BC deve adotar mais rigor ao fiscalizar fintechs
O Globo
Uso de startups financeiras
pelo crime organizado exige ação mais urgente ao disciplinar mercado
O Banco Central (BC) tem o dever de aumentar a supervisão no mercado de startups e empresas voltadas para produtos financeiros digitais, as fintechs. O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), as duas maiores organizações criminosas do país, têm usado bancos digitais para receber e lavar dinheiro do tráfico, fraudes e outros crimes. Nos últimos seis anos, R$ 28,2 bilhões passaram por oito fintechs investigadas pela polícia e pelo Ministério Público, como revelou reportagem do GLOBO. A quantia é apenas uma amostra de um fluxo maior. Ao crime organizado não faltam sofisticação nem versatilidade. Opera criptoativos, concede empréstimos de fachada e recebe pagamentos internacionais. O desafio diante do BC é coibir a ação criminosa, mas sem criar um ambiente regulatório que eleve custos de forma a asfixiar a inovação trazida por empreendedores idôneos.
A reportagem do GLOBO traz
relatos preocupantes. Criada em 2019, a fintech 4tbank está registrada em nome
de uma jovem de 24 anos. Em quatro anos, movimentou meio bilhão de reais, dos
quais R$ 80 milhões em espécie. A investigação sugere que o verdadeiro dono da
empresa, João Gabriel de Mello Yamawaki, foragido, tenha vínculos com o PCC
(seu advogado nega). Em abril, o mesmo 4tbank foi vinculado ao CV. Outra
fintech na mira dos policiais é a 2GO Instituição de Pagamento, acusada de
lavar cerca de R$ 6 bilhões em transações por pelo menos 15 países. A
promotoria afirma que ela faz parte de “um sistema bancário ilegal”, tendo
recebido recursos de empresas de fachada ligadas a investigados por roubo,
tráfico e fraudes. A defesa da 2GO nega atos ilícitos.
“É um negócio altamente
vantajoso”, diz Lincoln Gakyia, promotor que investiga o crime organizado há
mais de 20 anos. O criminoso “abre o próprio banco digital, que permite comprar
criptoativos e movimentar dinheiro no mundo todo”. O PCC, dizem as investigações,
aprendeu com máfias estrangeiras a usar meios digitais para receber pelos
carregamentos mensais de cocaína para a Europa. “PCC e ‘Ndrangheta [máfia do
sul da Itália] estão cada vez mais conscientes das novas tecnologias”, diz o
acadêmico Antonio Nicaso, da Universidade Queen’s, autor de vários livros sobre
a Máfia italiana. Criminosos digitais também trabalham para as facções
brasileiras. O PCC é suspeito de envolvimento no recente golpe que atingiu o
sistema Pix, em desvio de cerca de R$ 800 milhões.
O imperativo de combater o
crime organizado deve ser encarado tendo em mente a necessidade de preservar um
ambiente favorável à inovação. O Brasil não pode abrir mão do desenvolvimento
trazido pelas fintechs. Em relatório de julho, o Fundo Monetário Internacional
(FMI) reconhece o papel positivo da regulação concebida pelo BC para fazer do
conjunto de startups financeiras “um importante player em crédito ao
consumidor”. Hoje elas respondem por 25% do mercado de cartões de crédito e
mais de 10% de empréstimos não consignados. Nos segmentos em que os bancos
tiveram de enfrentar a nova concorrência, os juros caíram de forma
significativa.
Prende-solta revela
incapacidade do país de deter ciclo perverso da violência
O Globo
Jovem de 21 anos tem 86
passagens pela polícia. Só neste ano, envolveu-se em quatro delitos em 24 dias
A história do jovem Patrick
Rocha Maciel expõe um triste retrato do Brasil. Aos 21 anos, ele acumula nada
menos que 86 passagens pela polícia — praticamente uma a cada três meses de
vida. Sua folha corrida revela, de forma contundente, a incapacidade do país de
amparar suas crianças e deter o ciclo perverso da criminalidade. Como mostrou
reportagem do GLOBO, ele tinha apenas 10 anos quando entrou pela primeira vez
numa delegacia, flagrado numa bicicleta de aluguel furtada (à época, era
inimputável). Voltou dezenas de vezes, acusado por delitos como roubo, lesão
corporal, invasão de domicílio ou ameaça.
Patrick morava no Morro da
Providência, comunidade do Rio dominada pelo Comando Vermelho, e costumava
vender balas nas ruas de Copacabana, quando deveria estar numa escola. A
delinquência é uma trágica herança. Sua mãe, segundo a polícia, somava sete anotações
criminais, além de ter sido investigada por maus-tratos, abandono de incapaz e
por submeter criança ou adolescente a vexame ou constrangimento. Ela morreu em
2023.
