terça-feira, 16 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Bolsonaro, ministro da Saúde – Opinião / O Estado de S. Paulo

Malgrado tenha cometido inúmeros erros, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar

A incompetência do intendente Eduardo Pazuello para exercer o cargo de ministro da Saúde, algo especialmente grave em meio à pandemia de covid-19, já está sobejamente comprovada. Portanto, sua substituição, cogitada no fim de semana, tornou-se há muito tempo um imperativo. Em defesa de Pazuello, contudo, deve-se enfatizar que, assim como jabuti não sobe em árvore, sua presença no Ministério da Saúde, a despeito de seu evidente despreparo, só se materializou porque o presidente Jair Bolsonaro o colocou lá.

Mais: malgrado tenha cometido inúmeros erros de sua própria lavra, Pazuello foi sabotado por Bolsonaro nas escassas ocasiões em que tentou acertar – como quando se dispôs a assinar um protocolo de intenções com o governo paulista para aquisição de vacinas produzidas pelo Instituto Butantan e foi desautorizado publicamente, de forma humilhante, pelo presidente. Qualquer um com amor próprio teria pedido as contas no ato; mas não Pazuello, que se limitou a admitir que estava no cargo apenas para cumprir ordens.

O intendente é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro, colocado ali depois que os dois anteriores se recusaram a fazer o triste papel que lhes atribuía o presidente. Bolsonaro é, na prática, o ministro da Saúde.

Merval Pereira - Catch-22

- O Globo

A escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. Dá nome a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. No livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto às mesmas missões perigosas.

É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população, fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à vacinação?

Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.

Carlos Andreazza - O movimento pendular

- O Globo

Bolsonaro não muda. Não foi mudado pelo fator Lula; não em seu comportamento frente à peste. (Será matéria para outro artigo; mas, à sombra do ex-presidente, responderá sobretudo na economia, com uma derrama populista de dinheiros, com Guedes, com tudo, para financiar a reeleição e pagar o preço do Centrão, que subiu.)

Frente à pandemia, rara escada para a agitação reacionária, Bolsonaro será ainda mais radicalmente Bolsonaro; um mentiroso, investidor no sectarismo, que prospera no choque, mas que sabe se moldar — poucos alcançam distorcer a própria palavra como ele — ante a imposição do mundo real.

Irá assim até o final, aquele que disse nunca ter se referido à peste como “gripezinha”. Não nos iludamos com um baile de máscaras à tarde. A noite vem. E, ao ato que pareceu indicar moderação, logo corresponderá a forja de novos inimigos. E, do gesto que pareceu considerar uma médica séria para o Ministério da Saúde, logo emergirá a intenção de pazuellizá-la.

Bolsonaro é Bolsonaro. Não importa, pois, o futuro de Pazuello no governo, se fica ou cai; ministro da Saúde que nunca foi, cavalo — no sentido espiritual — para que Bolsonaro o fosse. Bolsonaro é. Outros pazuellos virão. Hajjar não topou. Haverá quem tope. E Bolsonaro continuará sendo.

O padrão está dado. Aqui e ali, quando já sem alternativa, cederá ao mundo real. Ou não terá sido ele a se sentar com a Pfizer depois de desqualificar por meses o laboratório? Ou não terá sido ele a comprar uma vacina, a CoronaVac, que tratara como inimiga e jurara jamais adquirir?

Eliane Cantanhêde – Muda? Muda o quê?

- O Estado de S. Paulo

Médico sério defende o que Bolsonaro condena e condena o que ele defende. E Queiroga?

A médica cardiologista Ludhmila Hajjar é o oposto do general da ativa Eduardo Pazuello e deixou a demissão dele do Ministério da Saúde ainda mais humilhante. Ela conhece profundamente a situação da pandemia e tem noção clara não só do que fazer, mas sobretudo do que não fazer. E ele? O homem errado, na hora errada, passando vexame. Mas a grande diferença entre os dois nem é essa. É que ela tem brios.

Ao ser chamada a Brasília pelo presidente Jair Bolsonaro, Hajjar já tinha estratégia, equipe e estava pronta para a guerra – diferentemente do general. “Mas foi só um sonho”, desabafou a doutora, depois do encontro com Bolsonaro. O mais surpreendente é que ela sabia exatamente o que o presidente pensa da pandemia, mas ele nem sabia com quem estava falando. Só aí soube que os dois são como azeite e água.

Luiz Carlos Azedo - A crise continua

- Correio Braziliense

A troca de ministro não está ocorrendo para mudar a política sanitária ou porque Bolsonaro estava insatisfeito com Pazuello, mas para evitar a instalação de uma CPI na Saúde

O presidente Jair Bolsonaro indicou o médico paraibano Marcelo Queiroga, presidente da Associação Brasileira de Cardiologia, para o cargo de ministro da Saúde, no lugar do general de divisão da ativa Eduardo Pazuello, que deve voltar à caserna. Foi o desfecho de três dias de muita confusão e intensa fritura do militar, que atuou de forma desastrada à frente da pasta, seguindo cegamente a orientação do presidente da República durante a pandemia da covid-19. Queiroga assumirá o cargo sob forte desconfiança, depois da recusa da médica goiana Ludhmila Hajjar, que fora convidada por Bolsonaro, mas recusou o convite por discordar da orientação do chefe do Executivo.

