Não
foi a circunstância política que determinou a derrota da proposta de reeleição
de Alcolumbre e Maia
O
Supremo surpreendeu aqueles que esperavam que referendasse a reeleição de
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ambos do DEM, à presidência das duas Casas do
Congresso. Embora ministros possam mudar de voto até dia 14 se quiserem, a
maioria de seis votos a cinco já afirmou preferir a interpretação literal do
artigo 57 da Constituição. O texto não parece deixar margem a dúvida ao
estabelecer que Câmara e Senado, a partir de 1º de fevereiro do primeiro ano de
uma nova legislatura, devem escolher e empossar os parlamentares que comporão
as respectivas Mesas, para mandato de dois anos, “vedada recondução para os
mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente”. Mesmo assim, havia outras
interpretações.
O
ministro Gilmar Mendes, relator da ação do PTB contra a reeleição, entendeu que
ela poderia ser estabelecida por um ato regimental do próprio Congresso —
favorecendo um novo mandato a Maia e Alcolumbre. Considerou também que, a
partir da próxima legislatura, deveria valer o mesmo princípio que vigora no
Executivo desde 1997, quando foi aprovada a emenda que estabeleceu a reeleição
do presidente da República por um único mandato. O ministro Nunes Marques sugeriu
que esse princípio deveria valer desde já (solução que permitiria a recondução
de Alcolumbre, mas não a de Maia, agastado com o Planalto).
Depois que os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Nunes Marques — este, em parte — e Alexandre de Moraes haviam seguido o relator, a maioria decidiu no final, com o voto do presidente da Corte, Luiz Fux, que se somou aos de Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, que, se quiser reeleger seus comandantes, o Congresso precisa emendar a Constituição para permiti-lo, sem lançar mão daquilo que Fux chamou de “atalho” ao Judiciário.
Barroso,
contudo, mesmo tendo preferido interpretar a Carta ao pé da letra e vedar as
reeleições, afirmou que poderia haver situações que justificassem outra
interpretação do texto constitucional diante dos fatos ou da evolução da
sociedade, a que chamou de “mutação constitucional”.
O
julgamento, realizado no plenário virtual, em que os ministros publicam os
votos por escrito, sem debate, tratou de assunto de interesse imediato do
presidente Jair Bolsonaro, que tem em Maia um rival político e investe numa
aliança com o Centrão. Embora possa ter interferido neste ou naquele voto, não
foi essa circunstância política que determinou a escolha do Supremo. Trata-se,
ao contrário, de uma decisão tomada pelo tribunal de modo independente, como
reflexo do amadurecimento das instituições no Brasil.
Por
mais que possam favorecer este ou aquele grupo político, as decisões do STF
devem mesmo se pautar pela independência. Explicitadas as divergências, é a
maioria do tribunal que tem a prerrogativa de interpretar a Constituição. Foi o
que fizeram os ministros, ao trazer clareza a uma questão que despertava
controvérsia. Não há mais margem para dúvida agora.
Estado
precisa ter um plano para conter a tragédia das balas perdidas – Opinião | O
Globo
Na
sexta-feira, duas meninas foram mortas quando brincavam na porta de casa, na
Baixada
As
meninas Emilly Victoria da Silva Moreira Santos, de 4 anos, e Rebecca Beatriz
Rodrigues Santos, de 7, são as mais novas vítimas numa estatística ignóbil que
o Rio não consegue conter. Na noite de sexta-feira, as primas foram mortas por
balas perdidas quando brincavam na porta de casa, na comunidade Barro Vermelho,
em Caxias. Havia cinco PMs no local, mas eles negam que tenham atirado. Lídia
da Silva Moreira Santos, avó de Rebecca, afirma ter visto os policiais dando
uma rajada de tiros em direção à rua onde elas estavam.
É
fundamental que a polícia esclareça o que ocorreu. Os fuzis e as pistolas que
estavam com os PMs foram apreendidos. Passarão por perícia, como manda o
protocolo. Os agentes prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios da Baixada
e negaram participação no crime. Segundo moradores, no momento em que as
meninas foram baleadas não havia operação na comunidade. Espera-se, no mínimo,
que os responsáveis pelas mortes sejam identificados e punidos.