É provável que, na
adolescência, Patrick tenha passado mais tempo em unidades socioeducativas que
em salas de aula. Quando precisa informar a escolaridade, costuma dizer que não
concluiu o ensino fundamental. Nos processos judiciais, assina o primeiro nome,
com caligrafia que revela pouca familiaridade com a escrita.
Unidades socioeducativas
deveriam recuperar adolescentes para o convívio em sociedade. Mas pouco
serviram a Patrick. Entre os 10 e os 17 anos, ele foi levado ao menos 12 vezes
a instalações do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Rio, onde se envolveu
em diversas confusões. Aos 17, foi acusado de lesão corporal e participação num
motim de internos.
Com a maioridade, vieram os
presídios e o interminável prende-solta propiciado pela labiríntica legislação
penal brasileira. Em abril de 2022, menos de uma semana depois de deixar o
presídio José Frederico Marques, voltou a ser preso, acusado de assaltar uma
casa em Ipanema. Desde que completou 18 anos, já esteve pelo menos sete vezes
no sistema penitenciário. Neste ano, depois de sair da prisão, se envolveu em
quatro delitos em 24 dias. “Quando ele chegou à delegacia, nós já o
reconhecemos. E sabíamos que, em breve, o veríamos de novo”, disse o delegado
Ângelo Lages, da 12ª DP (Copacabana).
Os delitos em série de Patrick são um resultado eloquente das falhas em série do Estado e do fracasso das políticas públicas de combate à criminalidade. Prisões reiteradas não evitam os crimes; unidades socioeducativas não educam; e os presídios — controlados por mais de 70 facções criminosas — não funcionam como espaços de ressocialização, mas como fornecedores de mão de obra ao crime organizado. Por fim, a legislação leniente favorece a reincidência e o eterno vaivém no sistema penal. Governos não podem fingir não ver tamanha tragédia. Ou adotam políticas comprovadas, capazes de reparar cada elo dessa cadeia de falhas, ou então o país continuará a conviver com mais e mais casos como Patrick.
Parceria com
Argentina ganha peso com ofensiva de Trump
Valor Econômico
Assumindo o pragmatismo, cabe ao Brasil opor-se à desunião no
Mercosul e, em conjunto com os parceiros, buscar com afinco novos acordos
comerciais
A Argentina, à medida que
conserta sua economia, com apoio do Fundo Monetário Internacional, voltou a
aumentar as importações do Brasil. No primeiro semestre deste ano os números
melhoraram - as vendas brasileiras para o país avançaram 55,4% em comparação
com o mesmo período do ano passado. A Argentina foi o terceiro maior destino
das exportações brasileiras, com 5,5% do total, depois da China (28,8%) e dos
Estados Unidos (12,1%). Os resultados são particularmente auspiciosos em um
momento em que o presidente Donald Trump faz uma ofensiva radical pelo
protecionismo.
As relações entre os dois países
vizinhos, no entanto, necessitam não de ideologia, mas de diplomacia e cuidados
mútuos em um momento muito delicado. Há uma diferença ideológica enorme entre
os dois chefes do Executivo. O presidente Lula torceu pela vitória dos
peronistas nas eleições de 2023 e sempre manteve uma parceria com os governos
de Nestor e Cristina Kirchner. Javier Milei é um radical liberal, que acredita
no avanço econômico impulsionado exclusivamente pelo setor empresarial e na
redução no maior grau possível da influência do Estado na economia.
Praticamente, não há diálogo entre os dois.
No entanto, não deixa de ser irônico que a
liberalização radical da economia argentina, sustentada por cortes profundos
nas contas públicas - tudo o que o Planalto e o PT abominam -, tenha aberto o
caminho para a recuperação das relações comerciais entre Brasil e Argentina. Os
Kirchner antes, e Alberto Fernández depois, embora politicamente aliados do
presidente Lula e de Dilma Rousseff, aplicaram todo tipo de barreiras a
mercadorias brasileiras, como as licenças não automáticas de importação,
motivando no governo brasileiro resignada compreensão.
Com a renovação do acordo com o
FMI, Milei liberou o câmbio sem que, inicialmente pelo menos, a inflação tenha
avançado, como se temia. O corte de gastos públicos, que garantiu o primeiro
superávit fiscal em mais de duas décadas, permitiu o fim das restrições
comerciais, o pagamento mais expedito dos compromissos com as compras externas
e o fim quase total das barreiras às importações. A Argentina voltou a crescer,
e a inflação declinou de 25% mensais, quando Milei foi eleito, para 1,5% agora.