O convite à cardiologista e intensivista do Hospital das Clínicas foi um tiro no pé. Hajjar pretendia promover um choque de gestão à frente do Ministério da Saúde, defendendo a criação de leitos e preparação das equipes de atendimento à covid-19; o apoio ao lo- ckdown decretado por governadores e prefeitos; a formação de um comitê de crise 24 horas para apoiar as demais autoridades do Sistema Único de Saúde (SUS); e mobilização das sociedades médicas, a rede de saúde privada e as empresas para combater a pandemia. A médica também é contrária ao uso de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia comprovada no “tratamento precoce”, defendendo um protocolo unificado de atendimento aos pacientes de covid-19 que adote as melhores práticas comprovadas.

Ricardo Noblat - Queiroga, o novo testa de ferro de Bolsonaro na Saúde

- Blog do Noblat / Veja

Os filhos zero ajudaram o pai a ganhar mais uma vez

Despenca o grau de segurança dos ministros e demais auxiliares de Jair Bolsonaro quanto à permanência de cada um deles no governo. E por uma simples razão: se você faz algo no cargo que desagrada a Bolsonaro, pode ser demitido a qualquer momento. Se você obedece a todas as ordens dele, arrisca-se a ser demitido.

Tem mais: se você cair na mira de fogo de alguns dos filhos zero do presidente, seu emprego não vale nada. Foi assim que Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral da presidência, acabou dispensado. Carlos Bolsonaro, o Zero Três, sentia ciúmes de sua aproximação excessiva com o pai. Daí…

Outro ministro, esse tido como poderoso porque amigo há mais de 40 anos de Bolsonaro, também desagradou a Carlos e dançou. O filho convenceu o pai de que o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, conspirava para derrubá-lo. Valeu-se para isso de uma notícia falsa.

A insegurança dos que servem a Bolsonaro aumentou depois que ele demitiu o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, cujo erro foi ter cumprido todas as vontades do presidente sem nem pestanejar. A ponto de humilhar-se certa vez ao dizer com um sorriso amarelo: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Não bastou para Pazuello ter juízo. Ele foi obrigado a ceder o lugar a um cardiologista que nunca ocupou um cargo público e que deve sua indicação a Flávio Bolsonaro (Republicanos), conhecido como Zero Um e às voltas com a justiça desde que foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Cristina Serra - Boiada, 'correntão' e motosserra

- Folha de S. Paulo

A investida contra o ambiente mudou de patamar

Em abril de 2020, Salles, o ministro do zero ambiente, exortou a passagem da boiada para derrubar regras e normas ambientais que dependiam apenas do Executivo, já que era bem mais difícil mudar leis no Congresso. Quase um ano depois, a conjuntura nunca esteve tão favorável para, agora sim, sob o comando do centrão na Câmara, passar não apenas a boiada, mas também o "correntão" e a motosserra.

O que vem por aí é um ataque sem precedentes às leis que há décadas tentam consolidar a proteção ambiental no Brasil. Projetos à espera de análise na Comissão de Meio Ambiente pretendem enfraquecer a lei da mata atlântica, a que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o Código Florestal e até a lei de Proteção à Fauna, de 1967.

Hélio Schwartsman - Efeito Lula derruba Pazuello

- Folha de S. Paulo

É improvável que Bolsonaro deixe Queiroga fazer o que tem de ser feito

Quanto medo Bolsonaro tem de Lula? Bastante, já que o capitão resolveu demitir o general e se esforçou para convidar gente com qualificação técnica para exercer o cargo. A primeira cotada, Ludhmila Hajjar, recusou; o segundo, Marcelo Queiroga, aceitou.

As coisas, porém, são mais complicadas do que parecem. Ninguém com diploma de medicina e familiaridade mínima com o método científico pode aceitar o posto se não arrancar de Bolsonaro a promessa de que poderá mudar a política sanitária até aqui adotada, o que inclui licença para impor medidas de distanciamento social, para aposentar os delírios cloroquínicos e para investir pesadamente na vacinação. E, para o presidente fazer uma concessão dessas, ele precisa estar aterrorizado com Lula e sob muita pressão do centrão.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Mudar de ministro não adianta; o problema é o presidente

- Folha de S. Paulo

Mudar o rumo do governo seria admitir que Bolsonaro foi diretamente responsável por dezenas de milhares de mortes

Os protestos pró-Bolsonaro que tomaram o Brasil neste domingo foram marcados por muito fanatismo, muitos pedidos de golpe militar e muita teoria da conspiração.

