domingo, 28 de dezembro de 2014

Opinião da semana: Joaquim Barbosa

Que degradação institucional! Nossa presidente vai consultar órgão de persecução criminal antes de nomear um membro do seu governo. (...)

Ministério Público é de contenção do poder político. Existe para controlar-lhe os desvios, investigá-lo, não para assessorá-lo. ”Du jamais vu”.

Joaquim Barbosa, ministro de STF (aposentado)

Levy e Barbosa fazem uma 'comissão da verdade' nas contas públicas

• Nova equipe econômica se assustou quando teve acesso total aos dados contábeis do governo; futuros ministros ficaram negativamente surpresos, por exemplo, com a dependência do setor elétrico dos recursos do Tesouro Nacional

Lu Aiko Otta e João Villaverde - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Nas últimas duas semanas, os futuros ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, se dedicaram a escarafunchar a contabilidade do governo federal para descobrir e medir os gastos que foram “pedalados” ou escondidos na tentativa de melhorar o resultado fiscal. Nessa espécie de comissão da verdade das contas públicas, eles têm contado com a ajuda de técnicos da atual equipe – e até esses se dizem surpreendidos com as revelações dos números.

A nova equipe econômica se assustou quando teve pleno acesso aos dados do setor elétrico, fornecidos por técnicos do Tesouro Nacional, da Eletrobrás, da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e também da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo uma fonte que trabalha na transição interna do governo, os futuros ministros ficaram surpresos, negativamente, com a chamada de “Tesouro dependência” no setor elétrico.

As empresas dizem ter a receber cerca de R$ 5 bilhões, entre recursos retidos e pagamentos adiados para 2015. Elas reclamam ainda outros R$ 4 bilhões para cobrir desequilíbrios decorrentes da correção das tarifas de Itaipu e outros R$ 3 bilhões referentes à aquisição de energia no mercado de curto prazo em novembro e dezembro. Mas esses dois itens podem ser transferidos para a tarifa.

Uma definição, atribuída a Levy, é que o setor elétrico, a partir de 2015, passará a viver com uma Aneel de “carta branca”. Isto é, o que for definido como descompasso pela agência será imediatamente transferido para a tarifa de energia ao consumidor. O Tesouro “não tem mais as condições mínimas” para realizar novos aportes às empresas, para segurar tarifas, segundo afirmou a fonte.

Os reajustes na conta de luz que estão no horizonte certamente pressionarão a inflação. Na visão da nova equipe, já está claro que os índices de preço vão piorar antes de melhorar. A palavra mais repetida no Planalto é “racionalidade”.

Outro ponto problemático é a Caixa, que nos últimos anos foi o principal instrumento do governo para “bombar” o crédito, escolhido como motor do crescimento na chamada nova matriz macroeconômica. O ritmo acelerado da concessão de empréstimos, cuja taxa de crescimento já esteve em 50% e em 2014 ficou em 20% a 25%, deixou o banco enfraquecido. A situação se agravou com os sucessivos pagamentos de dividendos ao Tesouro. Especialistas dão como certo que será necessário aportar recursos na Caixa e também no Banco do Brasil.

Dívida. Em seu único discurso desde que foi confirmado no cargo, Levy se comprometeu com o superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 e de pelo menos 2% em 2016 e 2017 e com a queda do estoque da dívida bruta medida como proporção do PIB. A dívida bruta – diferente do conceito que vinha sendo usado no Brasil, a dívida líquida – reflete operações de crédito como as realizadas pelo Tesouro para fortalecer os bancos oficiais. Ao mirar nesse conceito, ele reforçou a linha que esses repasses serão encerrados.
Essa, porém, não é uma decisão trivial. Ninguém no Planalto jura de pé junto que não haverá novos aportes. O próprio Levy já comentou, em conversas internas, que a dívida bruta vai subir um pouco, estabilizar-se e só depois cair.

Além do sinal político, a escolha da dívida bruta teve algo de estratégico, segundo notam economistas do mercado. É nela que aparecerão, primeiro e com mais intensidade, os reflexos do ajuste nas contas públicas.

Alta na luz ameaça projeção de inflação

• Governo divulgou na sexta que, em janeiro, energia já vai custar 8,3% mais caro, no sistema de bandeira tarifária

• Previsão oficial para IPCA de 2015 considera aumento das tarifas residenciais de 17%, contra 20% do mercado

Gustavo Patu, Pedro Soares – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, RIO - Em meio aos maiores reajustes em uma década, a alta das contas de luz põe em xeque as projeções do Banco Central para uma inflação no próximo ano abaixo do teto fixado na legislação.

Pelos cálculos do BC, o IPCA, índice usado como referência para as metas da política de juros, fechará 2015 entre 6% e 6,1%, enquanto a maior parte dos bancos e consultorias estima taxas mais próximas ou acima do limite máximo de 6,5%.

As previsões oficiais pressupõem uma elevação das tarifas residenciais de energia elétrica de 17% --percentual que, embora elevado, está abaixo dos esperados por analistas de mercado, que chegam aos 20%.

A conta de luz tem peso considerável no IPCA: em novembro, ela respondeu por 2,9% do orçamento familiar considerado para a apuração do índice, e essa parcela está em alta com o encarecimento da energia.

A partir de janeiro, os reajustes ganharão o impulso do sistema de bandeiras tarifárias, que repassará mensalmente aos consumidores custos adicionais decorrentes da utilização de termelétricas, consequência da escassez de chuvas nos últimos meses.

Nesta sexta-feira (26), foi definido que o sistema promoverá em janeiro um acréscimo de 8,3% nas contas. Trata-se da bandeira vermelha, que caracteriza o cenário mais grave. As outras são verde, que não implica acréscimo na tarifa, e amarela.

Adriana Molinari, da Tendências Consultoria, já esperava a cobrança extra na conta em razão da adoção da bandeira. Sua projeção, que embutia um aumento de 8,8% em janeiro, apontava uma alta de 18,6% no ano.

Ela não descarta uma alta na casa dos 20% em 2015, porque existem dúvidas sobre o repasse do aumento da energia de Itaipu (cotada, em parte, em dólar) e de encargos setoriais.

Nova equipe
A nova equipe da Fazenda, diz, já indicou que "tudo" será coberto pela tarifa, e que o governo não arcará mais com custos do setor elétrico. A Tendências deve revisar para cima a projeção de 6,3% para o IPCA no próximo ano.

Marcel Caparoz, da RC Consultores, já esperava "fortes aumentos" de transporte coletivo e energia em 2015, represados no ano eleitoral de 2014. Com esses reajustes, ele espera um IPCA de 6,5% no próximo ano, se "não vierem novos choques".

A taxa só não deve superar a meta, diz, graças à freada de alimentos e serviços por causa de um aumento menor do salário mínimo e juros mais elevados --o que restringirá o consumo.

Elson Teles, do Itaú, também calcula uma alta da energia em torno de 20%. Ele ainda projeta o retorno parcial da Cide, tributo sobre os combustíveis, que pressionará o preço da gasolina.

Sergio Vale, da MB Associados, estima um IPCA acima de 1% já em janeiro, a maior taxa desde 2003, e de 6,8% em 2015.

Preços monitorados
As discrepâncias entre as projeções do BC e do mercado ficam mais claras quando se observa o conjunto dos preços monitorados por União, Estados e municípios --incluindo, além da energia, gasolina, telefonia fixa, ônibus, metrô e outros.

Represados para reduzir a inflação no primeiro mandato da presidente Dilma, esses preços passarão por um período de correção para reequilibrar as contas dos governos e suas empresas.

As contas do BC adotam a hipótese de alta de 6,2% em 2015, bem abaixo dos 7,6% esperados pelo mercado.

Tarifa de ônibus vai subir em pelo menos 7 capitais

• Em quatro cidades, aumento da passagem já vale desde novembro. Os reajustes variam entre 7% e 16%

Tiago Dantas – O Globo

SÃO PAULO - Moradores de sete capitais do pais devem pagar mais caro pelas tarifas de ônibus municipais em 2015. Em outras quatro capitais o reajuste já começou a valer a partir de novembro. A maior parte dessas cidades estava com o valor da passagem congelado desde os protestos que levaram milhares de pessoas para as ruas em junho de 2013.

A prefeitura de São Paulo anunciou anteontem que o preço da passagem das linhas municipais vai subir de R$ 3 para R$ 3,50 a partir de 6 de janeiro. Assim como acontece nas demais capitais, o governo paulistano alega que o reajuste, de 16%, é previsto no contrato com as empresas de ônibus e que ficará abaixo da inflação desde o último acréscimo, feito em janeiro de 2011.

A divulgação do aumento pelo prefeito Fernando Haddad (PT) gerou mal-estar no Palácio dos Bandeirantes, que desmentiu a informação passada pela prefeitura de que o governador Geraldo Alckmin (PSDB) havia se comprometido também a subir a passagem dos trens para R$ 3,50. O governo confirma o aumento, mas não revela o valor.

Municípios da região metropolitana, como São Bernardo, Diadema e Osasco devem seguir o valor anunciado por Haddad, segundo políticos.