Mas
só isso não resolve. É preciso interromper o ciclo macabro. De acordo com a
plataforma Fogo Cruzado, 22 crianças ou adolescentes foram atingidos por balas
perdidas este ano no estado, e oito morreram. Não é possível que alguém ache
isso normal. Mal começara o ano, a menina Anna Carolina de Souza Neves, de 8
anos, foi baleada no sofá de casa, em Belford Roxo. No fim de janeiro, Arthur
Gonçalves Monteiro, de 5, foi ferido na cabeça ao acompanhar o pai numa partida
de futebol no Morro São João, Engenho Novo.
Famílias
são destruídas, a sociedade protesta, mas logo surge uma nova história trágica
para fazer esquecer a anterior. Raramente chega-se à autoria dos crimes. Em 9
de outubro, o menino Leônidas Augusto da Silva de Oliveira, de 12 anos, foi
alvejado quando estava com a avó em frente a um supermercado na Avenida Brasil.
Após o sepultamento, um primo do menino, Guilherme Lopes, fez a pergunta
perturbadora: “Quantas crianças mais a gente vai perder para a violência por
omissão do Estado?”. Dois meses depois, a resposta é o silêncio.
As
economias que a família de Emilly guardara para o aniversário de 5 anos, no dia
23, foram usadas para enterrá-la, no sábado, com o mesmo vestido de princesa da
Disney que ela sonhava usar na festa. Que Estado é este, que extermina o futuro
de suas crianças, que transforma os mais inocentes contos de fada em histórias
brutais de horror?
No
domingo, numa rede social, o governador em exercício, Cláudio Castro, lamentou
as mortes, solidarizou-se com as famílias e disse que o Estado dará uma
resposta à sociedade. É necessário ir além. Ele precisa definir o plano do
governo para acabar com essa infâmia que envergonha o Rio.
A Lei de Responsabilidade Social – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
LRS tenta reduzir a desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto no
desenvolvimento
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um projeto que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS). A importante iniciativa estabelece como metas a redução da pobreza e da miséria, que antes da pandemia já atingiam respectivamente 12,3% e 6,4% da população, para 10% e 2% em três anos. Além disso, prevê o acionamento de gatilhos no caso de frustração das metas.
A
LRS responde à urgência imediata provocada pela pandemia, mas vai além, ao
tentar reduzir a crônica desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto
no desenvolvimento e fomenta a demagogia.
Em
todo o mundo a pandemia avivou o debate sobre o papel do Estado na proteção aos
vulneráveis e no fomento à sua emancipação. Ao mesmo tempo, a crise sanitária e
econômica se sobrepôs a uma crise de representatividade, que reflete a
desconfiança da sociedade ante elites políticas incapazes de responder às suas
angústias canalizando seus impostos em políticas públicas efetivas, e cujo lado
sombrio se caracteriza pela ascensão dos populismos.
No
Brasil, o quadro é agravado por estruturas que perpetuam a imobilidade social,
mal tocada por programas de transferência de renda que só se prestaram a criar
currais eleitorais para seus padrinhos.
O
projeto apresentado no Senado aparentemente vai numa direção diferente, a
começar pelas condições para sua consecução, a saber, os dois alicerces da lei:
o estrito respeito às regras do processo legislativo, orçamentário, financeiro
e fiscal e uma arquitetura que diferencia, integra e racionaliza ações de
transferência de renda; mitigação e flutuação de renda; estímulo à emancipação
econômica; e promoção da igualdade de oportunidades. Somente combinados esses
fundamentos podem promover a expansão sustentável da rede de proteção.
Programas
assistenciais improvisados, sem o controle da dívida pública, acabariam por
gerar o efeito reverso: baixo crescimento econômico e inflação, afetando,
sobretudo, os mais pobres. Ao mesmo tempo, é indispensável diagnosticar as
formas de vulnerabilidade e seus remédios.