O sentimento de revolta que movia os participantes, contudo, é em parte compreensível. Voltar a fechar grande parte da economia —o que significa falir negócios, destruir empregos, desamparar famílias, aumentar o estresse doméstico— é desesperador. Só uma situação muito crítica justifica esse tipo de medida drástica.

Se ainda não está claro para alguém, a situação está crítica. O estado de São Paulo, por exemplo, triplicou os leitos de UTI disponíveis, e mesmo assim os internados logo excederão a capacidade do sistema.

Outros estados vivem situação similar. Dos pacientes de Covid-19 que são internados em UTI, mais da metade sucumbe. O único jeito de impedir essa tragédia de aumentar ainda mais é reduzir as aglomerações e, paralelamente, acelerar o tanto quanto possível nossa única porta de saída: a vacinação em massa.

Murillo Camarotto - Crítica e autocrítica, uma escolha difícil

- Valor Econômico

Lava-Jato poderia aproveitar a chance para fazer mea culpa

No seu abrupto retorno à primeira divisão da política nacional, Lula fez o que dele se esperava: defendeu a vacina, atacou Bolsonaro e flertou com o Centrão. Se a mensagem ficasse por aí, jogo jogado, mas o ex-presidente também mandou um forte abraço para Nicolás Maduro e jurou que, nos anos petistas, a Petrobras foi um exemplo de gestão. “E a autocrítica?”, perguntarão, imediatamente, muitos dos que sonham em ver Lula ajoelhar no milho e confessar o inconfessável à nação.

Sob a ótica da psicologia (simplificada, no caso em tela), a crítica é um ato público, enquanto que a autocrítica tem caráter mais particular e solitário. Ao atacarmos, olhamos para fora, normalmente com apoio da plateia - ou da claque, se preferirem. Já o mea culpa, uma vez externado, atinge de certa forma os nossos pares, os mais próximos, que provavelmente vão insistir em dizer que “não foi tão grave assim”, que “é assim mesmo”, que “tá tudo bem”.

Para visualizar melhor o raciocínio, é só deslocar a perspectiva para a Lava-Jato - cuja missa de sétimo ano será celebrada neste mês de março. Desde que as mensagens trocadas entre os procuradores vieram a público, aguarda-se a autocrítica da República de Curitiba. Mesmo nas forças-tarefa do Rio de Janeiro e de São Paulo (já devidamente carbonizadas), não se encontra um mísero procurador disposto à autopenitência.

Míriam Leitão - Em reunião difícil, BC deve subir juros

- O Globo

O Banco Central começa hoje a reunião mais difícil feita no atual governo. A inflação de fevereiro foi mais alta do que o previsto e pode chegar perto de 8% em junho, em 12 meses. A expectativa é que caia depois, mas ontem a sondagem do BC mostrou que, de uma semana para outra, as projeções para o ano saíram de 3,98% para 4,6%. Os juros estão em 2%. A maioria dos economistas de bancos e consultorias acha que o Copom subirá a Selic em meio ponto percentual. O problema é que a economia ainda está em ambiente recessivo e o desemprego aumentou. Desapareceram em um ano 8,4 milhões de postos de trabalho. Se os juros não subirem, confirma-se a expectativa de alta da inflação. Se eles subirem, pode-se esfriar ainda mais a economia.

A inflação atual é bem complicada. Sobem alimentos, produtos industriais e há falta de algumas peças e insumos na indústria. Tudo ao mesmo tempo e no meio de uma recessão. Os alimentos e bebidas subiram 15% nos últimos 12 meses. Alguns itens deram saltos enormes, como as carnes, com alta de 29%, e frutas, 27%. Os combustíveis subiram 9,37% nos dois primeiros meses deste ano. A produção industrial está sendo atingida por gargalos e choques de preços. Aço subiu 30%. O gás natural, 40%. O setor de plásticos só tem conseguido entregar 50% dos pedidos. Algumas indústrias estão parando por falta de peças. Há dificuldades na compra de resinas e na produção de papelão. Isso afeta as embalagens, o que faz com que vários setores tenham dificuldades de produção.

Edmar Bacha* - Abertura já!

- Valor Econômico

O país tem uma conta de capital aberta, mas uma conta de comércio fechada. É uma receita pronta para o crescimento empobrecedor

É significativa a alta dos preços das mercadorias desde o início da pandemia. A causa principal é a forte desvalorização do real. Os preços dos serviços, que embutem basicamente o custo da mão de obra, nem de perto sobem na mesma proporção. A razão é o enorme desemprego provocado pela pandemia.

Não obstante o alto desemprego, são frequentes as demandas para que o Banco Central comece a “normalizar”, ou seja, a aumentar a taxa de juros para combater a alta de preços. Será que devia mesmo?

O que se observa é um aumento dos preços das mercadorias em relação aos dos serviços. Essa mudança de preços relativos pode gerar um surto de inflação ou não, ainda não sabemos. A indexação impulsiona, mas o desemprego segura. Por isso, não é claro que essa mudança deva ser combatida com um aumento preventivo da taxa de juros, que não diferencia mercadorias de serviços. Juros mais altos reduzem igualmente a demanda por mercadorias e por serviços, agravando o desemprego.