A retomada do comércio entre os
dois países é especialmente importante depois que Trump estabeleceu tarifas de
importação, penalizando o Brasil com 50% para quase metade das exportações, e
instituindo taxa de 10% para a Argentina. Na pauta de exportação do Brasil para
os EUA predominavam os bens manufaturados, composição diferente da observada
com a China, maior parceiro comercial, em que a maioria vendida é de
commodities. Agora, com a barreira quase intransponível das tarifas para os
EUA, a Argentina ganha maior importância como parceira, pois os produtos
manufaturados representam a maior fatia do comércio bilateral.
As vendas para a Argentina
concentram-se em máquinas e outros itens da indústria de transformação, além de
veículos de passeio, partes e acessórios automotivos. No primeiro semestre, as
exportações de automóveis, tratores e outros veículos terrestres, suas partes e
acessórios lideraram, com crescimento de 121,8% na comparação com igual período
de 2024. A Argentina foi, por seu lado, beneficiada com o aumento das
importações do Brasil: foi o quarto país nas compras brasileiras, US$ 6,16
bilhões (4,5%), depois da China (26,3%), dos Estados Unidos (16%) e da Alemanha
(5,2%).
Embora o relacionamento entre Lula e Milei esteja em ponto morto, o comércio
tem evoluído positivamente pela via do pragmatismo, que tem levado ambos a
evitarem disputas ideológicas desnecessárias. Ainda assim, há desafios
importantes em curso. Milei tem indicado que seu governo quer negociar um
acordo bilateral com os Estados Unidos, de cujo governo é um aliado
incondicional. As regras do Mercosul proíbem tornar realidade esse desejo,
compartilhado até há pouco pelo governo de centro-direita uruguaio de Lacalle
Pou, que perdeu as eleições para a Frente Ampla, de esquerda, de Yamandú Orsi.
Os governos petistas sempre
defenderam o bloco, buscando ampliá-lo à esquerda, com pouco sucesso. Velha
aliada, a Venezuela rompeu com o presidente Lula e estabeleceu tarifas para
mercadorias brasileiras de 15% a 77%, depois de anos suspensa do Mercosul.
A punição de Trump ao Brasil e a mudança de fluxos comerciais que a guerra tarifária poderá provocar levaram agora alguns setores empresariais brasileiros a pregar a unilateralidade nas iniciativas por novos acordos também aspirada por Milei. Na prática, seria o desmantelamento do Mercosul, um retrocesso em si, agravado pela tendência crescente do mundo ao protecionismo. Assumindo o pragmatismo, cabe ao Brasil opor-se à desunião no Mercosul e, em conjunto com os parceiros, buscar com afinco novos acordos comerciais, que contribuam, ao mesmo tempo, para uma maior abertura da economia, que garanta ao país mais exportações e mais produtividade.
Aumentou o custo de defender os Bolsonaros
Folha de S. Paulo
- No Datafolha, 61% afirmam que não
votariam em candidato que defenda indulto ao ex-presidente
- Não deveria ser necessário ler resultado
de pesquisa para tomar distância de postulantes a tiranetes que tramam
contra o país
O Datafolha acaba
de estimar o elevado custo político com que um candidato de direita terá de
arcar caso prometa oferecer indulto presidencial ao ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL)
na campanha de 2026. Mais de seis em cada dez entrevistados afirmam que deixariam
de votar num postulante que fizesse tal promessa.
O fardo poderá recair sobre
os governadores de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos),
Minas, Romeu
Zema (Novo), e Goiás, Ronaldo
Caiado (União Brasil).
Os três, cogitados para o Planalto, defendem o uso desse poder que a Carta
faculta ao presidente da República para livrar Bolsonaro da cadeia, se ele for
em breve condenado, como é provável, por tentativa de golpe.
As hipóteses da anistia —lei
que teria de ser aprovada no Congresso
Nacional para isentar de punição os condenados por subversão— e do
perdão presidencial já enfrentavam dificuldades mesmo antes de Eduardo e Jair
Bolsonaro se associarem à chantagem do presidente dos EUA, Donald Trump,
contra as instituições brasileiras.
Havia a incompatibilidade no
tempo, pois não cabe eximir de culpa quem ainda não foi condenado de forma
inapelável, como é o caso de vários réus, incluindo o ex-presidente,
processados no Supremo Tribunal Federal (STF). Havia o precedente da própria
corte constitucional, que já invalidou indulto presidencial em situação
semelhante.