No Rio, a tarifa dos ônibus municipais será reajustada no fim de janeiro, embora o valor não tenha sido divulgado ainda. Em 18 de dezembro, o prefeito Eduardo Paes afirmou que o novo valor "ainda não foi calculado, mas tem uma equação matemática que se usa os índices da Fundação Getúlio Vargas". Em outubro de 2015, a prefeitura do Rio pretende renegociar o valor com as empresas que prestam o serviço.

Quem vive em Belo Horizonte pagará em média 8,5% mais pelo transporte público já a partir de segunda-feira, dia 29. Na capital mineira o serviço tem três tarifas, de acordo com as linhas. A passagem mais cara, de R$ 2,85, passará para 3,10. As demais tarifas subirão de R$ 2,05 para R$ 2,20 e de R$ 2,35 para R$ 2,50.

Salvador aplicará um aumento de 7,1% a partir de 3 de janeiro. Lá, os ônibus que custam R$ 2,80 passarão para R$ 3. Outras três capitais devem reajustar as tarifas em janeiro, embora ainda não tenham definido o valor: Teresina, Cuiabá e Florianópolis.

Quatro capitais brasileiras subiram o valor das passagens de ônibus entre novembro e dezembro e não enfrentaram protestos, como os de junho de 2013, que fizeram muitos prefeitos voltarem atrás. Em Curitiba, os ônibus passaram de R$ 2,70 para 2,80 em 11 de novembro. No dia seguinte, Campo Grande passou a cobrar R$ 2,99. Rio Branco promoveu aumento de R$ 2,40 para 2,90 em 7 de dezembro. Em Aracaju, a tarifa de R$ 2,70 (R$ 0,35 mais cara) passou a ser cobrada em 23 de dezembro.

MPL promete voltar às ruas para protestar contra reajuste

• O ato chamado de "nenhum centavo a mais" será no dia 9

- O Globo

SÃO PAULO Menos de 24 horas após o anúncio de que a tarifa de ônibus na cidade de São Paulo subiria para R$ 3,50, o Movimento Passe Livre (MPL) convocou um protesto para o dia 9 de janeiro, uma sexta-feira. Em um comunicado publicado em sua página no Facebook, o grupo diz que não aceitará "nenhum centavo a mais" de aumento nas tarifas.

Ausente de grandes manifestações desde junho de 2013, quando organizou atos que levaram dezenas de milhares de pessoas às ruas contra o reajuste da passagem para R$ 3,20, o MPL terá pela frente uma prova da sua capacidade de mobilização. Embora tenha feito protestos contra o cartel do metrô em São Paulo ao longo deste ano, o grupo não se envolveu, por exemplo, nos atos contra a Copa do Mundo.

Na tentativa de evitar grandes protestos, a prefeitura de São Paulo pretende explicar para a população que o aumento só atingirá 8% dos usuários. O governo municipal concederá passe livre para estudantes de escolas públicas ou beneficiários de programas de financiamento estudantil. Além disso, quem compra os bilhetes eletrônicos mensais, semanais ou diários continuará pagando R$ 3.

Sobre a gratuidade estudantil, o MPL disse que a medida foi uma vitória das ruas e que "enquanto o transporte continuar sendo tratado como mercadoria e enquanto houver tarifa e aumentos, haverá luta da população, se organizando e resistindo em cada canto da cidade." O texto do grupo diz ainda que, cada vez que a tarifa sobe, "aumenta o número de pessoas excluídas do transporte coletivo. Com menos gente circulando, novos aumentos serão necessários, numa espiral que diminui cada vez mais o direito à cidade da população."

O MPL convocou também uma "aula pública contra a tarifa" no dia 5 de janeiro para explicar suas reivindicações à população. No texto, o grupo ironiza os gestores públicos ao dizer que a palestra será em frente ao prédio da prefeitura, no centro da cidade, "se é que alguém ali ainda quer aprender alguma coisa".

Dilma reduz espaço do PT no governo e estimula bloco anti-PMDB no Congresso

• Segundo mandato. Ao tirar petista da Educação para contemplar Cid Gomes, do PROS, e trocar PP pelo PSD de Kassab à frente de Cidades, presidente busca dar poder de fogo a mais legendas e, assim, diminuir influência dos dois maiores partidos da coalizão

Débora Bergamasco, João Domingos - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Ao entregar o Ministério das Cidades para Gilberto Kassab, presidente do PSD, e a pasta da Educação para Cid Gomes, principal nome do PROS, a presidente Dilma Rousseff tenta fortalecer e criar novas linhas de articulação política em seu segundo mandato. Ao mesmo tempo, procura reduzir o poder de influência dos dois principais partidos da coalizão em seus palcos favoritos: o PT dentro do próprio governo e o PMDB, no Congresso.

A prioridade para o início do segundo mandato é dar liberdade de trabalho ao novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele foi escolhido para adotar uma política econômica de ajuste fiscal severo, a fim de fazer convergir a inflação no centro da meta planejada (4,5%), produzir o superávit primário sem truques contábeis e manter o câmbio sob controle, com o dólar a R$ 2,40. Na visão da presidente, essa é uma questão que está fora da pauta dos partidos, por significar a própria sobrevivência do projeto de governo.

Por isso, conforme um auxiliar do Planalto, Dilma sabe da necessidade de reduzir o poder de seu partido. Tendências mais à esquerda, como o PT de Lutas e Massas, exigem a demissão de Levy antes mesmo da posse e ainda chiam da escolha para a Fazenda. O raciocínio da presidente é o de que quanto maior for o protagonismo de petistas e peemedebistas, mais ela ficará refém das exigências das duas legendas. O PMDB, sempre pedindo mais espaço político e dificultando votações no Congresso; o PT, pregando a volta da doutrina econômica heterodoxa de Guido Mantega.

Ministro, Kassab vai mais uma vez trabalhar pela criação de uma nova legenda. Em 2011, ele fundou o PSD a partir de dissidências do DEM. Agora, buscará a fusão do partido com outros menores, o que resultaria no criação do novo Partido Liberal (PL).

Nas contas do ex-prefeito de São Paulo, assim que o plano for executado, sua legenda será catapultada da quarta para a primeira ou segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, passando dos atuais 37 para cerca de 70 deputados - mesmo número do PT e 4 a mais que o PMDB, a partir de 2015.

Articulador inconteste, como já provou na formação do PSD, Kassab poderá ampliar o poder de atrair parlamentares para o novo partido ao comandar Cidades. Trata-se de uma das canetas mais cobiçadas da Esplanada, com alto poder de fogo e capilaridade.

Em 2015, o ministério continuará a ser o terceiro maior orçamento ministerial para despesas discricionárias (de investimento e custeio não fixo), em torno de R$ 26,3 bilhões. É nessa pasta que se concentra fatia significativa das emendas parlamentares ao Orçamento.

Como ministro da Educação, Cid Gomes vai administrar o a maior fatia da Esplanada, com estimados R$ 46,7 bilhões em despesas não fixas. Além disso, comandará uma das pastas com maior poder para catapultar políticos para cargos eletivos.

Trocas. Faz parte ainda da tática de Dilma acabar com feudos partidários de pequenas legendas, como PC do B e PRB. Dos primeiros, aliados do PT desde a primeira campanha de Lula, em 1989, a presidente tirou o Ministério do Esporte. O PC do B vinha usando a pasta para criar programas voltados à juventude, o que facilitava o recrutamento de novos militantes, trabalho antes restrito às entidades estudantis. Agora, vai assumir Ciência e Tecnologia.

Já o PRB havia usado a estrutura da Pesca para conquistar votos em redutos dependentes de benefícios dessa atividade, como a concessão de carteiras de pescador.

Dilma passou o Esporte ao PRB e a Pesca para o filho do senador Jader Barbalho e ex-prefeito de Ananindeua, Helder Barbalho (PMDB), derrotado ao governo do Pará, mas que a auxiliou a ter votos no Estado.

Ciente de que Dilma joga para dividir a base aliada, a cúpula peemedebista orienta deputados e senadores para que se aglutinem em torno de algumas lideranças do partido, como o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL).

Vice-líder do PMDB, o deputado Lúcio Vieira Lima (BA) afirma que o único ministério de ponta entregue ao partido, o de Minas e Energia, dará uma visibilidade às avessas para a legenda. "O grande feito de nosso melhor ministério será o anúncio do reajuste de tarifas. Os bons foram entregues ao PSD, ao PROS, ao PR (Transportes) e ao PP (Integração Nacional)."

Executiva de banco diz na Justiça que PT 'exigiu' sua demissão

• Sinara Polycarpo nega ligação com e-mail sobre 'riscos' da reeleição de Dilma e entra com ação contra o Santander

Fausto Macedo - O Estado de S. Paulo

Inconformada com sua demissão da Superintendência de Consultoria de Investimentos Select (clientes de alta renda) do Banco Santander - medida que atribui a uma suposta perseguição política por parte do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva -, Sinara Polycarpo Figueiredo entrou com ação na Justiça do Trabalho. Ela pede declaração de nulidade da rescisão contratual e sua recontratação no cargo "com todas as vantagens e benefícios", além de pagamento de indenização por danos materiais e morais estimada em 200 vezes o salário integral que recebia - cerca de R$ 50 mil mensais.