Há outros instrumentos à mão. O mais interessante seria uma redução de impostos sobre as mercadorias importadas e de outras barreiras (antidumping e sanitárias, por exemplo) que impedem que as importações possam fazer baixar os preços no mercado interno. Deixem entrar o aço da Argentina, as bananas do Equador, a carne do Paraguai, o café robusta da África.

Essa redução das barreiras à importação uniria o útil ao agradável. Pois contribuiria para o tão necessário aumento da produtividade, além de reduzir as pressões inflacionárias.

Entrevista | Monica de Bolle: Pandemia é chance para país desenvolver tecnologia de saúde

Para economista, Brasil tem potencial para ser referência em mundo no qual convivência com vírus será permanente

Eduardo Cucolo / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Brasil tem potencial para desenvolver uma indústria de ponta na área de saúde e utilizar a pandemia para se tornar um player global nessa área, de forma a se destacar em um “novo mundo pandêmico”, no qual a convivência com o novo coronavírus seria permanente.

Essa é a visão da economista Monica de Bolle, professora da Johns Hopkins University (EUA). Com especialização em Escola de Medicina de Harvard, de Bolle afirma, em entrevista à Folha, que não voltaremos à normalidade pré-pandemia e que a convivência com o vírus irá alterar a forma de funcionamento da economia global.

Mundo pandêmico
A realidade que a gente tem pela frente não é uma realidade em que vai poder declarar um fim da pandemia. A fase aguda da pandemia vai passar, a gente não vai ficar no estágio em que está agora, mas esse estado de alerta permanente vai continuar conosco. Isso tem implicações em como os países, as pessoas e a economia vão se adaptar. Mercado de trabalho, ambiente de trabalho, aglomerações de todos os tipos, como eventos esportivos, viagens, todas essas coisas estão alteradas, e a gente não vai voltar ao que tinha antes.

No segundo semestre de 2021, a gente vai relaxar medidas restritivas, medidas sanitárias, em várias partes do mundo. Mas, supondo que todas essas vacinas deem conta dessas variantes, as que existem e as que vão surgir, a gente só consegue ter um contingente no mundo vacinado em quantidade suficiente para conseguir respirar com algum alívio, com certo otimismo, lá para o final de 2022.

Eu passei os últimos dois anos fazendo uma série de especializações em medicina em Harvard e calhou da pandemia acontecer. Para mim, pela natureza desse vírus, ele vai permanecer entre nós. A gente vai ter de se adaptar a conviver com isso, passar por surtos, por várias vacinas que vão ter de ser atualizadas recorrentemente e continuar com algum grau de cautela nas nossas vidas. Você vai ter sempre um repositório de Sars-Covid-2 em algum lugar do mundo sofrendo mutações.

Pedro Fernando Nery* - O que o PIB não vai contar sobre a realidade do País

- O Estado de S. Paulo

Crescimento em 2021 não vai refletir situação material de boa parte da população nos próximos meses

Brasil deve crescer em 2021. Possivelmente a alta do PIB será a maior em mais de dez anos. Entretanto, de forma incomum, o crescimento do PIB nos próximos meses deve coincidir com elevações do desemprego e da pobreza – a recordes. O PIB não vai contar boa parte da história.

Vale entender melhor como o PIB tem se comportado. A atividade econômica no Brasil, em 2020, sofreu uma queda menor que a de outros países – em boa parte pelos efeitos do auxílio emergencial. O País chegou a subir posições na lista de maiores economias do mundo, para o 8.º lugar – segundo os dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)

A imprensa deu grande ênfase a outro resultado, o de que o Brasil teria na verdade perdido posições nesse ranking, e inclusive saído do top 10. Isso só ocorre em uma comparação menos apropriada, que refletisse menos a variação do PIB e mais a forte queda do real, que diminuiria o valor do nosso PIB em outras moedas.

A comparação mais comum, porém, levando em conta o poder de compra das moedas, teria o Brasil ganhando posições – como nas estimativas do FMI em que supera França e Reino Unido. Afinal, em um dia em que o dólar sobe muito os brasileiros não ficam necessariamente mais pobres.

Se o Brasil ganhou posições na comparação internacional do PIB em 2020, e em 2021 deve crescer bem mais do que na média da última década, qual é então o problema? 

Felipe Salto* - Remendo novo em tecido velho

- O Estado de S. Paulo

É a PEC Emergencial. Tempo perdido em meio à emergência da crise sanitária

No melhor cenário, a chamada PEC Emergencial mudará muito pouco a gestão das contas públicas. Costumo dizer que o Brasil é pródigo em criar regras fiscais, mas nem tanto em cumpri-las. Desta vez, nem mesmo a criação foi promissora. Eventual ajuste decorrente da proposta de emenda à Constituição só virá em 2025. No caso dos Estados e municípios, as medidas serão facultativas e sua aplicação, incerta.

