terça-feira, 5 de agosto de 2025

Até onde a prisão de Bolsonaro pode levar Donald Trump - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Oposição fica amarrada pela divisão da direita e aposta na resposta da Casa Branca

O enquadramento na Lei Magnitsky não deteve o ministro Alexandre de Moraes. Quando o julgamento, com provável condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro, acontecer, o réu já estará preso em casa. Pela escalada, não se pode descartar que, até lá, haja uma prisão preventiva.

A progressão deste caso mostra que os descumprimentos não têm se dado pelos deslocamentos de Bolsonaro, mas pelo uso que o ex-presidente, seus familiares e apoiadores fazem das redes sociais, que o ministro havia vedado na decisão anterior.

O cerceamento a essas publicações não tem se mostrado eficaz e nada indica que, com Bolsonaro agora em prisão domiciliar, outras mensagens suas não venham a ser veiculadas. É uma encruzilhada. A escalada empurra Moraes a dobrar a aposta e alimentar, na oposição, inclusive naquela que tem assento na Casa Branca, a acusação de que está a afrontar a liberdade de expressão.

Bolsonaro foi colocado em prisão domiciliar por descumprir medidas cautelares relativas ao processo a que responde por tentativa de golpe, mas, na decisão, o ministro deixa claro que começou a agir no sentido que havia prenunciado na sexta-feira, o de que Bolsonaro se vale dos mesmos métodos do golpismo para insuflar Donald Trump contra o Brasil.

Em várias passagens de sua decisão, Moraes cita os agradecimentos de familiares do ex-presidente, apoiadores e manifestantes do domingo ao governo americano pelas medidas contra o Brasil. Trump já recuou nas sanções, mas o inferno é seu limite e o governo não descarta novas retaliações. Quanto a Moraes, para ir além da Magnitsky e da revogação de vistos, Trump terá que apelar ao terrorismo de Estado, o que ainda parece improvável.

A reação oposicionista foi limitada em seu alcance pelo próprio bolsonarismo. Ao atacar governadores ausentes dos atos, os apoiadores do ex-presidente obstruem ainda mais o caminho já pedregoso da anistia ou do impeachment de ministros do STF porque afastam o Centrão.

O que não é nada improvável é que a reação de Trump venha na investida contra as eleições brasileiras. O empenho do presidente americano em transformar o Brasil numa comarca eleitoral tem aliados na política, nas igrejas, nas finanças e até em algumas ruas do país, que passaram a desfraldar a bandeira americana.

O Tribunal Superior Eleitoral será presidido, a partir de junho, por um ministro do Supremo Tribunal Federal, Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro. A atual presidente, ministra Cármen Lúcia, deixará resoluções para salvaguardar as regras da disputa, mas é Nunes que conduzirá o julgamento de sua efetividade. E não apenas. Estará na função que, em 2022, sob a titularidade de Moraes, impediu a manobra da Polícia Rodoviária Federal que poderia ter anulado a eleição.

Daqui por diante, o cenário das eleições locais não poderá perder de vista o que acontece nos EUA. É preciso ver o que Trump anda aprontando para não perder as eleições do próximo ano. Ele vai querer fazer o mesmo por aqui.

As eleições de meio de mandato nos EUA são aquelas em que são renovadas todas as cadeiras da Câmara e um terço do Senado. Trump tem uma maioria estreita em ambas as Casas. No seu primeiro governo, Trump também comandava o Congresso até 2018, quando perdeu a Câmara, precipitando sua derrota à reeleição dois anos depois. O tarifaço só tem prejudicado suas condições para manter essa maioria. Assim, restam-lhe as alternativas para mitigar a elegibilidade dos eleitores de oposição e a representatividade dos distritos em que eles votam.

Ele começou cedo. Baixou decretos obrigando Estados a fazer novas comprovações de cidadania para o registro eleitoral, requereu listas eleitorais de Estados onde esta maioria está em disputa, redesenhou os distritos do Texas, projetando um avanço republicano sobre cinco cadeiras democratas, e requereu acesso às máquinas de votação.

A cama está armada para Trump, se perder as disputas de meio de mandato, logo após o segundo turno do Brasil, contestar o resultado. A investida contra o STF e, particularmente, sobre Moraes é a exportação do que ele tem feito por lá.

Em decisão recente, a Suprema Corte daquele país, de maioria governista, restringiu o poder de juízes distritais de refrear a agenda presidencial. Depois de ganhar suas primeiras batalhas na justiça, bastiões da resistência, como a Universidade de Harvard, por exemplo, já foram obrigados a alguns recuos sob pena de congelamento de recursos federais. A pressão se estende à imprensa, ameaçada por processos em temas como a rede de pedofilia de Jeffrey Epstein.

Não se deve esperar que Trump esqueça o Brasil. Estava brigando com muita gente grande quando se lembrou de colocar o país no topo de suas maldades. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva alterna-se entre a moderação e a provocação. No domingo, disse que a briga tem um limite e que continua a buscar uma alternativa ao dólar.

As batalhas de Lula estão longe de se encerrar com Trump. Se sua imagem internacional hoje está lustrada com este embate, poderá ficar seriamente abalada com um fracasso na COP provocado pela ausência de infraestrutura. Nas manifestações bolsonaristas de domingo, a única personagem do bolsonarismo que não se meteu nessa confusão, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, representou o marido em Belém, vitrine ou vidraça contratada de Lula.

 

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