O Globo
As divergências não podem
evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento sobre o que se passa
nos EUA
Estive em Paraty para falar
de um belo livro de fotos de João Farkas: “Costa norte”. Escrevi um texto de
apresentação e, no debate sobre manguezais, dunas e petróleo na Foz do
Amazonas, um homem perguntou:
— E o fator Trump, que dizer
sobre ele?
Fugia um pouco do tema, mas
respondi com sinceridade que Trump me tirava algumas horas de sono. Sou
jornalista, ele é o homem mais poderoso do mundo. Terei de falar sobre ele nos
próximos anos, é um inescapável pesadelo.
Seu narcisismo e estreiteza de ideias colocam um perigo ao analista: cair na zona de conforto da crítica fácil e deixar de evoluir como faria se estivesse diante de alguém com ambiguidades e zonas de sombra típicas da riqueza humana.
Não posso desistir. Preciso
trabalhar e, além do mais, Trump influencia a sorte do Brasil. É um momento de
todos ajudarem, dentro de seus limites. O que posso fazer é estudar mais.
Estou iniciando o clássico
“Fantasias masculinas”, de Klaus Theweleit, uma análise profunda e inquietante
de um grupo de soldados que tiveram papel crucial na ascensão do nazismo. Os
soldados eram integrantes dos Freikorps, unidades paramilitares que lutaram e
triunfaram sobre o movimento revolucionário alemão, imediatamente depois da
Primeira Guerra.
Talvez possa avançar em
minhas análises. Mas o fator Trump implica mais que um esforço individual de
interpretação. É um desafio que pede uma estratégia nacional. Quando houve o
tarifaço, sugeri que concentrássemos a energia tentando mobilizar as forças internas
nos Estados Unidos, onde a medida repercutiu mal. Intelectuais, políticos e
jornalistas criticaram Trump, sem falar nos grupos econômicos descontentes, que
serão úteis nas eleições que se aproximam.
Passado o primeiro momento,
é necessário continuar negociando. Mas sugiro que o Brasil inicie uma longa
mudança. Primeiro ponto tático: é preciso recuperar ao máximo os contatos com
os Estados Unidos. A Frente Parlamentar Brasil-Estados Unidos ainda não fez uma
única reunião neste ano. Nossa inteligência, se podemos chamá-la assim, não
acompanhou os passos dos lobistas que influenciaram a Casa Branca e contavam
diariamente seus feitos.
De modo geral, nos
comportamos como se o fator Trump nunca fosse chegar a nossa praia. As
divergências não podem evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento
sobre o que se passa nos Estados Unidos, identificar interlocutores e
compartilhar com os americanos este momento difícil, que parece desembocar num
governo autoritário.
Em termos estratégicos, há
um consenso de que devemos ampliar os negócios com o mundo, abrir mercados na
Europa. Lula trabalha para fechar o acordo Mercosul-União Europeia ainda neste
ano. Mas há também Canadá, México e todos os países que, de certa forma, foram
atingidos pelas tarifas de Trump, inclusive na Ásia.
Existe outro nível de
abertura, talvez difícil de trafegar numa maré nacionalista. É a abertura da
própria economia brasileira, simplificando a estrutura tarifária, removendo
barreiras não tarifárias, avançando no que o Banco Mundial chama de caminhos da
prosperidade. Claro que uma abertura assim implica riscos internos que precisam
ser minimizados. Podemos sair mais fortes de tudo isso. Por que não tentar?
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