O teto de gastos foi mantido, mas ficou sem sanção para o caso de burla. Rompê-lo poderia ensejar, a partir de agora, crime de responsabilidade. Os gatilhos – medidas automáticas de ajuste –, que já estavam previstos na regra do teto, serão acionados quando as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias (não incluem juros da dívida), ambas sujeitas ao teto. Os gatilhos impedem reajuste salarial a servidores, criação de despesas, correção do salário mínimo acima da inflação e contratação de pessoal (a não ser para repor aposentadorias).

As contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), contudo, mostram que os 95% só seriam atingidos em 2025. Em 2020 o indicador ficou em 92,6% e em 2021 a projeção é de 93,4%. Assim, levando em conta que o objetivo era tomar medidas “emergenciais”, o porcentual proposto foi mal calibrado. Algumas áreas poderão acionar gatilhos mais cedo, já que a regra será aplicada por Poder e por órgão, mas sem efeito agregado relevante.

César Mortari Barreira / Marcelo de Azevedo Granato* - Fascismo e antifascismo

- Folha de S. Paulo

Antifascismo de hoje deve ser democrático para que a democracia sirva à sociedade

As palavras fascismo antifascismo não tiveram descanso em 2020: por quase todo o ano, foram tema de diversas notícias e interpretações. A invasão do Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, abre nova ocasião para análises sobre o significado dos termos fascismo e antifascismo e sua possível atualidade no espectro político brasileiro.

Nesse contexto, deve-se perguntar: se o fenômeno fascista remete aos 20 anos que caracterizaram a Itália após a 1ª Guerra Mundial, de que modo fascismo e antifascismo continuariam conceitos presentes e relevantes?

Para Norberto Bobbio, que viveu o fascismo italiano, esse regime representava uma mistura de decadentismo, irracionalismo e adoração à violência, alimentando o “culto ao herói, ao déspota, ao aristocrata de gosto exigente” ("O regime fascista"). O fascismo era antidemocrático, pois exaltava a hierarquia contra o princípio da igualdade; o poder vindo de cima contra o poder vindo de baixo; a autoridade contra a liberdade; a fé cega contra o espírito crítico; o conformismo de massa contra o princípio de responsabilidade individual.

Bobbio sugere que o fascismo possuía “duas almas”: o fascismo conservador e o fascismo subversivo. Este desejava uma nova ordem, aquele desejava pura e simplesmente a (restauração da) ordem, ambos tendo como elemento comum “o ódio à democracia” ("Fascismo e antifascismo").

Música | Roberta Sá - Samba de amor e ódio

 

Poesia | Fernando Pessoa - Mestre

   

Mestre, meu mestre querido! 
    Coração do meu corpo intelectual e inteiro! 
    Vida da origem da minha inspiração! 
    Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida? 

    Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada, 
    Alma abstrata e visual até aos ossos, 
    Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo, 
    Refúgio das saudades de todos os deuses antigos, 
    Espírito humano da terra materna, 
    Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva... 

    Mestre, meu mestre! 
    Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos, 
    Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser, 
    Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos, 
    Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim! 

    Meu mestre e meu guia! 
    A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou, 
    Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente, 
    Natural como um dia mostrando tudo, 
    Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade. 
    Meu coração não aprendeu nada. 
    Meu coração não é nada, 
    Meu coração está perdido. 
    Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu. 
    Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi! 
    Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado, 
    Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas, 
    Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas, 
    Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente. 
    Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento 
    Pela indiferença de toda a vila. 
    Depois, tenho sido como as ervas arrancadas, 
    Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido. 
    Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça, 
    E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém. 
    Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista, 
    Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara? 
    Por que é que me chamaste para o alto dos montes 
    Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar? 
    Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela 
    Como quem está carregado de ouro num deserto, 
    Ou canta com voz divina entre ruínas? 
    Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma, 
    Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha? 

segunda-feira, 15 de março de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O desmonte conduzido pelo chefe do Executivo – Opinião / Valor Econômico

As corporações mostraram mais uma vez sua força

É como naquelas brincadeiras de expectativa versus realidade que aparecem nas redes sociais. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial era para ser uma soma do útil ao agradável para a equipe econômica: num mesmo embrulho, seria autorizada a necessária retomada do auxílio emergencial e dado o pontapé inicial para um ajuste estrutural nas contas públicas. A realidade é uma versão magra, desdentada e gastona dessa construção.

Logo de início, ainda no Senado, a PEC perdeu um dos dispositivos mais potentes em termos de ajuste: a supressão, do texto constitucional, dos gastos mínimos com saúde e educação. Embora a equipe econômica tenha encontrado na Câmara dos Deputados entusiastas da ideia, a iniciativa não prosperou entre os senadores. Até porque um passo dessa magnitude não poderia de forma alguma ser dado às pressas, no bojo de medidas emergenciais para lidar com uma pandemia.