A
situação das famílias em pobreza extrema e estrutural, necessitadas de
transferências regulares de renda que garantam sua subsistência e dignidade, é
diversa da daquelas famílias que em condições normais geram renda e se mantêm
acima da linha da pobreza, mas que em momentos de choque precisam de uma
espécie de seguro que suplemente suas perdas. Entre os dois polos, há o
contingente de informais com capacidade de gerar renda, mas sujeitos à
volatilidade de seus rendimentos sem as tradicionais proteções aos
assalariados.
Assim,
a LRS prevê três benefícios para substituir o Bolsa Família: o Benefício de
Renda Mínima, para os extremamente pobres; o Programa Poupança Seguro Família,
para os trabalhadores de baixa renda, incluindo os informais; e a poupança Mais
Educação, para os jovens que se formam para integrar o mercado de trabalho.
Muito
além dos méritos sociais da proposta, ela é um sinal salutar de protagonismo da
sociedade civil e de revigoramento das forças políticas. O projeto foi
elaborado pelo senador Tasso Jereissati com base numa proposta do Centro de
Debates de Políticas Públicas.
O
senador e seus colaboradores representam o Congresso que funciona, o mesmo que
aprovou a reforma da Previdência e o Marco do Saneamento (que, por sinal,
contou com atuação decisiva de Jereissati), operando à margem da inépcia do
governo e contra suas manobras populistas. Dos R$ 46 bilhões previstos para o
custeio do programa, cerca de R$ 35 bilhões viriam do Bolsa Família e o
restante seria gerado pelo remanejamento de emendas parlamentares, ou seja, por
meio de negociações políticas, de modo a mantê-lo dentro do teto de gastos.
Assim,
às vésperas de um 2021 turbulento, a LRS se apresenta não só como um mecanismo
eficiente para responder às mazelas sociais crônicas agravadas pela pandemia, mas
como uma expressão da conciliação entre a genuína cidadania e a boa política,
aquela construída a partir de negociações entre os representantes eleitos em
resposta aos apelos da sociedade civil.
Vitória apertada da Constituição – Opinião | O Estado de S. Paulo
É
o exercício do poder que deve se submeter, sem exceções, à Carta, e não o
contrário
Por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim à manobra inconstitucional que tentava abrir a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Seis ministros entenderam que o texto do art. 57, § 4.º da Constituição – “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente” – não permite interpretação autorizando a reeleição da presidência das Casas Legislativas.
Foi
uma vitória importante da Constituição. Em primeiro lugar, mostra que, apesar
dos pesares, o Supremo respeita o texto constitucional, sem tolerar
interpretações que na prática negam o conteúdo e o sentido da norma escrita.
Além de aportar segurança jurídica, a defesa da Constituição relembra a
existência de limites claros a quem deseja que o Direito se curve a suas
pretensões de poder. Num Estado Democrático de Direito, é o exercício do poder
que deve se submeter, sem exceções, à Constituição, e não o contrário.
Além
disso, ao mostrar que as regras do jogo são claras, sem margem para novas
interpretações, a decisão do Supremo é uma contribuição para o bom andamento
dos trabalhos do Legislativo. Por exemplo, não há mais motivo para que a pauta
do Senado fique condicionada às pretensões do presidente do Senado, Davi
Alcolumbre, de se manter no cargo por mais dois anos. Com a reafirmação da
validade do art. 57, § 4.º da Constituição, o STF permite que o Congresso
esteja voltado à análise e votação dos projetos e reformas de que o País
precisa.
Especialmente
neste momento, com a pandemia de covid-19 a exigir atuação coordenada e
diligente do poder público, além dos muitos desafios sociais e econômicos a
serem enfrentados, a conclusão do julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) 6.524 representa uma excelente notícia para o País.
Mas é preciso reconhecer que a margem apertada do resultado, com cinco
ministros defendendo relevar o texto constitucional, traz preocupações e
suscita reflexão.