Sinara foi demitida em 30 de julho em meio à polêmica criada em torno de uma correspondência enviada aos clientes do Santander com renda superior a R$ 10 mil, informando-os sobre "os riscos da reeleição" da presidente Dilma Rousseff para a economia do País. A carta circulou no primeiro mês de campanha oficial.

Na ação distribuída para a 78.ª Vara do Trabalho de São Paulo, a ex-superintendente afirma que não tinha conhecimento da mensagem e que o texto não foi submetido à sua revisão, tendo sido encaminhado por uma analista financeira "diretamente ao Departamento de Marketing, que providenciou a remessa aos clientes". Além de Sinara, outros dois funcionários foram demitidos.

Ela sustenta que teve ciência da carta "somente 15 dias após, quando um dos clientes reclamou do teor da opinião do banco". Sinara ressalta que "o PT, através de seus máximos dirigentes, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, exigiu em manifestações públicas, em entrevistas para toda imprensa do País, a demissão de empregados do Santander".

'Subserviência'. "Houve imediata subserviência do banco às forças políticas, ao clamor político partidário", assinalam os advogados Rubens Tavares Aidar e Paulo Alves Esteves, constituídos por Sinara. Para eles, o banco "cedeu o poder de comando do empregador ao PT, de modo tão servil que o próprio presidente do partido foi o arauto para a imprensa de que os empregados do setor seriam demitidos".

"Agrava-se a discriminação quando se sabe que ela (Sinara) não praticou, não concorreu, nem tinha o menor conhecimento dos fatos, sendo execrada e covardemente despedida", destacam os advogados.
Admitida em 4 de abril de 2006 como assessora de investimentos, Sinara foi despedida "sem justa causa, abruptamente, por meio de telegrama, com aviso prévio indenizado". Seu último salário fixo foi de R$ 32.785,74 - acrescidos de bônus anual de valor variável, perfazia média de R$ 50 mil mensais.

O Santander não se pronunciou. "O Santander informa que não se manifesta em casos sob o exame da Justiça", anotou a instituição, por meio de sua vice-presidência de Comunicação e Marketing. O PT, por sua assessoria de imprensa, informou que "não vai se pronunciar sobre o assunto".

A assessoria de Lula não retornou contato por e-mail da reportagem.

PT mantém controle sobre maior fatia dos investimentos

• Partido perde espaço com mudanças no governo Dilma, mas deve ficar com um quinto dos recursos previstos

• PMDB ganha mais um ministério, mas parcela de recursos disponíveis para investimentos não deve aumentar muito

- Folha de S. Paulo

As mudanças feitas pela presidente Dilma Rousseff em seu ministério reduziram o espaço do PT, mas as pastas controladas pelo seu partido deverão continuar com a maior fatia do dinheiro disponível para compras e investimentos no orçamento federal.

No primeiro mandato de Dilma, os ministérios controlados pelo PT passaram a administrar mais de 44% do dinheiro disponível no orçamento, de acordo com cálculos da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Com as mudanças anunciadas pela presidente na semana passada, o PT perderá o Ministério da Educação para o governador do Ceará, Cid Gomes (Pros). Ainda assim, deve continuar com cerca de um quinto dos recursos disponíveis para investimentos, se for mantida a média do primeiro mandato de Dilma.

O PMDB, principal aliado dos petistas e dono da segunda maior bancada da Câmara dos Deputados, teve acesso a pouco mais de 5% dos recursos livres para compras e investimentos no primeiro mandato de Dilma, diz a FGV.

A presidente resolveu agora dar mais espaço para o PMDB, que ganhará seis ministérios, um a mais do que hoje. Mesmo assim, os ministros peemedebistas terão controle sobre pouco mais de 5% dos investimentos federais.

Os petistas ficaram com a maior parte do bolo desde a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder, em 2003, mas sua fatia diminuiu depois da crise do mensalão, quando Lula procurou ampliar as suas alianças e o Ministério da Saúde foi entregue ao PMDB.

Com a posse de Dilma, em 2011, o PT voltou a dar as cartas na Saúde e isso fez o quinhão peemedebista encolher.

O PP, que passou a controlar o Ministério das Cidades após a revelação do mensalão, e o PR, que manda no Ministério dos Transportes desde a posse de Lula, mantiveram o espaço no governo e na divisão do dinheiro com Dilma.

A maior parte dos recursos no orçamento federal é comprometida com salários, aposentadorias, juros e outras despesas de caráter obrigatório, deixando livre somente uma pequena fatia para compras e investimentos. Neste ano, apenas 5% foram autorizados para investimentos.

Algumas pastas com grandes orçamentos, como a Previdência, têm pouco apelo político, porque os recursos estão todos comprometidos e só resta ao ministro administrar os pagamentos. O atual ministro da Previdência foi indicado pelo PMDB, que abriu mão da pasta para ganhar as secretarias dos Portos e da Pesca.

As informações compiladas pela FGV, que analisa dados sobre a execução do orçamento divulgados pelo Senado, mostram que os petistas também levam vantagem sobre os outros partidos governistas na liberação dos recursos previstos pelo orçamento.

Somados os quatro anos do primeiro mandato de Dilma, o Congresso autorizou o governo a investir R$ 358 bilhões, mas apenas R$ 72 milhões foram gastos pelos ministérios, conforme a FGV.

Nesse período, os ministérios controlados pelo PMDB administraram 5% dos recursos autorizados para investimentos, mas apenas 1% do valor efetivamente realizado. Os ministros do PT, por sua vez, determinaram o destino de 30% dos recursos reservados para investimentos que foram pagos pelo governo.

'Estelionato eleitoral' é benéfico ao País, diz cientista político

Entrevista. Carlos Pereira

• Para pesquisador, porém, mudanças na economia 'traem' compromissos de campanha e Dilma terá de lidar com reação de eleitor

Luciana Nunes Leal - O Estado de S. Paulo

RIO - A decisão da presidente Dilma Rousseff de iniciar o segundo mandato com medidas econômicas que ela classificou como "drásticas" é acertada, embora represente um "estelionato eleitoral", na avaliação do cientista político Carlos Pereira, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas. O pesquisador acredita que Dilma enfrentará forte reação do eleitor que votou no PT e rejeitou os ajustes defendidos pelo senador Aécio Neves (MG), candidato do PSDB.

Além do custo político das medidas econômicas, Dilma começará o segundo mandato sob o impacto das investigações do esquema de corrupção na Petrobrás e pressionada pelos partidos aliados.

Que cenário o senhor prevê para o segundo mandato?

Esse estelionato eleitoral, essa traição dos compromissos de campanha, são benéficos para o Brasil. No curto prazo, os custos (das medidas econômicas) vão ser enormes. Mas, no longo prazo, está na direção correta. Com a indicação de Joaquim Levy (futuro ministro da Fazenda), ela procurou sinalizar uma direção que a campanha e o governo dela já deviam ter sinalizado. Mas é melhor tarde do que nunca. A taxa de juros possivelmente vai subir, a inflação não vai reduzir no curto prazo, o crescimento da economia será pequeno. A sensação de que a economia não está melhorando será dominante neste primeiro ano do segundo mandato, talvez no segundo ano também. O que eu vislumbro é mais dificuldade na área política.

Por quê?

A presidente está vulnerável politicamente. Os presidentes do Brasil que cometeram estelionato eleitoral foram punidos. José Sarney, depois das eleições (estaduais) de 1986, quando houve a desvalorização do cruzado. Fernando Collor era muito popular até não cumprir o prometido. Fernando Henrique Cardoso, no segundo mandato: nas eleições de 1998 (quando FHC foi reeleito), o real estava supervalorizado e, com a desvalorização logo em seguida, ele perdeu muita popularidade. O eleitor não gosta de ser enganado. Quando é enganado, ele pune.

Que mensagem a presidente quis dar ao escolher Joaquim Levy para a Fazenda?

A candidatura de Aécio representava a defesa do equilíbrio macroeconômico, enquanto a de Dilma representava mais políticas de proteção e inclusão social. A eleição foi tão polarizada porque eles não conseguiram sinalizar para o eleitor que eram capazes de ofertar as duas coisas. Dilma viu que não poderia mais continuar negligenciando a gerência macroeconômica. A escolha do Levy é a sinalização para esse eleitor que perdeu nas urnas de que ela está tentando preencher essa expectativa.

Que outros fatores contribuem para as dificuldades políticas que o senhor aponta?

A maioria no Congresso diminuiu. Ela vai enfrentar uma oposição, embora minoritária, mais aguerrida, com parlamentares com mais tradição de oposição, mais qualificados. Mais ainda, a presidente vai estar em uma situação defensiva em relação ao escândalo da Petrobrás. Fica refém de uma agenda muito negativa, o que, consequentemente, perturba a gerência da coalizão, porque os parceiros, percebendo que o governo está vulnerável, tendem a aumentar o seu poder de barganha.

