terça-feira, 5 de agosto de 2025

Política em tempos de grandes mudanças - Paulo Hartung

O Estado de S. Paulo

O chão da história de vocação iluminista não se pavimenta com soluções fáceis nem episódicas, muito menos fratricidas, ditatoriais ou radicais

Vi vemos uma contemporaneidade convulsiva, transformada pela incidência das novas tecnologias, pela emergência climática e por movimentos desafiantes aos laços politicamente estruturados. Acrise desencadeada pelo governo norte-ameri canoco mo tari faço aprofunda esse quadro. E ocadinho que amalgama tantos problemas tem ingredientes vários. Experimentamos uma era de fluidez vertiginosa, que soma as dimensões presencial e digital para uma existência em dupla ambiência, atravessada por desprezo à factualidade, como bem mostra o fenômeno dramático das fake news.

Temos um crítico momento em que as bases democrático-republicanas de nossa civilização sofrem ataques ao redor do planeta, sombreado por retrocessos patrocinados por radicalidades do espectro político. No rastro da pandemia e feroz disputa por hegemonia global, geraramse efeitos danosos inegáveis, como a desorganização de diversificadas cadeias de suprimento. Guerras, ataques ao multilateralismo e a emergência climática adicionam complexidades a uma fase histórica de enfraquecimento do sistema internacional erigido no pós-1945, ora inclinado a ser suplantado por crescente beligerância, recrudescente protecionismo e preocupante negacionismo.

No meio dessa cena de persistentes transformações, temos um Brasil a nos desafiar à superação de questões históricas, ao mesmo tempo à invenção dos fundamentos do futuro. Um país que resiste a aprender com erros e sucessos, no mais das vezes, repetindo o passado com etiquetas de “grandes novidades”. Uma nação que precisa mitigar polarizações extremadas e se unir em torno do que nos deve congregar a todos: a construção da prosperidade inclusiva. Um Brasil que precisa de estratégia para as travessias desse novo tempo e suas tempestades, como a tortuosa reconfiguração geopolítica em curso.

Este é o contexto em que convido o leitor a pensar sobre o fazer político atual, com meu novo livro. Política em tempos de grandes mudanças, que nomeia este artigo, é o título da edição, disponível a partir de 6 de agosto na Amazon. A política é uma atividade dinâmica, umbilicalmente conectada às atualidades. Desse modo, é mais do que pertinente elaborar como fica a política neste nosso tempo tão cataclísmico. É o que proponho, reunindo desafios, apontamentos, reflexões e indagações acerca dessa atividade essencial à condição humana.

Esse olhar sobre a contemporaneidade quer inspirar e ensejar uma ação política atenta aos sinais e em diálogo com as marcas da temporalidade atual, de modo a se reinventar o agir político e, ao mesmo tempo, garantir que práticas e valores civilizatórios até aqui conquistados sejam mantidos a favor da dignidade humana.

Defendo que essa agenda política geral se baseie na ideia de universalismo, ou seja, a visão de que distâncias e diferenças entre os humanos não suplantam nossa fraternidade na dignidade. E essa realidade de irmandade estrutural deve ser dinamizada pelo propósito de justiça socioeconômica e viabilizada por meio do progresso sustentável.

Essa perspectiva é a que venho defendendo em minhas décadas de ação política e cidadã, como bem expressam artigos que publico em espaços como este. Aliás, depois de uma introdução sobre a conjuntura política atual e um capítulo sobre a agenda brasileira inescapável neste momento, ambos os textos inéditos, apresento no livro um conjunto de 34 artigos publicados na imprensa desde 2022.

Em vários desses artigos selecionados, conto com a honrosa parceria de Adriano Scarpa, Ana Carla Abrão, André Guimarães, Eduardo Mufarej, Fabio Giambiagi, Guilherme Leal, José Antonio Martinuzzo, José Carlos da Fonseca Jr., Marcello Brito, Marcos Mendes, Natália Renteria, Paulo Artaxo, Regis Mattos, Roberto S. Waack e Welber Barral. A compor o livro, textos especiais de Luciano Huck, que assina o prefácio; de Marcos Lisboa, autor do posfácio; de Samuel Pessôa, nas orelhas; e de Ana Paula Vescovi, na contracapa da publicação.

Em todos os quadrantes do mundo democrático, vivemos hoje um tempo desafiador de reinvenção da prática política e mesmo de reconquista de mentes e corações para a política emancipatória, longe das radicalidades tão danosas ao necessário diálogo e às conexões em torno da boa vontade.

Há milênios, Heráclito (c. 550-c. 480 a.C.) já observara a constância da mudança. Segundo reporta Platão, ele afirmava que “não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, posto que, num segundo momento, nem o rio nem o sujeito são os mesmos. Lidar com o fato de que “amanhã não seremos o que fomos nem o que somos”, de acordo com Ovídio, nunca foi simples. Agora pense em lidar com esse vetor de mutação inevitável e irrecorrível de modo alucinante? É o que estamos experimentando, com desafiantes consequências.

O chão da história de vocação iluminista não se pavimenta com soluções fáceis nem episódicas, muito menos fratricidas, ditatoriais ou radicais. É uma laboriosa tarefa da nossa capacidade de promover novos inícios, como vislumbrou Hannah Arendt. Guiados pelo espírito humano, distinguido pelas faculdades de pensar, desejar e agir, e de fazer tudo isso com filtros ético-morais, temos uma obra infindável de construção da civilização humanística, tão provocada e desafiada nesses tempos de grandes mudanças.

 

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