É falacioso
e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do
Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de
interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a
uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia
(DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro. Diferentemente da eleição municipal, na qual
resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na
disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a
anterior. O presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura
para isso neste momento).
A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.
Ao
dar corda para vários postulantes à sua cadeira enquanto havia outro, Arthur
Lira (PP-AL), colocado há anos e já com o apoio do Planalto, o deputado do DEM
sempre deixou implícito que estava embarcado no plano do correligionário
Alcolumbre, ainda que em público dissesse o contrário. Agora larga atrás para
montar uma estratégia que mantenha o bloco em torno de si coeso e destaque
entre os vários précandidatos alguém capaz de vencer a dupla Bolsonaro-lira.
É
impossível? Não é. A economia patina, o governo não tem agenda na Câmara e a
hesitação num assunto sensível à base dos deputados, que é a substituição do
auxílio emergencial, joga contra o governo. Além disso, Lira é um candidato
cheio de rolo, que não conta com a simpatia da opinião pública e que tem a
imprensa, o Ministério Público e o STF nos calcanhares. Se souber, como já
soube no passado, catalisar essas deficiências e organizar o jogo, Maia tem
chance de eleger um sucessor. Precisará, ainda, fazer com que os partidos que
se opõem a Bolsonaro – e aí têm de entrar PT e PSDB, além de parcelas do que se
convencionou chamar de Centrão – entendam que dar a ele o comando da Câmara
agora é facilitar sobremaneira seu caminho para 2022.
Precisa metabolizar a derrota vexatória que passou neste fim de semana, e à qual se submeteu porque foi excessivamente vaidoso e não soube sair de cena e construir um sucessor, e partir para a ação o mais rápido possível, porque só resta um mês e pouco para colocar uma nova estratégia em prática.
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