O movimento por impeachment ainda é restrito a pequenos grupos. Pode avançar?

Não há evidências diretas que liguem a presidente ao esquema da Petrobrás. Se alguma evidência vier à tona, essas fragilidades vão se intensificar. Será reproduzido em um cenário de polarização, com uma grande parcela da população nas ruas demandando o impeachment da presidente e uma grande parcela nas ruas defendendo a presidente e alegando que essas saídas são golpistas. Será um teste de estresse das instituições democráticas.

A presidente pode mudar a relação com o Congresso e, ao contrário do primeiro mandato, buscar se aproximar dos aliados?

Mesmo que ela troque esse tipo de relação, tem uma coisa mais grave. A presidente tomou uma decisão muito ruim na montagem e na gerência de sua coalizão, que é muito ampla. Na minha opinião, isso está no centro dos escândalos de corrupção na gestão do PT, tanto em relação ao mensalão como ao petrolão.

Como o senhor acredita que as instituições lidarão com esse momento de fragilidade política?

Estou pessimista com o governo, mas otimista com o Brasil. Temos instituições de controle muito sólidas. O Judiciário e o Ministério Público são muito independentes, os tribunais de contas são bastante ativos, a Polícia Federal é extremamente investigativa, assim como a mídia. O arcabouço institucional é vivo e maduro. Embora o governo vá passar muitas dificuldades, acredito que o Brasil talvez se fortaleça.

Governo teme calote de firmas da Lava Jato

• Preocupação é que empresas não consigam pagar empréstimos se forem proibidas de trabalhar para o setor público

• Levantamento diz que dívida da Petrobras e das empreiteiras sob investigação passa de R$ 130 bilhões

Natuza Nery, Renata Agostini – Folha de S. Paulo

A Petrobras e as empreiteiras investigadas pela Operação Lava Jato têm hoje uma dívida superior a R$ 130 bilhões com bancos privados e públicos no Brasil, de acordo com um levantamento que circulou neste mês no governo.

O estudo assustou a cúpula do Executivo e os bancos que têm contratos com essas empresas, e fez com que o Palácio do Planalto se mobilizasse para assegurar a manutenção dos empréstimos.

Pareceres oficiais, aos quais a Folha teve acesso, indicam o medo de que as instituições financeiras sofram se as empresas sob investigação forem declaradas inidôneas e forem impedidas de trabalhar com o setor público.

Regras de diversas instituições financeiras impedem a concessão de empréstimos para empresas com esse tipo de punição, o que poderia provocar calote no pagamento de créditos já liberados ou suspensão de financiamentos de longo prazo por risco de não pagamento no futuro.

Quase metade da dívida acumulada corresponde a obrigações da Petrobras, como indica o último balanço publicado pela estatal, de junho. Se forem considerados compromissos com bancos internacionais e fornecedores, a dívida total pode superar R$ 500 bilhões, o equivalente a quase 10% do PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Nas últimas semanas, integrantes do governo se debruçaram sobre os números para tentar avaliar os riscos de contaminação da economia no caso de essas empresas perderem contratos e ficarem sem acesso a crédito.

Terrorismo
Desde que os executivos das empreiteiras sob investigação foram presos, em novembro, seus advogados argumentam que o país pode parar se essas empresas forem declaradas inidôneas.

A princípio, o governo encarou declarações desse tipo como terrorismo. Essa percepção, porém, mudou nas últimas semanas, quando bancos alertaram a equipe da presidente Dilma Rousseff sobre o tamanho do problema.

Algumas instituições reclamaram que o BNDES, principal fonte oficial de financiamento para grandes investimentos, estava relutando em liberar recursos para projetos dos quais os bancos privados também participam.

O governo pressionou o BNDES para que encontrasse uma solução. O banco fez, então, consulta à Advocacia-Geral da União buscando conforto jurídico para autorizar os financiamentos. Foi orientado a liberar as operações, desde que tomasse precauções para o caso de calotes.

A assessoria do BNDES informou à Folha que o banco fez apenas uma consulta de praxe e que os desembolsos já estão sendo normalizados.

"A existência de investigação não constitui óbice à concessão de crédito", diz o parecer da AGU, com base em manifestação do Banco Central. O documento afirma que fornecer crédito a essas companhias não constitui crime de gestão temerária, desde que o tomador prove ter como pagar, e diz que isso pode ajudar a empresa a superar eventual crise de liquidez.

"Trata-se de devedores institucionais com relevante participação no PIB e responsáveis pela condução de projetos e investimentos de primordial relevância para o desenvolvimento nacional", afirma o parecer da AGU.

Inidoneidade
Depois de conhecer o tamanho do endividamento das empresas associadas aos desvios na Petrobras, o governo procurou o Ministério Público Federal para alertá-lo sobre os riscos de inviabilizá-las.

Em encontro com jornalistas na segunda-feira (22), Dilma defendeu punições para os envolvidos com o esquema de corrupção, mas acrescentou que punir não significa "acabar com a empresa". "Temos de parar com essa história de quebrar tudo", disse.

Quando uma empresa é considerada inidônea, pode ficar até cinco anos proibida de firmar contrato com órgãos públicos. A lei permite que obras em andamento continuem, mas o acesso da empresa a crédito fica mais difícil.

Zander Navarro - O futuro do PT

- O Estado de S. Paulo

Pouco mais de três décadas após a sua fundação, o Partido dos Trabalhadores (PT) ostenta a maior bancada no Congresso e mobiliza impressionante número de filiados. Sobretudo, responde por um feito extraordinário, que são os quatro mandatos presidenciais conquistados. Sua importância é inquestionável: sem a ativa presença do PT e de seus militantes, como seria a democracia em nossos dias? Que Constituição teríamos, sem a feroz ação petista na preparação da Lei Maior, sendo o conservadorismo uma das marcas pétreas do sistema político?

Mas a vida seguiu. Esboçaram-se em dois artigos anteriores (A tragédia petista, 26/10 e A tragédia petista 2, 30/11) o passado e os processos mais intestinos de sua gênese e de seu desenvolvimento, assim como as tendências recentes, incluindo sua surpreendente adesão à corrupção. A trilogia analítica é agora concluída com a pergunta desafiadora: qual o futuro do partido?

Em teoria social, elaborar previsões significa pisar no escuro, pois os humanos são um tanto imprevisíveis. A ponderação de fatores intangíveis, como os culturais, e a leitura do devir das sociedades (ou de partidos) são um exercício mais intuitivo do que científico. A lógica foge por entre os dedos. Em meio à gigantesca crise da Petrobrás, comprometendo a empresa e a economia brasileira em proporções abissais, como entender que o prestígio da presidente se mantenha elevado? Ela coordenou o conselho de administração, foi ministra e observou o aparelhamento da empresa: não teria visto a instalação dos condutos financeiros espúrios destinados aos partidos, o PT em particular? Como explicar que significativa proporção dos brasileiros não consiga estabelecer relações causais banais e imediatas em suas avaliações sobre os personagens da política e do Estado? Como interpretar que uma parte considerável de nosso povo acredite piamente que "Lula não sabia, Dilma não sabia, Graça não sabia"? Nem a melhor Sociologia do planeta explica a persistência dessas percepções sociais.

Seríamos, enfim, como insistem os antropólogos, uma sociedade caracterizada por essencialidades particularíssimas, sem comparação com outros povos. Um caldo constante de autoengano e a opção preferencial pelo pensamento mágico, misturado com um catolicismo antimoderno de fundas raízes. E nosso tamanho e insularidade adicionariam outro ingrediente: a ignorância sobre o mundo e, como forma de alívio mental ante o desconhecido, a hostilidade em relação a tudo o que não seja parte dos hábitos locais, supervalorizados em face de nosso atraso. Em síntese: uma sociedade infantil e paroquial, presa facílima para os espertalhões da política.

Como professor universitário e pesquisador, conheci de perto os três grupos sociais que principalmente formaram o campo petista. Primeiramente, os religiosos católicos influenciados pela Teologia da Libertação. Portadores de dogmas petrificados em mais de 2 mil anos, depois misturados a um marxismo primário. Conduziam a verdade absoluta sobre tudo e, quando contrariados, se recusavam ao debate que os distanciasse do engessamento dogmático que faz o catolicismo tão bem-sucedido. Mas algo inaceitável para um partido político que precisa se ajustar à mutabilidade constante da política.

Em segundo lugar, convivi (e ainda convivo) com os colegas das universidades e do mundo da pesquisa atraídos para a política. No geral, com as exceções louváveis de sempre, tem sido uma experiência melancólica, pois muitos, incrivelmente, se recusam a pensar, quando esta seria a âncora principal de sua atividade como intelectuais e cientistas. Aceitam com passividade o obscurantismo e as tortas explicações dos caciques partidários. Algum dia, quando um historiador escrever sobre as relações entre os professores universitários, os pesquisadores e o campo petista, concluirá sobre o patetismo desses anos: haverá até a filósofa que pretendeu explicar Spinoza e terminou amaldiçoando a classe média, enquanto escrevia livros de culinária.

O terceiro grupo é o dos sindicalistas. Aqui, sem outros detalhes que seriam saborosíssimos, basta um: dirigentes e militantes sindicais se movem por um só vetor, o pragmatismo deformado. Sua única razão é a prática imediata. Sendo conduzidos por uma ótica (não uma ética) estritamente do momento, as interpretações, passadas e futuras, são irrelevantes, até desprezíveis. Movem-se somente pelo presente e, por isso, jamais são progressistas. A meta é apenas garantir poder, dinheiro, influência e o mandonismo como grupo. E o pragmatismo tem um segundo preceito: para ser dominante no presente, vale qualquer meio, pois o objetivo final o justifica plenamente.

Na história do campo petista, as relações entre os religiosos, os intelectuais e os sindicalistas produziram a vitória inconteste dos últimos. Como estão amarrados ao presente, o PT jamais poderá ser de esquerda, pois esse é ideário que supõe o porvir. Por isso, o desenvolvimento do campo petista, desde meados dos anos 90, nada tem de distinto, se comparado com os demais partidos. E nem terá no futuro. Por quê? É simples: o futuro é antevisto e antecipadamente construído com exercícios sistemáticos de reflexão sobre os fatos e a produção de cenários possíveis. O PT não faz mais esse esforço estratégico há quase 20 anos nem tem mais quadros técnicos à disposição para essa operação. Rendeu-se à razão pragmática do presente, e por isso nada tem de inovador a propor, recorrendo, cada vez mais, à empulhação para justificar-se.

Não obstante a complexidade da tarefa, não é difícil, portanto, de prever o futuro do PT. Será o mesmo dos demais partidos, imersos na mesmice mistificadora que todos já conhecem. Desta forma, a pergunta passa a ser outra: algum outro campo político reavivará as esperanças dos brasileiros?

*Zander Navarro é sociólogo e professor aposentado da UFRGS (Porto Alegre).

Merval Pereira - O choro de Dilma

- O Globo

Como se previa, o nome da presidente Dilma Rousseff apareceu, finalmente, num dos processos contra a Petrobras, o movido pela cidade de Providence, capital do estado americano de Rhode Island, que alega ter tido prejuízos na compra de ações da Petrobras devido ao esquema de corrupção na estatal brasileira.

Como uma das "pessoas de interesse da ação", ela ainda não é ré no processo, mas poderá vir a ser se no decorrer das apurações ficar provado que ela sabia do que estava acontecendo na estatal quando assinou folhetos de propaganda para vender ações no mercado internacional, ou se tiver sido negligente.

Ela e mais algumas autoridades brasileiras e membros do Conselho de Administração da Petrobras que presidiu estão arrolados no processo, e mesmo que tenha imunidades que a impeçam de depor no processo, a presidente Dilma ficará, no mínimo, sujeita às pressões de escritórios de advocacia americanos em busca de um bom acordo.

É mais um percalço político para uma presidente que, em vez de estar em lua de mel com seu eleitorado e os partidos que apoiaram sua reeleição, passa por maus momentos especialmente dentro de seu próprio partido, o PT. Já aparecem relatos de que a presidente Dilma estaria deprimida, e que teria até mesmo chorado recentemente, depressão atribuída, por pessoas próximas, às dificuldades por que vem passando na montagem de seu novo Ministério. A presidente confessou depois que se sentia muito sozinha.

Diante da intenção de dar novos ares a um segundo mandato, fazendo um governo mais com a sua cara do que a de Lula ou do PT, a presidente teria sucumbido diante das pressões partidárias, e ela própria não estaria satisfeita com o resultado até aqui. Não combina com a imagem de Dilma esse choro quase público, mas a humanizaria e daria, pelo menos, a sensação de que a presidente, pelo menos, estaria tentando fazer algo de novo.

Porque é estarrecedor ver-se o resultado final da parte já definida do Ministério, fruto da mesma prática deletéria de escolher um partido para cada ministério, sem levar em conta a capacidade do escolhido ou sua especialização na área que comandará.

A situação é tão trágica que um partido como o PRB, da Igreja Universal, se sente em condições de ameaçar ir para a oposição caso o Ministério do Esporte não vá mesmo para o pastor George Hilton, um completo ignorante na área, tão ou mais que seu padrinho o pastor Marcelo Crivella, que confessou não saber nem mesmo reconhecer uma minhoca quando foi indicado para a pasta da Pesca.

O maior problema para Dilma parece ser mesmo o ex-presidente Lula, que não estaria nada satisfeito com a liberdade que ela ensaia na escolha do Ministério, depois de ter conseguido convencê-la de que teria que colocar na Fazenda um economista ortodoxo e fiscalista para tentar se aproximar do mercado financeiro e dar segurança aos eventuais investidores.

A verdade é que Dilma jamais seria presidente da República se não tivesse passado na cabeça de Lula essa ideia magistral de lançar uma mulher, ainda por cima apresentá-la ao eleitorado como grande gestora. Os fatos o desmentiram, mas o imaginário popular ainda está dominado pela fantasia de que o PT é o partido que cuida melhor dos pobres e desemparados, o que bastou para uma vitória apertada. Uma vitória eleitoral que trouxe uma derrota política para o PT, pois os fatos teimam em continuar desmentindo o que foi dito na campanha eleitoral, tendo como carro-chefe o escândalo da Petrobras que está destruindo a estatal por dentro, sem que se tome uma providência para reverter o quadro.

Todos os aumentos de preços negados estão sendo anunciados dia após dia, e até mesmo a abertura de capital da Caixa Econômica já foi admitida pela presidente, que acusava seus adversários de querer acabar com os bancos públicos.

Para cúmulo de seus azares, a própria presidente Dilma, dias atrás, foi traída por um reflexo freudiano e anunciou que tomará "medidas drásticas" na economia, o mesmo que acusou seu adversário de tramar caso fosse eleito. A ponto de tê-lo inquirido no primeiro debate entre os dois: "Quais são as medidas impopulares que o senhor vai tomar se for eleito?".

Só mesmo chorando.

Bernardo Mello Franco - Sobre rãs e jacarés

- Folha de S. Paulo

A imagem salta à memória a cada vez que o ex-presidente Lula repete, de peito estufado, que os poderosos acusados de desviar dinheiro público nunca iam para a cadeia até a sua chegada ao Planalto.

Em uma pista de pouso do interior do país, um homem corpulento, de cabelos tingidos de preto-graúna, caminha sob a escolta de policiais federais. A mão direita segura um livro na horizontal, truque improvisado para esconder as algemas nos pulsos. O preso ilustre era Jader Barbalho, investigado por desfalques milionários na Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). A foto foi tirada em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso.

Jader integra um time de políticos que submergiram sob acusações de corrupção e, depois de amargar uma temporada nas profundezas, voltaram à tona na era Lula. Assim como Fernando Collor, o paraense foi reabilitado após esquecer as rixas com o PT e se tornar um defensor de seus interesses no Senado. A conversão acaba de ser recompensada. Seu filho Helder, 35, foi convidado pela presidente Dilma Rousseff para assumir o Ministério da Pesca.

Além de amarrar o apoio de um velho cacique do PMDB, a escolha atende a outra função da reforma: dar emprego a aliados derrotados nas urnas. A exemplo de Eduardo Braga (Minas e Energia) e Armando Monteiro Neto (Desenvolvimento), o jovem Barbalho perdeu as eleições de outubro. Foi rejeitado na corrida ao governo do Pará, apesar da máquina do pai e do apoio de Lula na TV.

A nomeação do filho de Jader ainda contém um ingrediente de ironia. No escândalo da Sudam, que se arrasta até hoje no Supremo Tribunal Federal, o senador foi associado ao desvio de recursos liberados para um ranário mantido por sua ex-mulher em Belém.

Como ministro, Helder vai comandar a distribuição de verbas federais para a criação de peixes, crustáceos, moluscos, rãs e jacarés.

Luiz Carlos Azedo - A justiça dos homens

• Pequenos acionistas raramente levam a melhor contra a Petrobras em suas ações judiciais. Uma mística nacionalista protege a empresa contra quem a desafia

Correio Braziliense

Mais uma complicação para a Petrobras: o município de Providence, capital do estado norte-americano de Rhode Island, entrou com um processo contra a estatal, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na emissão e na venda de papéis da companhia. O processo foi iniciado em Nova York. Antes do município, outros 10 processos semelhantes foram movidos por escritórios de advocacia nos Estados Unidos, representando fundos e grupos de investidores individuais.

A cidade de Providence tem um fundo dos funcionários públicos e aposentados, com cerca de US$ 300 milhões aplicados em ações, renda fixa e outros investimentos. Esses investidores se sentiram prejudicados pelos casos de corrupção trazidos à tona com a Operação Lava-Jato. A estatal negociou mais de US$ 98 bilhões em títulos na Bolsa de Nova York.

No Brasil, pequenos acionistas raramente levam a melhor contra a estatal em suas ações judiciais. Prevalece o entendimento de que a estatal representa muito mais do que os interesses dos seus acionistas minoritários, mas sim os do conjunto da sociedade, seja pelo fato de ser a nossa maior estatal, seja por sua importância para a economia do país. Uma mística nacionalista protege a empresa contra quem a desafia.

Direito anglo-saxão
Nos Estados Unidos, porém, tudo pode ser diferente. Por força de sua formação histórica, o direito inglês e de todos os países que adotaram o regime da common law, como os EUA, estruturara-se sobre princípios, categorias e conceitos distintos dos que vigoram na Europa continental e suas ex-colônias, como o Brasil.

O historiador Perry Anderson, no livro Passagens da antiguidade para o feudalismo (Brasiliense), destaca a importância das tradições do direito anglo-saxão na formação da Inglaterra; e como isso fez diferença em relação às demais nações do continente surgidas com a decadência do antigo Império Romano, cujas normas jurídicas fundiram-se com tradições germânicas.

A clássica distinção entre direito público e privado, própria da tradição romana, praticamente inexiste no direito anglo-saxão. O direito romano-germânico é estruturado no sistema da civil law, ou seja, baseado em leis. No Brasil, a legislação é codificada com base nesse sistema, em que as leis são atos normativos elaborados pelo Legislativo. Uma de suas características é a generalidade das normas jurídicas, aplicadas pelos juízes aos casos concretos.

O direito anglo-saxão é baseado no sistema da common law, proveniente de uma legislação que não está escrita. Esse tipo de direito representa o que se espera das partes. É possível dizer que o magistrado vai julgar individualmente cada caso, com suas particularidades, baseado no que seria a “média” dos lados envolvidos. No caso de um contrato, por exemplo, vale o que se espera de cada parte, e não o que a lei diria a respeito.

É aí que a presidente da Petrobras, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa, além de outros executivos, estão enrascados. Também estão sendo processadas duas subsidiárias no exterior, a Petrobras International Finance Company, de Luxemburgo; e a Petrobras Global Finance BV, com sede na Holanda, que foram as companhias emissoras dos bônus, além de 15 instituições financeiras, como Morgan Stanley, HSBC Securites, e o Itaú BBA, garantidores dos valores mobiliários emitidos.

A alegação da cidade de Providence é que o município teve prejuízo ao investir em títulos da Petrobras, que perderam valor por causa das denúncias de corrupção e do consequente atraso da publicação do balanço do terceiro trimestre. A empresa não informou o mercado sobre o pagamento de propinas e o esquema de lavagem de dinheiro que ocorriam em sua administração.

Na Corte de Nova York, também correm as demais ações coletivas contra a petroleira. Esses investidores questionam perdas com as American Depositary Receipts (ADRs), que são recibos de ações da empresa brasileira listados na Bolsa de Valores de Nova York. A cidade de Providence, porém, alega perda com papéis de renda fixa, emitidos pela Petrobras no mercado internacional para financiar seu plano de investimentos no pré-sal.

Nos EUA, casos como esses devem ser julgados conforme o que está em contrato e ainda considerar o que se quis dizer com ele, ou seja, mesmo que os contratos sigam o direito romano-germânico, o julgamento das ações contra a Petrobras na Corte de Nova York pode obedecer o direito anglo-saxão, o que favorece os pequenos acionistas.

Rolf Kuntz - Crise da Petrobrás, crise de um estilo de governo

- O Estado de S. Paulo

Dólar em alta, crise na Rússia, estagnação na Europa, ajuste na China, preços de exportação em queda, tudo isso é fichinha, em comparação com a maior fonte de risco para o Brasil - o governo federal, chefiado formalmente pela presidente reeleita, subordinado à fome de poder do PT e com escalação incompleta a poucos dias da posse. A maior parte dos ministros confirmados até o Natal foi escolhida pelo critério do loteamento, com alguma alteração nas cotas partidárias. A noção de competência pode ter influído na seleção de alguns nomes para a área econômica, mas só aí. Os demais postos foram distribuídos para atender às ambições de partidos e de líderes aliados. Alguém terá pensado na competência de cada um para o cargo? Mas o serviço ficou incompleto. Devorados os perus natalinos, faltava preencher 22 postos do Ministério, uma tarefa aparentemente perigosa. Sem a cooperação do Ministério Público, seria difícil puxar a capivara - a folha de antecedentes, na velha linguagem policial - dos possíveis indicados.

A preocupação com a folha corrida dos ministeriáveis é explicável, e até justificável, pela multiplicação de denúncias ligadas ao escândalo da Petrobrás. Algumas pessoas poderão achar louvável esse cuidado. Mas a cautela seria tão importante, se o risco de escolha de algum implicado fosse muito baixo? Não bastaria a verificação rotineira, realizada pelo serviço de informação do gabinete presidencial? A presidente parece insegura em relação ao campo de escolha de colaboradores. Esse campo, no Brasil, tem sido muito restrito, porque o presidencialismo de coalizão foi convertido, na prática, numa partilha de butim.

A limitação do campo combina com uma peculiaridade notável da política e das finanças brasileiras. A economia nacional é uma das dez maiores do mundo. A soma de exportações e importações, a chamada corrente de comércio, supera US$ 450 bilhões. O Brasil capta cerca de US$ 60 bilhões de investimentos diretos e recebe um enorme fluxo de outros financiamentos. Apesar de tantos dólares movimentados, parece haver uma estranhíssima escassez de operadores de câmbio. Sem essa hipótese, como explicar a numerosa e luzida clientela servida por um único operador, Alberto Youssef?

Nesse estranho mundo, a escolha de ministros deve ser mesmo complicada. Com tantos aliados e companheiros listados entre os clientes de Youssef e mencionados pelos beneficiários da delação premiada, fica difícil dizer quem permanece fora da ilustre confraria.

Em outros tempos, a presidente poderia, sem grande risco aparente, nomear clientes do mesmo doleiro para postos importantes da administração direta e das grandes estatais. Estaria apenas seguindo o padrão nacional, consolidado especialmente nos últimos 12 anos, de partilha do poder. Ou, em linguagem mais precisa, estaria repartindo os benefícios proporcionados por um poder estatal convertido em ativo privado, negociável e transferível em arrendamento a partidos e políticos aliados. Esse estilo de administração continua em vigor, mas agora certos cuidados são necessários.

Para começar, alguns membros do serviço público - na Polícia Federal, na Procuradoria da República e no Judiciário - têm agido como funcionários do Estado, sem levar em conta, aparentemente, as conveniências do grupo governante. Isso pode ser chocante para muitos políticos brasileiros, principalmente para aqueles incapazes de distinguir partido e Estado.

Em segundo lugar, as pressões do mercado sobre o governo e as estatais têm ficado mais intensas. A rolagem de títulos públicos tornou-se mais custosa em 2014. As agências de classificação de risco têm intensificado a vigilância. Pouco antes do Natal a Moody's apontou, pela segunda vez em 20 dias, o risco de um novo rebaixamento da nota da Petrobrás. Sem a publicação de um balanço auditado, a empresa poderá ser forçada a antecipar o pagamento de US$ 17,6 bilhões de dívidas. Mas como conseguir o aval de uma auditoria, se o tamanho dos danos causados pelas bandalheiras é ignorado?

Nos Estados Unidos, na véspera do Natal, a cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island, iniciou processo contra a Petrobrás, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na distribuição de papéis da companhia. As acusações atingem a presidente da estatal, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa. Em Nova York, três outras ações coletivas já haviam sido abertas em dezembro. Ninguém está reclamando de um fenômeno típico de mercado, a depreciação das ações, mas da corrupção, só denunciada recentemente, e das informações enganosas.

As investigações sobre a Petrobrás e sobre as pessoas envolvidas na pilhagem da empresa ainda poderão avançar muito mais do que até agora. A devassa realizada pela Polícia Federal e pela Promotoria manterá o caso em evidência mesmo depois de publicadas - ninguém sabe quando - as contas do terceiro trimestre.

O escândalo internacional evidencia mais uma vez a arrogância de quem se apropriou do Estado e se julgou capaz de mandar e desmandar sem consequências. Os promotores da bandalheira superestimaram sua influência dentro e fora do País. Nem todos os envolvidos, é verdade, foram denunciados. Mas ninguém pode seriamente duvidar da responsabilidade de quem exerceu o poder de aparelhar e lotear a administração e de reunir companheiros e aliados num grande saque. A investigação apenas começou.

Até agora, a presidente deu poucos sinais de haver ponderado esses fatos. Alguns ministros poderão esforçar-se para consertar as bases da economia e repô-la em crescimento. Será um trabalho desperdiçado, se a presidente for incapaz de romper com o estilo de governo consolidado na última década. O mau estado da economia é só mais uma consequência desse estilo autoritário, arrogante e irresponsável.

*Rolf Kuntz é jornalista

Vinicius Torres Freire - Dilma 2 e a seleção de 2014

• Ministério de Dilma 2 não parece pior que o de Dilma 1; problema maior é a falta de planos de governo

- Folha de S. Paulo

Gente que se preocupa com o país e com políticas públicas está uma arara com a presença de tanta gente menor ou até gentinha nesse segundo bloco de ministros de Dilma Rousseff. Mas em que se baseia a ideia de que esse ministério seja pior do que aqueles da estreia ou do encerramento de Dilma 1?
Para quem se revolta com a ruindade particular do ministério 2014, convém lembrar que o ministério 2011, mal havia esquentado nas cadeiras, foi depenado devido a rolos com ministros. O governismo marquetou o vexame como "faxina" de uma equipe nomeada fazia meses pela própria presidente recém-eleita, representante de um governo superpopular e, portanto e a princípio, por cima da carne seca para nomear à vontade.

Essa farsa seria varrida para debaixo do tapete meses depois, em 2012, pois os partidos faxinados ameaçavam rebelião, entre outros motivos por serem tidos como banda podre de um governo do qual eram no entanto unha e carne.

Visto de fora e excetuada a equipe econômica, os gabinetes de Dilma 2 e 1 parecem diferir tanto quanto as escalações da seleção brasileira da Copa do Mundo deste ano.

Com exceção de uma ou outra esperança remota, os nomeados não parecem representar projetos ou agregação de pessoas identificadas a um plano setorial de governo. Um ministério, enfim, é isso: um vice-governo.

Pode bem ser que a presidente tenha outra vez juntado a fome (necessidade de "blindagem" e barganha políticas) com a vontade de comer, sua fantasia centralista e contraproducente de poder e administração. A presidente ainda imaginaria que o governo é ela. Os ministros em geral não passariam de fantoches ou figuras dedicadas a outros negócios; a presidente seria de fato auxiliada por capatazes de segundo escalão, que tocariam o trabalho cotidiano nos ministérios.

Essa poderia ser tanto a descrição do gabinete com o qual Dilma encerrou o primeiro mandato quanto um diagnóstico da equipe que vai assumir daqui a quatro dias.

A indignação de cidadãos honestos e prestantes está um tanto deslocada. O ministério Dilma 2 não poderia ser muito diferente do primeiro porque:

1) Falta outra vez projeto de governo, articulação de interesses sociais a fim de tocar reformas substantivas, com o que seriam necessárias lideranças de peso, "políticas" ou "técnicas", com autonomia para tocar a tarefa. Mas a presidente não faz alianças transformadoras. Parece tão isolada política, social e intelectualmente quanto sempre e tão inclinada ao microgerenciamento como de costume. Sem projeto, nomes de ministros são secundários;

2) A presidente está acuada pelos próprios reveses, com pouco prestígio para queimar. Enfrenta os incêndios que tocou nas contas públicas, na Petrobras ou no setor elétrico, por exemplo. Corre o risco da crise política do Petrolão. Terá de lidar com tudo isso durante mais um ou dois anos de estagnação econômica, desta vez com desgaste social. Caso tivesse algum desejo de renovação, por ora estaria sem autonomia para realizá-lo.

Os nomes, ruins quanto possam ser, parecem apenas consequência dessas injunções, ainda que se entenda a frustração repetida, talvez terminal, com o ministério.

Míriam Leitão - No poço fundo

- O Globo

A crise da Petrobras parece um poço que cada vez que se olha está mais fundo. O buraco aumentou com a notícia de que a empresa teria quitado dívidas com fornecedores da Queiroz Galvão. A Petrobras não pode salvar a si mesma e a toda a cadeia produtiva da indústria de óleo e gás, as empreiteiras e os estaleiros. Algumas empresas já tinham dificuldades anteriores.

É absurdo que a estatal pague dívidas de uma empreiteira sob investigação e com dirigentes presos. Se isso for confirmado, e se tornar regra, esta crise vira mesmo um poço sem fundo. Haverá abalos na indústria porque a Petrobras terá que reduzir investimentos na nova conjuntura das dificuldades de captações. No setor de óleo e gás há empresas em dificuldades pelos tremores provocados pelo fim dos delírios de Eike Batista. Alguns estaleiros estavam com problemas antes de a crise estourar. Muitas empreiteiras são caixas pretas e têm relações controversas com seus fornecedores. Imagina a Petrobras bancar tudo isso!

Ela pode acabar convalidando crimes e negociatas, como também aumentar sua própria fragilidade se assumir dívidas alheias, como se já não tivesse as suas. A Moody"s disse que poderá rebaixar a nota de risco da empresa; a Standard & Poor"s avisou que vê a perspectiva da companhia com pessimismo, apesar de ter mantido a nota no pressuposto de que a estatal será resgatada, em caso extremo, pelo seu acionista controlador, o Tesouro da União.

Como pode uma companhia que está reduzindo drasticamente as projeções de investimentos pagar a conta de outras empresas? E por que devem ser socorridas empreiteiras que podem enfrentar os tribunais por corrupção (o que, pela nova legislação dá até pena de extinção das firmas)? O mais difícil é o que será feito para garantir os salários de empregados das fornecedoras da Petrobras. Eles querem receber da estatal.

Para não se agravar ainda mais a situação é preciso que haja transparência e critério. Não se pode resgatar todas as companhias que disserem que estão com problemas por causa das reduções dos investimentos da Petrobras. E muito menos a estatal pode jogar sobre si o custo desse salvamento de empresas.

Há outros pontos de aprofundamento da crise. Um deles é a abertura de vários processos contra a Petrobras nos Estados Unidos. Ainda que lá seja a pátria das ações judiciais, não se pode subestimar o poder dos tribunais americanos. Outro problema que terá que ser resolvido o mais rapidamente possível é o do balanço auditado. Se não houver balanço até o fim do próximo mês, a Petrobras pode sofrer uma onda de cobranças imediatas de dívidas que venceriam a longo prazo.

A reação às denúncias da ex-gerente Venina Velosa está sendo muito ruim. Não é Venina que está em questão. Desqualificar o acusador é técnica antiga, mas ineficiente neste caso. O que precisa de resposta é o que ela está acusando. Se as denúncias dela não foram dirigidas às pessoas a quem ela enviou e-mails longos é preciso provar isso. Dizer que as denúncias não foram entendidas, ou que os documentos que ela agora exibe nunca foram lidos só passa mais a impressão de descontrole da companhia.

Será uma longa crise, esta que foi detonada a partir do que está sendo descoberto pela Operação Lava-Jato. O melhor que a Petrobras tem a fazer é se preparar para todos os cenários, inclusive os que hoje parecem impossíveis, porque a atual situação, se tivesse sido descrita há um ano, pareceria loucura.

A companhia precisa manter dinheiro em caixa, saber o que fazer na evolução desfavorável de cada ação, preparar-se para a eventualidade de ter que quitar dívidas antecipadamente, e não assumir a operação de resgate de empresas que dizem estar sendo atingidas pela crise da Petrobras. Ela não é a nave-mãe, é apenas a maior empresa da indústria de óleo e gás no Brasil e está envolvida na solução de seus próprios problemas.

Até agora nada de convincente foi feito pelo governo ou pela companhia para tranquilizar os investidores e é por isso que eles continuam vendendo as ações mesmo após tanta desvalorização. Preferem se livrar de um papel que está em queda livre. Haverá o momento do retorno, da recuperação, mas agora a empresa está descendo o poço e o fundo ainda não é visível.

Samuel Pessôa - Olhando para trás e para frente

• O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção

- Folha de S. Paulo

Esta é a última coluna do ano. Bom momento para olhar o que se passou em 2014 e divisar 2015.

Há um ano prevíamos para 2014 crescimento de 1,8%, com inflação na casa de 6,0% e investimento em alta de 2,5%. Esse cenário foi construído com Selic (taxa básica de juros, fixada pelo BC) em 10,5%, câmbio médio ao longo de 2014 de R$ 2,40 reais/dólar e superavit fiscal primário (que exclui receitas e despesas financeiras) de 0,5% do PIB, excluindo também as receitas extraordinárias e as deduções permitidas em lei para cumprimento da meta. Finalmente esperávamos que o déficit externo seria de 3,4% do PIB.

O ano fechará com crescimento de 0,1%, inflação de 6,4%, o investimento recuará 7,5%, a Selic média e o câmbio médio foram de respectivamente 10,9% e R$ 2,35, o resultado primário será um deficit de 0,5% do PIB e o deficit externo será de 4,0% do PIB.

Os dois maiores erros de previsão foram no crescimento, 0,1% ante 1,8%, e no crescimento do investimento, 2,5% ante -7,5%. O erro no investimento explica todo o erro no crescimento. (O investimento é da ordem de 18% do PIB e o erro de previsão do investimento foi de 10 pontos percentuais, que gera um impacto sobre a taxa de crescimento de -1,8%.)

A péssima notícia foi que, apesar do desempenho muito ruim da atividade, a inflação elevou-se. Crescimento menor do que o esperado e inflação maior do que a esperada sugerem que ocorreu algum processo de desorganização da economia. Se o baixo crescimento resultasse de recuo da demanda, a inflação teria que surpreender para baixo. Não foi o caso como não tem sido o caso nos últimos anos.

O forte recuo do investimento deveu-se à enorme incerteza com o processo eleitoral e o reconhecimento das pessoas de que a política econômica é não sustentável e, portanto, requererá ajustes à frente. A dificuldade de prever a natureza dos ajustes produziu o forte recuo do investimento.