Havia também o desgaste
político de desmoralizar a legislação votada pelo Congresso, e sancionada por
Jair Bolsonaro, destinada a proteger o Estado democrático de Direito de seus
violadores.
A vilania de Eduardo e Jair
de aliarem-se a um agressor estrangeiro que causará danos multibilionários à
renda e aos empregos no Brasil fez diminuir ainda mais as chances de a pauta da
impunidade progredir. Os presidentes da Câmara e do Senado tomaram mais
distância da família tóxica.
O constrangimento penetrou a
centro-direita. Nenhum dos governadores que já defenderam o indulto a Bolsonaro
compareceu às lamentáveis manifestações de endosso ao achaque trumpista neste
domingo (3). Tarcísio e Zema, cujas reações
iniciais ao tarifaço haviam sido abomináveis, parece que aprenderam algo.
Registre-se, a propósito, a
boa condução do governador do Paraná, Ratinho Jr.
(PSD), nesse
tema. Também cotado para a disputa presidencial no ano que vem, não se
comprometeu com o perdão a Bolsonaro nem derrapou na reação ao tarifaço. O
Datafolha mostrou que é tão competitivo quanto Tarcísio contra Lula.
Se a crise com os EUA servir
para isolar de vez o cancro representado pelo radicalismo bolsonarista no
Brasil, terá produzido ao menos um desfecho positivo.
Não é necessário ler
resultados de pesquisa para avaliar a impostura que é se aproximar de alguém
que não tem prurido de tramar contra o próprio país. Entre uma família de
postulantes a tiranetes autocentrados e o Brasil, a escolha deveria ser fácil e
clara.
Ciência made in Brazil
Folha de S. Paulo
- Programa para atrair pesquisadores
formados aqui que atuam lá fora é válido, mas deve ser monitorado
- O Conhecimento Brasil receberá aportes
em torno de R$ 600 milhões, o que inclui passagens aéreas, compra de
materiais, auxílios e bolsas
Aumentar
a concessão de diplomas de ensino superior e de pós-graduação não é
suficiente. É preciso que os formados consigam produzir conhecimento e
contribuir para o desenvolvimento do país após saírem da universidade.
E o Brasil enfrenta deficiências nessa seara.
Em relação à titulação
imprescindível para a área acadêmica e científica, o número de diplomas de
doutorado emitidos saltou de 2.854 em 1995 para 20.679 em 2021, segundo
levantamento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, organização social
supervisionada pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, publicado no ano passado.
No entanto a taxa de emprego
formal entre doutores titulados desde 1996 caiu de 74,8% em 2009 para 67,7% em
2021. Assim, muitos pesquisadores saem do país em busca de melhores
oportunidades profissionais.
Para conter o fenômeno da
"fuga de cérebros", repatriando cientistas, o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançou o Conhecimento Brasil em
2024.
O programa, que tem duração
de até cinco anos, receberá aporte do Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico em torno de R$ 600 milhões —para passagens aéreas,
compra de materiais, auxílios e bolsas mensais (R$ 13 mil para doutor e R$ 10 mil
para mestre).
Foram escolhidos 567
projetos, dos quais 251
de pesquisadores que já moram no Brasil. Apesar de o edital prever a
seleção de profissionais que tenham concluído doutorado ou pós-doutorado no
exterior e estejam residindo no país, a proporção causa estranheza, dada a
função do programa anunciada em 2024.
Não está claro se a falta de
mais brasileiros expatriados na lista se deve a verbas e oportunidades melhores
em outras nações, mas essa já era uma condição conhecida desde o início.
Ademais, o edital
estabelecia que 40% dos recursos deveriam ser direcionados às regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, que acabaram recebendo 30%. O Sudeste, com mais polos
científicos, obteve a maior fatia (51%).
O objetivo do Conhecimento
Brasil é correto, mas, como toda política pública, deve ser monitorada para que
se avaliem resultados e se identifiquem distorções.
Também é necessário deixar ideologias e corporativismos de lado e rever o financiamento público das universidades, que há tempos se mostra insustentável, a partir de pagamentos de alunos mais abastados e parcerias público-privadas. Ainda melhor do que atrair cérebros, é fazer com que eles não queiram partir.
O presentão de Moraes a
Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Ao mandar prender
ex-presidente em casa por suposta violação de ordens mal redigidas e abusivas,
o ministro dá de bandeja a Bolsonaro o que ele mais busca: oportunidades de
posar de mártir
O ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decretou a prisão domiciliar de Jair
Bolsonaro em caráter preventivo. Além disso, Moraes determinou a apreensão de
todos os celulares em poder do ex-presidente por considerar que ele teria violado
as medidas cautelares impostas pela Primeira Turma ao participar remotamente
das manifestações pela anistia aos golpistas ocorridas ontem. Bolsonaro foi
ouvido por seus apoiadores em Copacabana, zona sul do Rio, por intermédio de
seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que publicou o
conteúdo das mensagens em suas redes sociais e depois apagou, decerto ciente do
risco que isso envolvia.
