileira. Com justificativas firmadas
na reiteração de condutas ilegais e no uso de terceiros — inclusive os filhos
parlamentares, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado licenciado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL) — para
driblar proibições judiciais, Moraes tomou medidas que já estavam previstas nas
leis.
Entretanto, ao impor limites à mobilização de apoio ao ex- -presidente, adiciona combustível à disputa diplomática com os Estados Unidos, sob a presidência de Donald Trump, uma variável externa que ninguém controla. Não é um episódio judicial isolado. A prisão domiciliar de um ex-presidente da República, combinada com o uso obrigatório de tornozeleira eletrônica, bloqueio de comunicações e restrição de visitas, representa uma medida extrema, ainda que justificada pelo descumprimento de ordens judiciais, como a proibição de uso de redes sociais — burlada por meio da atuação ativa de seus filhos e aliados, que difundem mensagens com teor golpista e ataques abertos ao STF.
Ao mesmo tempo, o
endurecimento das medidas contra o senador Marcos do Val — também sob
investigação por tentativa de obstrução institucional e divulgação de dados
sigilosos — leva a questão para o Senado. Determinado a enfrentar, com todo o
rigor, as figuras públicas que representam ameaça à estabilidade democrática, o
ministro Alexandre Moraes estará sob fogo cerrado da oposição no Congresso, que
contesta as medidas adotadas contra o senador: tornozeleira, recolhimento
domiciliar, bloqueio de bens, suspensão de verbas públicas e até o cancelamento
do passaporte diplomático do parlamentar.
Não existe vácuo político
nesta crise, que ocorre num momento de alta tensão entre o Brasil e os Estados
Unidos. O presidente Donald Trump escolheu o STF como inimigo externo e assumiu
publicamente a defesa de Bolsonaro, acusando o Judiciário brasileiro de
perseguição política. Vinculou sua retórica a medidas concretas de retaliação
econômica, como o tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros, imposto sob o
pretexto de “ameaça à segurança nacional”. Na verdade, trata-se de uma
tentativa sem subterfúgios de pressionar a Justiça brasileira para inocentar o
seu aliado investigado.
Existe uma empatia forte
entre Trump e Bolsonaro, que alinhou a política externa brasileira aos
interesses de Trump e de outros líderes de extrema-direita, como Benjamin
Netanyahu, de Israel, e Victor Orban, da Hungria, quando era presidente da
República. Agora, porém, essa simbiose entre o bolsonarismo e o trumpismo se
torna mais pessoal porque Trump, que não foi julgado pela invasão do Capitólio,
sede do Congresso dos Estados Unidos, para impedir a proclamação da eleição de
Joe Biden, não quer que a condenação de Bolsonaro, responsabilizado pela
tentativa de golpe de 2023, sirva de exemplo de como as democracias devem
funcionar em relação aos golpistas.
Interferência externa
Estamos diante de um efetivo
problema de soberania, por definição, o poder supremo e independente de um
Estado sobre seu território e população, livre de qualquer interferência
externa. A ingerência norte-americana nas decisões internas do Brasil, ainda que
sob o manto de políticas comerciais, representa um ataque inaceitável à
independência dos Poderes, em especial ao Judiciário. O próprio Alexandre de
Moraes já afirmou que o STF não se vergará a ameaças estrangeiras. Essa posição
é contestada pela oposição, com a narrativa de que Bolsonaro é vítima de
perseguição e que o devido processo legal não é respeitado, o que corrobora a
argumentação de Trump ao adotar o tarifaço como instrumento de intervenção
política.
É a antessala de uma crise
institucional grave. O governo Lula precisa defender a legalidade e o Estado
Democrático de Direito, reforçando a autonomia do STF. De outro, deve evitar
que a crise diplomática e comercial se desdobre em isolamento internacional ou
em colapso das relações econômicas com um dos principais parceiros comerciais
do país. A estratégia de contenção vem sendo negociar tecnicamente com os EUA
as relações comerciais, evitar retaliações precipitadas e blindar o Judiciário
da contaminação diplomática, mas o estresse aumenta, na medida em que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva não abre nem poderia abrir mão de
enfrentar a Casa Branca.
Sejamos realistas: o tempo joga contra o Brasil. Trump não dá sinais de recuo e o julgamento dos envolvidos no 8 de janeiro avança, agora com Bolsonaro em regime de prisão domiciliar, que seria a pena mais branda que poderia cumprir. No Congresso, o efeito imediato da prisão domiciliar de Bolsonaro foi a intensificação das pressões contra Alexandre de Moraes. Liderado por Esperidião Amin (PP-SC), um grupo de senadores ameaça apresentar um pedido de impeachment contra o ministro, com 35 assinaturas já confirmadas. Se alcançarem os 41 nomes necessários e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União- -AP), aceitar colocar o pedido em pauta, o país pode mergulhar numa crise institucional: o afastamento de um ministro do STF seria inédito e disruptivo, com repercussões imprevisíveis para o equilíbrio dos Poderes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário