Se a volta às aulas coloca em risco a saúde da população, o prefeito de São Paulo tem o dever de adiá-las. Governar exige que sejam tomadas as decisões necessárias
Diante das evidências científicas disponíveis, é acertada a decisão da Prefeitura de São Paulo de adiar a volta às aulas. De acordo com as orientações do governo estadual, as escolas públicas e privadas da cidade poderiam retornar às atividades presenciais no dia 8 de setembro. No entanto, a administração municipal entendeu ser temerário reabrir as instituições de ensino no próximo mês. “Retomar as aulas nesse momento, para a Prefeitura de São Paulo, significaria a ampliação do número de casos, a ampliação em consequência do número de internações e do número de óbitos”, disse o prefeito Bruno Covas. Num momento em que políticas públicas são motivadas por achismos e populismos, é alvissareiro que a Prefeitura se baseie na medicina. Sempre, mas especialmente numa pandemia, a ciência é elemento necessário na identificação e realização do interesse público.
Para tomar a decisão sobre as aulas presenciais, a Prefeitura realizou inquérito sorológico com 6 mil estudantes entre 4 e 14 anos da rede municipal. O estudo identificou que 16,1% dos jovens testados têm anticorpos para o novo coronavírus. Além disso, do total dos jovens avaliados, 64,4% são assintomáticos para a covid-19. Tais porcentuais revelam que eventual reabertura das escolas no próximo dia 8 de setembro representaria um risco muito alto de disseminação do novo coronavírus. Ou seja, muito do esforço que se tem feito desde março com o isolamento social poderia ser perdido, com sérios riscos para toda a população.
A Prefeitura de São Paulo anunciou que, para a definição de uma possível volta às aulas em outubro, fará mais três estudos, que incluirão também alunos de instituições privadas e da rede estadual. Nesses novos estudos, a administração municipal pretende colher informações sobre a contaminação dentro das famílias. A Prefeitura estima que 25,9% dos alunos da rede municipal (cerca de 250 mil crianças) moram com pessoas acima dos 60 anos. Com isso, a volta às aulas colocaria em perigo muitos idosos e pessoas em grupo de risco da covid-19.
Como que a corroborar o acerto da decisão da Prefeitura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fez recentemente uma série de recomendações para o retorno ao ensino presencial, mostrando que o tema exige muito cuidado das autoridades públicas. Segundo o diretor de emergências da entidade, Michael Ryan, é necessário implementar uma política de rastreamento e isolamento das pessoas infectadas pela covid-19 e de quem esteve em contato com elas para a reabertura das escolas. “Se queremos a volta às escolas, se queremos que as sociedades voltem ao normal, precisamos pôr um foco maior em identificar e testar casos suspeitos, identificar todos que tiveram contato com esse caso e pedir que se isolem em quarentena por 14 dias”, disse.
Além da necessidade dessas medidas para o controle da transmissão do novo coronavírus, a OMS alertou que a falta de colaboração dos cidadãos em seguir as recomendações sanitárias causa aumento da taxa de infecção da doença. “Vigilância ruim e rastreamento de contatos mal feito, junto com participação da comunidade imperfeita na redução de riscos, é uma mistura muito, muito perigosa”, disse o diretor de emergências da OMS.
O Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado de São Paulo (SIEEESP) criticou o adiamento das aulas presenciais e pretende contestá-lo judicialmente. Cabe ao Judiciário respeitar e proteger a decisão da Prefeitura, sem adicionar novas inseguranças a um cenário por si só já conturbado e com muitas incertezas. Além de estar baseado em evidências científicas, o adiamento é exercício responsável das competências que a Constituição de 1988 atribui à esfera municipal. Tal como reconheceu o Supremo Tribunal Federal (STF), o cuidado com a saúde pública é uma competência comum da União, dos Estados e dos municípios. Se a volta às aulas coloca em risco a saúde da população, o prefeito tem o dever de adiá-las. Governar é exercício de responsabilidade, exigindo não poucas vezes decisões impopulares, mas necessárias.
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