Mas não é possível ao governo creditar ao Congresso todo o desmonte dos mecanismos de ajuste da proposta de emenda constitucional. O próprio Executivo cortou pela metade, logo de saída, o potencial de economia que se poderia obter com a revisão dos gastos tributários. Deixou de fora os maiores programas, como Simples, Zona Franca de Manaus, entidades filantrópicas. É verdade que as chances de sucesso no corte desses itens tenderiam a zero. Mas, o governo não quis nem sinalizar a intenção.

Também partiu do Executivo, e não do Congresso, a redação de um dispositivo que, na prática, vai adiar para o próximo governo o ajuste das contas da União. A PEC diz que as medidas de corte de despesas, como suspensão de reajustes e contratações, serão disparadas quando os gastos obrigatórios atingirem 95% dos gastos primários totais, ambos sujeitos ao teto. Pelas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), isso só acontecerá em 2025. Se o índice fosse 93%, os gatilhos seriam acionados em 2022.

Com essa calibragem que parece sob medida, as “maldades” que restaram na PEC Emergencial não serão usadas pelo governo federal no próximo ano eleitoral. Como notou o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, será possível até conceder reajustes salariais em 2022. A inflação alta da virada do ano, combinada com uma queda da taxa ao longo de 2021, poderá produzir uma folga no teto de gastos para acomodar essa e outras “bondades”.

Fernando Gabeira - Brasil, visto por um amador

- O Globo

Ministros pelejam no STF. As pessoas morrem. Lula volta à cena. As pessoas morrem. Bolsonaro começa a usar máscara, e seu filho quer que as pessoas enfiem a máscara no rabo. As pessoas morrem. Jornalistas discutem animadamente a eleição do ano que vem. Recorde de mortos: 2.349.

Fui convidado para, mais uma vez, debater a resposta nacional à pandemia. Continuo tentando entender, embora seja para mim bastante clara a razão principal do fracasso. Não posso chamá-la delicadamente de falta de liderança. Isso implicaria omissão ou apenas incapacidade do presidente. Mas ele é obtusamente negacionista. Não é um líder que falta, mas que joga contra.

Já avancei na minha análise, procurando entender por que as pessoas, sobretudo as mais pobres, não seguem as medidas de segurança na pandemia. Mencionei suas condições precárias de habitação e transporte e o fato de que os políticos não se esforçam em criar condições que amenizem a aspereza do cotidiano de sua gente.

Algumas coisas ficam de fora dessa análise. Num bairro próspero do Rio, como o Leblon, há muita gente que despreza ostensivamente as medidas de segurança. E aí, como preencher essa lacuna?

Sou apenas um intérprete amador. Felizmente, tenho comigo na quarentena a bela edição da Nova Aguilar intitulada “Intérpretes do Brasil”. Eles merecem mais do que três volumes comentados por grandes intelectuais. Merecem um eterno reconhecimento por ter arrancado um sentido deste caótico país nascido nos trópicos.

Mergulho nos grandes textos quase toda noite. Mesmo assim, como o domador do poema de Drummond, vivo roído por dúvidas. Sérgio Buarque de Holanda fala de uma certa relutância à autoridade. Paulo Prado menciona, no seu “Retrato do Brasil”, um triste conformismo.

Marcus André Melo* - Polarização

- Folha de S. Paulo

Polarização não pressupõe simetria política

Muitos analistas têm apontado para um recrudescimento da polarização política em virtude da possível participação de Lula na eleição de 2022. O debate tem girado em torno de uma disputa entre dois extremos ideológicos e sobre o espaço para uma candidatura de centro, argumento que é criticado porque não haveria simetria ideológica ou programática: o PT e seu candidato não seriam extremistas.

Há aqui um equívoco argumentativo, porque várias dimensões separadas estão justapostas. O que, ou quem, está polarizado? Partidos, políticos individuais ou o eleitorado? E mais: a polarização não se confunde com a localização de partidos ou candidatos no continuum ideológico.

Como demonstrado por pesquisas empíricas, a polarização política nas democracias avançadas, sobretudo nos EUA, onde se manifestou de forma intensa, não está ancorada em divergências programáticas. Embora os políticos estejam crescentemente polarizados, muitos cidadãos convertem-se em "ideólogos sem questões", como argumenta Liliana Mason.

Celso Rocha de Barros - Como Bolsonaro reagirá a Lula?

- Folha de S. Paulo

Presidente dirá que causou a recuperação gerada pela vacinação que sabotou

Como disse em meu artigo publicado na Ilustríssima, a entrada de um Lula moderado na disputa eleitoral de 2022 mudou completamente o quadro político brasileiro. Lula moderado é um polo de oposição muito mais forte do que os que havia até agora. O choque, inclusive, levou o “centro” a acelerar suas articulações por uma candidatura competitiva. Como a extrema direita que governa o Brasil desde 2019 vai reagir?

No dia do discurso de Lula, a reação de Bolsonaro foi de evidente terror. Pela primeira vez em muito tempo, apareceu de máscara em uma solenidade pública. Não tenho nenhuma dúvida de que seu pessoal nas redes sociais notou que as declarações ponderadas de Lula sobre vacinas e máscaras foram bem-recebidas pelo público.

