Intervenções
na Constituição devem ser eventos raros
Era
claro como o dia que o STF não deveria ter liberado a reeleição dos presidentes
da Câmara e do Senado, como pareceu que faria. O veto
constitucional à recondução dos chefes do Poder Legislativo numa mesma
legislatura é expresso (art. 57, § 4) e não vejo necessidade jurídica de
relativizar a norma, que, de fato, não é nenhuma maravilha. Mas caberia aos
próprios legisladores eliminá-la ou reformulá-la, através de uma emenda
constitucional. Fora disso, entramos no terreno do casuísmo deslavado.
É preciso, porém, cuidado para não cair no extremo oposto ao do relativismo constitucional e advogar por uma versão tupiniquim do originalismo norte-americano, segundo o qual a Carta precisa ser sempre lida literalmente e de acordo com o significado que os termos tinham à época em que ela foi elaborada.
Penso
que constituições só perduram no tempo porque são documentos vivos, cujo
sentido é atualizado a cada nova geração de intérpretes. E isso, obviamente,
exige que o texto tenha maleabilidade. O problema, portanto, não está em o STF
ir contra o que está escrito na Carta ou introduzir-lhe ideias que não estão,
mas a frequência com que o faz e os motivos que invoca.
Esse
tipo de intervenção precisa ser raro. A autocontenção é a maior virtude das
cortes constitucionais. Em minha modesta opinião, os ministros deveriam
reservar seus superpoderes apenas para situações de ampliação de direitos
individuais que o Legislativo não consegue promover.
Se juízes constitucionais se entregam a casuísmos, todas as suas decisões passam a ser percebidas como motivadas por interesses políticos ou pessoais, a credibilidade da corte se esvai e, com ela, um dos principais mecanismos que permitem manter viva a Constituição. Gostaria de acreditar que foi essa percepção que definiu o resultado da votação sobre a reeleição e não a pressão das redes sociais. Meu otimismo não chega a tanto.
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