Dificuldade para manter veto a reajustes do funcionalismo resulta da articulação política sofrível
O veto do presidente ser derrubado por senadores e deputados é parte do jogo democrático. O governo Bolsonaro, contudo, não tem como se esquivar da responsabilidade por derrotas acumuladas nos embates com o Congresso. Bolsonaro é recordista em Medidas Provisórias rejeitadas ou caducas no primeiro ano de governo — até hoje, das com tramitação encerrada, 55% não foram aprovadas. Nos últimos 20 anos, foi o presidente com mais decretos e MPs questionados no STF. A última derrota ocorreu quarta-feira, quando 42 senadores tentaram derrubar seu veto a reajustes salariais ao funcionalismo até o final de 2021. Graças à costura do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, evitou-se o pior. Mesmo assim, o Brasil ficou perto de ter de amargar uma conta de R$ 130 bilhões, numa crise fiscal dramática.
O veto era parte do acordo para o Tesouro conceder R$ 125 bilhões de fôlego a estados e prefeituras endividados, atingidos pela crise da pandemia (R$ 60 bilhões em auxílio). O custo da derrota equivaleria, portanto, à cifra do socorro. Quer dizer: para políticos ficarem de bem com o funcionalismo, custaria o dobro ao contribuinte. Apesar do que disse depois da derrota, Bolsonaro nunca manifestou convicção nas questões fiscais. Foi o então líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo, quem apresentou a lista das categorias com direito a aumento, como pedido do próprio Bolsonaro — um leque que incluía policiais legislativos, professores, militares, peritos, profissionais de limpeza, da agropecuária e da segurança... tudo a pretexto do combate à Covid-19. Bolsonaro ainda atrasou a promulgação do pacote para dar tempo a um aumento a policiais estaduais.
Reajustes para os servidores são inconcebíveis não só pelas restrições fiscais por que passa o Estado, mas também por uma questão de justiça. Enquanto funcionários da iniciativa privada receberam em junho 21% a menos do que ganhavam antes da pandemia, a remuneração do funcionalismo caiu apenas 3%. Dois terços dos funcionários federais estão entre os 10% mais ricos. A frase do ministro Paulo Guedes pode ter repercutido mal em Brasília, mas ele tem razão: é mesmo “um crime contra o país” converter dinheiro para a saúde em salário para o funcionalismo.
O Senado, em particular, se tornou foco do populismo legislativo. Engavetou três propostas de emenda à Constituição destinadas a conter gastos públicos — entre elas, a PEC emergencial, que permitiria reduzir salários e jornadas do funcionalismo.
O governo se aproximou do Centrão na tentativa de reduzir o dano da falta de conexões no Congresso. O caminho do fisiologismo, no entanto, tornou o Planalto refém dos humores paroquiais do Parlamento. A dificuldade para manter o veto ensina que o “toma lá dá cá” não resolve tudo. A articulação política em torno de uma base estável é fundamental, justamente para garantir a aprovação de medidas que afetam interesses corporativos, como a reforma administrativa. Sobretudo num momento em que só a agenda de reformas poderá retirar o país do buraco.
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