Seria maravilhoso se a ameaça Lula forçasse Bolsonaro a finalmente começar a se comportar como presidente da República, mas talvez seja tarde demais. Se Jair acordou na quinta-feira decidido a se comportar como um estadista responsável para derrotar Lula, imediatamente deve ter percebido que o Jair de 2020 não comprou as vacinas que um Jair responsável de 2021 teria que aplicar. Como a única outra alternativa de combate à Covid-19, o lockdown, prejudicaria o Jair candidato de 2022, não sobrou nada de responsável para qualquer Jair fazer no Brasil da pandemia.

Ana Cristina Rosa - Além do vírus, fome

- Folha de S. Paulo

No auge da pandemia no Brasil, o desemprego é recorde

Alguma coisa vai muito mal quando ir às compras no supermercado se torna um ato angustiante e motivo de tristeza. Pois na capital federal chegamos a esse ponto. Está cada vez mais difícil entrar pela porta da frente de um supermercado sem ser abordada por criança ou adulto a pedir por comida.

Pudera. No auge da pandemia no Brasil, o desemprego é recorde, a tendência é de aumento dos juros e a inflação disparou. Para completar, nos últimos 12 meses a alta de preço dos alimentos representa quase o triplo do percentual da inflação oficial, segundo a aferição do IBGE.

Além do aterrorizante crescimento exponencial das mortes por Covid-19, o empobrecimento da maioria da população é fato que chama atenção e preocupa nesses tempos sombrios. O agravamento do nível de insegurança alimentar atinge mais de 10 milhões de brasileiros segundo as estimativas oficiais. É gente que está passando fome, que vai deitar de barriga vazia e acorda sem saber se terá o que comer ao longo do dia.

Catarina Rochamonte - Danilo Gentili e o autoritarismo da Câmara

- Folha de S. Paulo

Imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia

Em atitude abusiva, covarde e persecutória, o presidente da Câmara e sua turma acionaram o STF com um pedido de prisão em flagrante contra o humorista Danilo Gentili. O motivo da estapafúrdia peça jurídica, enviada pelo ministro Alexandre de Moraes para apreciação da PGR, foi uma postagem de Twitter na qual o apresentador vale-se de expressão hiperbólica para tecer sua crítica aos deputados que apoiavam aquela que ficou conhecida como "PEC da impunidade."

Augusto Aras se manifestou junto ao STF dizendo não existir, "por ora", motivos para a prisão, mas propôs incluí-lo no inquérito dos atos antidemocráticos e recomendou seu banimento do Twitter. Outras medidas de cerceamento contra as liberdades de Gentili foram propostas, como a proibição de sair da cidade onde vive ou se aproximar a menos de um quilômetro da Câmara.

Denis Lerrer Rosenfield* - O crime compensa!

- O Estado de S. Paulo

Se o prestígio do Supremo Tribunal já não era grande, sai agora diminuto

Perplexidade talvez seja o melhor termo para caracterizar a decisão do ministro do STF Edson Fachin de cancelar, por questões processuais, a condenação do ex-presidente Lula. Perplexidade ainda mais acentuada pelo segundo momento desse teatro do absurdo, quando a segunda turma põe em votação a imparcialidade ou não do ex-juiz Sergio Moro. Os papéis abruptamente se invertem, o decido torna-se inválido, o mocinho torna-se bandido. A continuar nessa toada, o ex-juiz será considerado ficha-suja, enquanto o responsável pela corrupção posará de vítima. Onde estão agora o “sujo”, o “lixo”, a “corrupção”, o desvio de recursos públicos, a compra de parlamentares? Vai tudo para debaixo do tapete?

Qual é a percepção do brasileiro, aquele que não compreende as firulas jurídicas? A resposta mais imediata, sem dúvida, é a de que o Judiciário condenou injustamente o ex-presidente da República. Pobre coitado, foi preso arbitrariamente, numa tramoia urdida por juízes e promotores. Evidentemente, não sabe a diferença entre anulação do “juiz natural” e anulação de “provas”. Politicamente é a mesma coisa!

Roberto Romano* - O Congresso como pandemia

- O Estado de S. Paulo

Mercenários? Há muitos por lá. Subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos

Já passou a hora de pôr um fim à sua presença neste lugar que perdeu a honra pelo desprezo de todas as virtudes, contaminado por todos os vícios. Os senhores não passam de uma facção inimiga de todo bom governo, pois formam um bando de miseráveis mercenários. Seu gosto é como o de Esaú: vender seu país por um guisado e, como Judas, trair Deus por moedas. Existe uma única virtude entre os senhores e algum vício que não possuam? (...). Qual dos senhores deixou de trocar a consciência por subornos? Existiria um homem entre os senhores preocupado com o bem da Comunidade? Prostitutas sórdidas! Os senhores não infectaram este lugar sagrado e fizeram do templo divino um covil de ladrões por seus princípios imorais e práticas iníquas? Os senhores se tornaram odiosos para toda a nação pois foram postos aqui, pelo povo, para reparar suas queixas, mas se tornaram a fonte da maior queixa. Logo, o seu país apela-me para limpar esta estrebaria de Augias, pondo um ponto final nos procedimentos iníquos desta Assembleia. Com ajuda de Deus e a força que ele me deu, efetivo tal missão. Ordeno, com perigo das suas vidas, que os senhores saiam imediatamente deste lugar. Escravos venais, vão embora! Em nome de Deus, vão!