A ordem de Moraes é
decorrência direta de uma grosseira confusão, é forçoso dizer, criada pelo
próprio ministro. Prender Bolsonaro em casa é um desafio à compreensão lógica
dos fatos e, a rigor, uma afronta ao propósito das medidas cautelares ordenadas
por ele mesmo. Em primeiro lugar, Bolsonaro não deveria ter sido privado de
usar as redes sociais, o que significa, na prática, censurá-lo previamente.
Como já dissemos nesta página, o ex-presidente fez por onde merecer o uso de
tornozeleira eletrônica e a restrição de circulação. Contudo, a proibição de
uso das redes sociais foi um claro exagero de Moraes, ao fim referendado pela
maioria de seus pares na Primeira Turma.
Para piorar, os termos dessa
proibição eram tão vagos e confusos – Moraes vedou a “instrumentalização de
entrevistas ou discursos públicos como ‘material pré-fabricado’ para posterior
postagem nas redes sociais de terceiros previamente coordenados” – que é lícito
inferir que a intenção do ministro ao redigi-los de forma intrincada,
considerando que não se trata de alguém que não domine o vernáculo, era manter
Bolsonaro sob um controle abusivo de sua palavra. Dessa madeira torta não
haveria de brotar galho reto.
Em sua decisão, Moraes
afirmou que, “agindo ilicitamente, o réu Jair Messias Bolsonaro se dirigiu aos
manifestantes reunidos em Copacabana, no Rio de Janeiro, produzindo dolosa e
conscientemente material pré-fabricado para seus partidários continuarem a tentar
coagir o STF e obstruir a Justiça, tanto que o telefonema com seu filho Flávio
Nantes Bolsonaro foi publicado na plataforma Instagram”.
Por mais descabida que seja,
a vedação de uso das redes sociais imposta a Bolsonaro foi uma decisão
juridicamente válida que, por óbvio, tinha de ser cumprida pelo réu. Se não
foi, Moraes deveria ter mandado Bolsonaro para a cadeia, não ordenado seu confinamento
domiciliar – até porque foi de casa que o ex-presidente violou a ordem inicial.
Isso não faz sentido algum, o que autoriza a suspeita de que o regime de prisão
escolhido pelo ministro neste momento faça parte de um cálculo político.
Ao fim e ao cabo, Moraes deu
um presente a Bolsonaro. Com a bagunça que ele mesmo fez, o ministro ajudou o
ex-presidente a espalhar o discurso de que seria um “perseguido” pela Justiça.
Isso em nada contribui, muito ao contrário, para o esforço monumental que o
Supremo tem de fazer para reverter a percepção de uma parcela expressiva da
sociedade brasileira de que o julgamento do ex-presidente não é técnico nem
muito menos imparcial.
Ora, é evidente que
Bolsonaro tem reiteradamente desafiado as instituições democráticas. Inclusive,
é réu no STF justamente por isso, razão pela qual à Corte cabe agir com
redobrada prudência. Tumultos ocasionados por seus próprios ministros, ainda
mais atingindo uma figura sabidamente nociva à ordem democrática como o
ex-presidente, contribuem para corroer a autoridade do Supremo. Um ato
arbitrário não deixa de ser arbítrio quando praticado contra quem traz o
autoritarismo na alma.
Toda essa confusão gerada
por Moraes, sobretudo ao aplicar uma sanção por suposta violação de regras mal
redigidas por ele mesmo, entregou ao ex-presidente justamente o que ele mais
busca: oportunidades de posar como mártir. Agindo assim, Moraes conspurca a
autoridade do STF. Oxalá não tenha comprometido a responsabilização legítima de
Bolsonaro por ter se envolvido até a medula numa tentativa de golpe de Estado.
Mais ambição para a primeira
infância
O Estado de S. Paulo
Prometida por Lula há mais
de um ano, política para a primeira infância está atrasada, mas ainda há tempo
de construí-la como se deve: ambiciosa e com metas realistas e indicadores
claros
Está previsto para o início
deste mês o lançamento, enfim, da Política Nacional Integrada para a Primeira
Infância, prometida por um decreto presidencial assinado há mais de um ano.
Publicado em junho de 2024, o decreto dava 120 dias para que um comitê intersetorial,
formado por representantes de ministérios e da sociedade civil, propusesse um
plano efetivo destinado à promoção e à proteção dos direitos de crianças de até
6 anos. Celebrando a iniciativa à época, este jornal sublinhava a necessidade
de, finalmente, a criança ser, de fato, a prioridade absoluta do País. Mas o
longo tempo passado entre a criação do comitê e a instituição definitiva de tal
política desabona grande otimismo. Embora estejamos prestes a ver um novo
decreto, a longa demora recomenda desconfiança sobre o sentido de urgência e de
prioridade dado ao tema pelo governo do presidente Lula da Silva.
Se há tempo de chamar a
atenção do Palácio do Planalto, é importante dizer que o plano precisa ter a
robustez compatível com seu papel histórico. É na primeira infância, afinal,
que são dados os passos cruciais para o desenvolvimento infantil. Nessa etapa
ocorrem os estímulos adequados que afetam, no longo prazo, indicadores de
educação, saúde, trabalho, violência e desigualdade. E, embora sejam centrais
na vida nacional, as crianças têm sido negligenciadas pelo País, apesar do que
dizem a Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Legal da
Primeira Infância. O paradoxo explica o imperativo da política prometida: deve
ser ambiciosa no propósito, criativa na estratégia, realista e integrada na
governança entre União, Estados e municípios, consistente na concretude de suas
metas e indicadores e, tão importante quanto tudo isso, detalhista nos métodos
e nas ações propostas.
O Brasil tem hoje mais de 18
milhões de crianças na primeira infância, 55% das quais vivendo em famílias de
baixa renda, e 60% que nunca frequentaram creche ou pré-escola, de acordo com
dados apresentados ao governo pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e pelo
Todos Pela Educação. Há, por baixo, 670 mil crianças de 0 a 6 anos em situação
de pobreza ou extrema pobreza. Segundo o IBGE, em 2023, 45% das crianças
brasileiras de 0 a 5 anos estavam em domicílios com renda mensal per
capita de meio salário mínimo, enquanto entre a população geral o
porcentual é de 27%. Ou seja, a pobreza atinge mais as crianças do que os
adultos. Indicadores perversos as colocam ainda entre os mais vulneráveis a
saneamento precário, insegurança alimentar e educação deficitária.
Há boas ideias em discussão,
mas a execução segue como o principal desafio. Entre as propostas mais
promissoras está a criação de um sistema integrado de dados sobre a primeira
infância, que permita o monitoramento por gestores locais e o diálogo direto com
as famílias. O risco, no entanto, é repetir os equívocos da Caderneta da
Criança: uma solução com baixa adesão e pouco alcance do público-alvo.
Atualmente, os dados do desempenho escolar de uma criança, por exemplo, não são
integrados com os da carteira de vacinação. As crianças brasileiras têm um
número no sistema de saúde e outro no Cadastro Único, que identifica as
famílias brasileiras de baixa renda e permite o acesso de famílias aos
programas e benefícios sociais. A política pode apontar também informações e
ações para a abertura de vagas em creches, ampliação da vacinação e uma espécie
de frente nacional de atendimento a famílias carentes onde há crianças nessa
faixa de idade.
Para quem conhece a
cosmologia lulopetista, contudo, o risco é Lula e seus exegetas aderirem ao
desejo de alguns setores do governo e optarem por um texto mais genérico, menos
ambicioso e menos detalhista. Se o governo optar por essa linha, isso vai significar
um menor comprometimento de todos os envolvidos e tão somente assegurar os
elementos mínimos para satisfazer as fantasias lulopetistas, onde
invariavelmente há muito discurso e pouca prática. Impressiona que, diante de
tantas derrotas políticas, Lula desperdice energia em disputas secundárias, em
vez de concentrar esforços numa agenda central para a redução das
desigualdades.
Mudanças bem-vindas
O Estado de S. Paulo
Após caso Master, Banco
Central endurece as regras do Fundo Garantidor de Crédito (FGC)
O Banco Central (BC) acaba
de anunciar mudanças, aprovadas em reunião extraordinária do Conselho Monetário
Nacional (CMN), que endurecem as regras para o Fundo Garantidor de Crédito
(FGC), uma espécie de seguro para investidores.
As alterações ocorrem após o
caso Banco Master, cuja compra pelo BRB ainda precisa de aprovação do BC, gerar
apreensão generalizada no mercado, especialmente entre os pequenos
investidores.
De acordo com as novas
regras, a chamada contribuição adicional (CA), paga pelas instituições que
contam com a garantia do FGC, dobra de 0,01% para 0,02%. Além disso, haverá
redução de 75% para 60% da razão entre o valor de referência (VR), que é o
saldo de depósitos elegível ao FGC, e as captações (depósitos) de referência
para apuração dessa contribuição adicional.
Instituições associadas ao
FGC que estiverem excessivamente alavancadas (com valor de referência superior
a dez vezes o patrimônio líquido ajustado) terão de investir os recursos
excedentes em ativos “seguros”, tais como títulos públicos federais.
Nos últimos anos, bancos de
menor porte, como o Master, usaram o FGC como chamariz para vender Certificados
de Depósito Bancário (CDBs) com rendimentos bastante superiores àqueles
oferecidos pelos grandes bancos. Ocorre que, quanto maior a possibilidade de
ganho, maior o risco, tanto para o investidor quanto para o próprio mercado – e
o caso Master é exemplar disso. Rapidamente, a instituição de menor porte
passou a responder por um porcentual muito elevado dos investimentos garantidos
pelo FGC, usurpando o papel do fundo.
Ao mesmo tempo, o Master
aplicava os recursos a ele confiados pelo investidor em ativos arriscados, como
precatórios, títulos judiciais com alto risco de postergação de pagamento. No
mercado financeiro, não era segredo para ninguém que o modelo de expansão do
Master era insustentável. Tão insustentável que a Faria Lima especulou que o
banco comandado pelo controverso banqueiro Daniel Vorcaro seria adquirido por
uma grande instituição financeira por um valor simbólico.
Não foi o que aconteceu. Por
ora, o futuro do Master pode estar nas mãos do BRB, o banco regional de
Brasília cuja missão institucional não passa pelo salvamento de instituições
financeiras encalacradas – e, no caso do Master, é importante não perder de vista
que o banco se encalacrou por conta própria.
Independentemente de qual
será o desfecho do caso Master, as mudanças aprovadas pelo CMN vão na direção
certa de dar mais racionalidade ao FGC. Ainda assim, as medidas só passarão a
valer a partir de 1.º de junho de 2026, para que as instituições tenham tempo
de adaptar-se às novas regras.
Até lá, espera-se que o BC e
o próprio mercado mantenham-se vigilantes e sigam aprimorando tanto as
diretrizes formais quanto a autorregulação.
Embora o número de investidores pessoas físicas no Brasil venha crescendo fortemente nos últimos anos, o brasileiro ainda investe bem menos que cidadãos de outros países, inclusive mais pobres. Assim, evitar casos como o do Banco Master é um imperativo.
PL do Licenciamento
ambiental: cautela é conduta de sobrevivência
Correio Braziliense
Ainda que Lula vete trechos
do Projeto de Lei 2.159/ 2021, o país está longe de um direcionamento
equilibrado e tecnicamente embasado para a questão ambiental
Debruçado sobre a crise com
os Estados Unidos, o governo Lula tem que resolver, nesta semana, outra questão
que também tem grande impacto sobre a vida dos brasileiros e suas pretensões
políticas: vence na sexta-feira o prazo para que ele se posicione em relação ao
Projeto de Lei 2.159/ 2021, conhecido como PL da Devastação, aprovado na Câmara
e à espera de sanção presidencial. A notícia é de que estão sendo costuradas
estratégias para vetar trechos do projeto que representam ameaça à questão
ambiental, sem que o corte desencadeie novo ponto de tensão com o Congresso.
Trata-se de empreitada que demanda tanto manejo político e diplomático quanto o
que tem sido adotado na seara internacional.
A bem-vinda ideia de
criação de uma norma geral sobre o licenciamento ambiental não saiu como o
esperado. O PL que chegou ao chefe do Executivo é recheado de temas polêmicos,
dignos do apelido recebido. Há também à mesa relatórios enviados por entidades
ambientais depois da criticada aprovação do PL— em sessão com votação virtual
de madrugada, na véspera do recesso parlamentar —, com o objetivo de
sensibilizar o governo quanto a possíveis desdobramentos da medida.
Um deles, do Observatório do
Clima, indica retrocessos graves em 42 dos 66 artigos do projeto de lei. Na
avaliação da entidade, uma das principais redes da sociedade civil na agenda
ambiental, a legislação ameaça o meio ambiente, a saúde pública, a governança
climática e o patrimônio cultural e arqueológico do Brasil. Em nota técnica
também enviada ao Planalto, o Ministério Público Federal solicitou o veto de
mais de 30 dispositivos do PL, sob o argumento de que, além de comprometer a
proteção ambiental, ele viola a Constituição e infringe tratados internacionais
ratificados pelo Brasil.
O Ministério do Meio
Ambiente e o Palácio do Planalto avançam na discussão de alternativas a trechos
polêmicos. É provável, por exemplo, o veto à permissão de criação de regras
locais de licenciamento. A legislação prevê que estados e municípios possam dispensar
licenças ambientais para obras e atividades econômicas, o que poderia levar a
disputas de facilidades para atrair investimentos, além do enfraquecimento do
Sistema Nacional de Meio Ambiente. A ministra Marina Silva tem sido enfática na
defesa de uma regra nacional de licenciamento e, nesse quesito, parece viável o
impedimento de possíveis leilões ambientais entre entes federativos.
Chegar a um consenso para a
chamada Licença Ambiental Especial (LAE), porém, é bem mais difícil. Proposta
pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, a LAE prevê que atividades ou
empreendimentos considerados estratégicos por um Conselho de Governo tenham um
procedimento de licenciamento diferenciado — com uma etapa, em vez de três—,
"ainda que utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente
causadores de significativa degradação do meio ambiente". Entidades
ambientais alertam para o risco de uso político do modelo. Alcolumbre, por sua
vez, fala em eficiência em prol do desenvolvimento sustentável do país.
Fato é que, ainda que Lula
vete trechos do Projeto de Lei 2.159/ 2021, o país está longe de um
direcionamento equilibrado e tecnicamente embasado para a questão ambiental. O
prometido amadurecimento não está por vir. Ao contrário, fala-se em um forte
movimento de judicialização, danos irreversíveis à flora e à fauna e, no
mínimo, um desconforto internacional às vésperas da COP30, em Belém. Nesse
cenário, a cautela pregada pelo presidente na negociação do tarifaço de Trump é
também conduta de sobrevivência no encaminhamento da legislação ambiental que
está por vir
O Congresso Nacional e a
soberania
O Povo (CE)
O Congresso Nacional volta
hoje a funcionar normalmente, após recesso de duas semanas, e será importante a
sociedade brasileira acompanhar o comportamento dos parlamentares, deputados e
senadores, diante do momento histórico marcante que vivenciamos. A soberania
nacional está em debate diante da atitude hostil de um governo estrangeiro que
lança mão do instrumento da política tarifária e outras medidas sancionadas
como forma de pressionar o Judiciário a rever sua atitude em relação a um
agente político importante de quem é aliado, ex-presidente da República,
acusado de participar de uma tentativa de golpe de Estado.
Trata-se de uma intromissão
inaceitável e que, no normal, deveria unir o País em torno da defesa de sua
soberania. Não é o que tem acontecido e forças expressivas do Congresso,
aliadas de Bolsonaro, até estimulam o governo de Donald Trump na sua disposição
de punir o Brasil sob o falso pretexto de que a nossa democracia está em xeque.
É exatamente o contrário do que acontece na realidade.
O fato de termos
instituições no funcionamento pleno tem permitido uma resposta exemplar a um
movimento que, provas robustas o mostram, tinha como objetivo ignorar a vontade
popular manifesta através das urnas nas eleições de 2022, pelo voto, e instalar
um governo pela força. Ademais, caso houvesse de fato os problemas alegados
pelo governo de outro país a decisão de enfrentá-los deveria ser nossa, da
sociedade brasileira, nunca de autoridades forasteiras.
Os presidentes do Senado,
Davi Alcolumbre (União-AP) e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), estão
obrigados a conduzir o processo a partir da responsabilidade que lhes cabe com
o máximo de cuidado e observando primeiro, sempre, os interesses do País,
líderes que são de um poder fundamental ao nosso equilíbrio político.
Inclusive, tomando as providências internas necessárias para cobrar compromisso
com o mandato popular de parlamentares que assumem estar trabalhando para que o
governo de Donald Trump puna o Brasil como forma de pressionar o Estado
brasileiro.
É importante que o Congresso
apresente capacidade própria de conter os excessos cometidos por seus
integrantes, valendo-se de uma liberdade que somente um ambiente democrático
pode proporcionar. Não fosse isso, afinal, estariam calados, ou presos, aqueles
que alardeiam quase diariamente um fantasioso quadro de ditadura de toga,
referindo-se à firme atuação do STF e em especial do ministro Alexandre de
Moraes. Não se deve impedir que haja críticas à situação, mas elas precisam
estar no limite de uma relação entre os poderes que seja tão independente
quanto harmônica. Respeitosa, portanto.
Alcolumbre e Motta têm diante deles a responsabilidade de conduzir o parlamento nacional em meio a uma quadra histórica desafiadora, fortalecendo a posição do País na defesa de sua soberania. É esperado que se demonstrem à altura da tarefa.
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