A inconsistência entre a necessidade de dobrar a aposta na política econômica não sustentável para produzir o resultado eleitoral desejável e a necessidade de indicar algum caminho de ajustamento para dar horizonte ao cálculo empresarial acabou comprometendo o investimento.

Tudo sugere que o governo decidiu ajustar a política econômica. Mas não estão claros a extensão e o comprometimento do ajuste. E essas duas dúvidas têm aumentado nos últimos dias. O cenário que desenharei para 2015 supõe que o comprometimento com o ajuste é forte e, igualmente importante, de que a presidente e o grupo político há 12 anos à frente do Executivo nacional terão habilidade política melhor do que a que demonstraram até hoje para costurar a base de sustentação no Congresso e aprovar as medidas necessárias para arrumar a casa.

Sob essas hipóteses, é possível divisar a economia crescendo 0,5% em 2015. O setor de serviços responderá por 2/3 deste crescimento e a agropecuária pelo terço restante. A indústria continuará estagnada. Pela ótica da demanda agregada, o crescimento de 0,5% virá 2/3 do consumo e 1/3 do setor externo. O investimento não crescerá em 2015. A inflação fechará provavelmente acima da meta, na casa de 6,7%, em função do fortíssimo ajustamento dos preços controlados, de quase 9%. Mas a inflação de preços livres ficará em 6,0%. O câmbio deve fechar em R$ 2,8 reais por dólar e a Selic em 12,75%.

Uma das hipóteses para esse cenário é que a política fiscal melhore muito e tenhamos um superavit recorrente das contas públicas mais próximo de 1% do PIB.

A arrumação da casa fiscal retirará da agenda a possibilidade de rebaixamento da nota de crédito do país e alargará o horizonte do cálculo empresarial que, conjuntamente com o ganho de produtividade resultante da reversão das medidas da nova matriz econômica, pavimentará o caminho para a retomada do crescimento em 2016.

O sucesso da estratégia de ajuste dependerá demais da habilidade na condução da política e de convicção. Na falta de um dos dois não me atrevo a desenhar o que virá pela frente.

Samuel Pessôa, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

Gustavo Franco - O mal-estar da dívida pública

- O Globo

Seis anos depois da crise de 2008, seu maior legado, o excesso de endividamento público, tornou-se o grande desafio dessa segunda década do século XXI. A despeito da estagnação generalizada, sobretudo nas economias muito endividadas, e das constantes alusões à Depressão, já ficou claro que as receitas aplicadas para os problemas dos anos 1930 - o aumento do gasto público -, não servem para uma situação que se assemelha, na verdade, à dos anos 1940 e 1950, quando a "dominância" fiscal prevalecia nos países que tinham estado em guerra.

As soluções para reduzir a dívida utilizadas depois de 1945 são as mesmas apontadas no capítulo sobre dívida pública do popularíssimo manual sobre o "Capital no Século XXI", de Thomas Piketty, em diferentes combinações: austeridade, inflação ou algum imposto confiscatório.

Nada disso parece muito animador, mas, nesse assunto, Piketty deixa de perceber uma quarta possibilidade, que tem a ver com uma simples comparação entre a dívida e o que chama de "capital" (e a maior parte dos economistas chama de "riqueza"). Este cotejo leva facilmente à conclusão de que o problema do endividamento é tanto menos sério quanto mais rico é o país.

Os EUA são ricos em um sentido muito objetivo e que Piketty ajudou a esclarecer: a riqueza acumulada na forma de patrimônio imobiliário e instrumentos financeiros é cerca de cinco vezes o PIB.

As estimativas para o Brasil, que não são de Piketty, mas que seguem métodos semelhantes, são de um número da ordem de duas vezes o PIB.

Antes da crise, em média, os países ricos tinham sua dívida pública na faixa de 65% do PIB, o que corresponderia a menos de 15% da sua riqueza. Os emergentes tinham, em média, dívidas equivalentes a 30% do PIB, representando frações de sua riqueza ligeiramente maiores que as dos países ricos.

Pois bem, o que se passa em 2008?

Embora cada país tenha o seu próprio enredo, todos os que experimentaram a crise hoje se parecem, pois o que restou foi um imenso desastre fiscal.

A dívida pública dos EUA aumentou de 64% para 106% do PIB entre 2007 e 2014. Na Inglaterra foi de 44% a 92% no mesmo período, na França, de 63% para 95%, na Irlanda, de 24% para 112%, na Espanha, de 37% para 99%, em Portugal de 68% para 131%, na Grécia, de 107% para 174% e no Japão, de 183% a incríveis 245%.

O desastre teve soluções diferenciadas em cada lugar. No caso dos EUA, por exemplo, o Tesouro teve que procurar tomadores para algo como US$ 6 trilhões (42% do PIB de 2010). Grosso modo metade dessa dívida nova foi para o banco central americano (FED) que atendeu ao desejo de as pessoas fugirem de riscos privados, trocando-os por papeis públicos. A outra metade foi absorvida através de um gigantesco aumento nas reservas internacionais de países emergentes, do Brasil inclusive, ou seja, os EUA foram, em boa medida, "financiados" pela "periferia" que, por sua vez, desejava comprar um "salvo conduto" contra crises cambiais que sempre lhe custaram caro.

Para países com níveis de riqueza na faixa de 500% do PIB, mesmo considerando que mais da metade dessa riqueza é ilíquida, a ideia de acomodar acréscimos de 20% ou 30% em dívida pública não deveria ser tão assustadora. Mas foi um problema imenso para a Grécia, onde a dívida pública aumentou em 74% do PIB, embora não tenha sido o caso para o Japão (cuja riqueza, segundo Piketty, é seis ou sete vezes o PIB), que ganhou 62% do PIB em nova dívida.

A situação do Brasil, nesse turbilhão, é curiosa. Na partida, em 2007, a dívida brasileira já era elevadíssima: 65% do PIB, um número idêntico ao da Alemanha e dos EUA, para um país bem menos rico. Na verdade, como proporção da riqueza, a dívida pública brasileira era maior que 30% em 2007, quando a mesma proporção era de 25% na Grécia.

A dívida bruta do Brasil não sofreu grandes alterações durante o período em que o país manteve um superávit primário perto de 3% do PIB, o que pode parecer paradoxal. A explicação é que o país aumentou brutalmente suas reservas internacionais a partir de meados da primeira década do século XXI de tal sorte que a dívida líquida efetivamente caiu substancialmente, de cerca de 60% do PIB em 2003 para 33% em 2013.

Pode-se apenas especular sobre o que teria se passado com câmbio e juros caso o Brasil tivesse adotado ao pé da letra o mantra das taxas de câmbio flutuantes e não tivesse emitido dívida em reais para comprar esses dólares e investir em títulos do Tesouro Americano. Entretanto, enquanto durou o esforço fiscal, a dívida líquida foi caindo e assim criando um círculo virtuoso de melhoramento fiscal, redução da "dominância" fiscal e redução dos juros.

Em 2008/09, todavia, sob o comando de Dilma Rousseff, começa a se desfazer o esforço fiscal, e com isso se interrompe gradualmente a dinâmica virtuosa de redução na dívida e nos juros. Uma decisão de rara infelicidade e absoluta imprevidência.

Gradualmente se restaura a dominância fiscal e se deteriora o custo, o perfil e o tamanho da dívida pública. Deixa de ser possível reduzir a taxa de juros, como é característico de países com excesso de endividamento e problemas de credibilidade.

Isso se comprova, por um lado, a partir da constância do "custo implícito" da dívida (ou a razão entre serviço da dívida, em todas as suas formas, e o principal), que permanece ao redor de 15% nos últimos anos, a despeito de flutuações na Selic.

Por outro lado, e mais preocupante, cresce a resistência à rolagem dos títulos públicos. No Brasil, diferentemente do que ocorre, por exemplo, com a Grécia, diante do fracasso de um leilão, o Tesouro amortiza os valores não rolados usando recursos de sua conta no BCB, conhecida como "a conta única". Entretanto, em resposta a esta "expansão de liquidez", o Banco Central do Brasil (BCB) vende papeis do Tesouro de sua carteira em condições melhores que aquelas que o Tesouro pretendia, em preço e prazo, e com isso, acaba perfazendo a rolagem que o Tesouro não conseguiu.

Essas operações, conhecidas como "operações compromissadas", já se aproximam de R$ 1 trilhão para uma dívida total de R$ 3 trilhões. Ou seja, um terço da dívida pública interna está "encalhada" e vem sendo absorvida pelo BCB, tal como nos velhos tempos da hiperinflação e atropelando a proibição constitucional de o BC financiar o Tesouro, direta ou indiretamente (CF, Art. 164, §1).

Em resumo, a decisão de Dilma Rousseff de mudar a política fiscal reintroduziu o Brasil num problema do qual estava prestes a se livrar. Foi um erro histórico que parece se encaixar naquele velho paradigma, certa vez descrito por um célebre governador paulista: "quebrei o estado, mas fiz meu sucessor". A malícia se torna infortúnio, todavia, se o sucessor é o próprio.