Deixei sem aspas o trecho acima para que os informados sobre a história dos parlamentos tenham o prazer melancólico de identificar semelhanças entre o que teria ocorrido na Inglaterra do Rump Parliament e os dias de hoje, no Brasil. Cromwell, a quem se atribui a fala mencionada, se estivesse na porta do Congresso brasileiro, informado das manobras para tornar os parlamentares isentos das leis que eles mesmos devem manter, diria as mesmas palavras do parágrafo anterior. Nada falta para a similaridade entre a situação parlamentar na terra de Shakespeare (“existe algo podre no reino...”) e o Brasil de agora.

Mercenários? Existem muitos no Parlamento nacional. Praticantes de subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos.

Ricardo Noblat - Efeito Lula pode custar a cabeça do general Eduardo Pazuello

- Blog do Noblat / Veja

Acuado, Bolsonaro procura saídas

Que condições impôs a cardiologista Ludhmila Hajjar para aceitar substituir o general Eduardo Pazuello como ministra da Saúde? Ao presidente Jair Bolsonaro, com quem se reuniu, ontem, no Palácio da Alvorada, o que ela pediu equivale ao feijão com arroz.

Em resumo, pediu autonomia para formar sua equipe e adotar à frente do ministério a política que achar adequada para, de saída, deter o agravamento da pandemia que bate recordes diários em número de mortos. Autonomia e vacina, vacina, vacina.

Mais adiante, se os resultados forem bons, se pensará no resto. Mas com o sistema público e privado de atendimento médico às vésperas de um colapso, com pacientes internados até em banheiros de hospitais, não há outra prioridade. Simples assim.

Simples para quem é do ramo, e simples de ser entendido por quem tem amor à vida alheia. Bolsonaro provou que esse não é o seu caso. Mortes não lhe importam se o preço a ser pago para diminuí-las prejudica a economia e seu projeto de reeleição.

Irapuã Santana - Polarização e Teoria dos Jogos


- O Globo

Um país imaginário, dividido em duas castas rivais, conduz eleições para o seu novo líder. Três candidatos concorrem, um de cada casta e um terceiro, moderado. Os candidatos sectários fizeram da perseguição aos integrantes da casta rival sua plataforma de campanha. Caso um deles seja eleito, os membros da casta oposta sabem que seus direitos serão suprimidos, enquanto os da mesma casta receberão privilégios. O moderado não oferece risco, nem privilégios, a nenhum grupo.

Nas urnas há empate entre os dois candidatos ligados às castas, enquanto o moderado segue atrás com apenas um voto de diferença. Dois cidadãos, um de cada casta, são chamados a proferir os votos decisivos no certame eleitoral, em sigilo. Ambos prefeririam a eleição do candidato moderado em relação à vitória do concorrente de casta rival, já que sofreriam severas consequências adversas nesse último cenário. Entretanto aquele apenas será eleito se obtiver dois votos. Em caso de novo empate, haverá sorteio dentre os candidatos empatados com mais votos para eleger o vencedor.

Bruno Carazza - Mais próximo do que se imagina

- Valor Econômico

Autonomia exige cautela de presidente do BC

No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.

Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.

O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.

Alex Ribeiro - Copom deve agir com calma e tranquilidade

- Valor Econômico

Mercado pressiona por aperto monetário forte e acelerado

O mercado financeiro está pressionando o Banco Central para subir os juros com mais vigor em reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que começa amanhã. Os juros futuros fecharam com forte alta na sexta-feira, precificando quase 30% de chance de uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic. Os ativos gritam para que o BC elimine rapidamente os estímulos monetários, levando a taxa para 6% ao ano.

A tese defendida por muitos no mercado é que uma alta forte e rápida da taxa Selic vai ter efeitos positivos na atividade econômica. Ou seja, com movimentos corajosos, o Banco Central vai convencer o mercado de que vai ser implacável com a inflação, fazendo com que a curva de juros fique menos inclinada, o dólar recue e as condições financeiras gerais da economia fiquem mais favoráveis - o que é bom para a economia.

 “É um argumento completamente maluco”, diz um experiente economista que deu aulas para muitos dos que operam hoje no mercado. “Quanto mais ‘hawk’ você age, mais ‘dove’ você fica. Isso não faz sentido”, afirma, usando o jargão dos economistas para banqueiros centrais inclinados ao aperto monetário (“hawk”, falcão em inglês) e inclinados a distensão (“dove”, ou pombo).