Cinco
ministros do STF entenderam que faz parte de sua competência jurisdicional
suspender a aplicação de parte da Constituição, reescrevendo-a, quando, segundo
seu juízo, determinada conjuntura política assim o recomendar. Sob essa
estranha lógica, o critério decisório do Judiciário não estaria determinado
pelo Direito, mas poderia ser revisto, atualizado ou mesmo inventado por um
magistrado. Trata-se de tese perigosa. No regime democrático, quem faz as leis,
ou quem altera a Constituição, é quem recebeu, pelo voto popular, tal
atribuição.
Também
causou perplexidade o fato de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a
Advocacia-Geral da União (AGU) deram, em alguma medida, aval à possibilidade de
reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Em suas manifestações na Adin
6.524, PGR e AGU alegaram que a decisão sobre o tema cabia ao Congresso, e não
ao Judiciário, por força do princípio da separação dos Poderes. Vale lembrar
que a missão da PGR, órgão máximo do Ministério Público, é defender a ordem
jurídica e o regime democrático, e não interesses políticos que afrontam
precisamente essa ordem jurídica.
A
AGU é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente. Sua
manifestação no caso é, assim, registro da participação do Palácio do Planalto
na manobra para descumprir a Constituição, fazendo-se submisso às mais deletérias
pressões políticas. Para apoiar as pretensões de Davi Alcolumbre, o Executivo
federal não teve receio de ignorar o Direito.
Conjunturas
políticas não podem prevalecer sobre a Constituição. “É inaceitável que as
Casas Legislativas disponham conforme as conveniências reinantes, cada qual
adotando um critério, ao bel-prazer, à luz de interesses momentâneos”, disse o
ministro Marco Aurélio, no voto que abriu divergência e acabou por sagrar-se
vencedor.
Ao
contrário do que insinuam as teses autoritárias, crises ou tempos atribulados
não são desculpa para desvios à margem da Constituição. Como lembrou o Supremo,
o único caminho é o cumprimento do Direito, sem exceções.
A importância do SUS – Opinião | O Estado de S. Paulo
Cerca
de 64% da população depende exclusivamente do atendimento pelo SUS
A emergência sanitária provocada pela pandemia de covid-19 tornou ainda mais evidente a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para a preservação da qualidade de vida e da própria vida de milhões de brasileiros. Quase dois anos antes do surgimento no País dos primeiros casos de infecção pela covid-19, mais de 133 milhões de pessoas não tinham nenhum integrante da família com algum plano de saúde. Essas pessoas dependiam exclusivamente do atendimento pelo SUS. O número corresponde a praticamente 64% da população estimada em 2018, de 208,5 milhões de habitantes. Os dados fazem parte da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 – Perfil das Despesas no Brasil que acaba de ser divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A
POF, como é conhecida a pesquisa, contém dados importantes sobre as condições
de vida da população. Ela descreve como as diferentes despesas das famílias
pesam na composição do orçamento doméstico. O peso de cada item de gasto nas
despesas gerais das famílias de acordo com suas classes de renda é utilizado na
composição dos principais índices de inflação calculados pelo IBGE, como o
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador da
variação dos preços no País e baliza da política de metas inflacionárias do
Banco Central. Os resultados da POF são utilizados também na montagem e
execução de diferentes políticas públicas, sobretudo na área social.
Num
ano definitiva e dramaticamente marcado pela crise de saúde, que afetou a vida
das pessoas e fez despencar a atividade econômica, os dados sobre a relevância
do papel que, há tempos, o SUS vem desempenhando no atendimento de milhões de
pessoas são de grande relevância. “Esse dado (sobre o número de brasileiros que dependem exclusivamente do
sistema público de saúde) já nos dá um panorama da importância do
SUS para as famílias”, destaca o estudo do IBGE.
Se
essas pessoas tivessem de arcar com gastos com planos de saúde ou com
tratamento médico privado, haveria “efeitos perversos na estrutura de gastos
das famílias, ou seja, mudança de alocações orçamentárias para garantir o
acesso à saúde privada, diminuindo a demanda por outros bens e serviços”.
Além
de reafirmar, com dados expressivos, o papel do SUS mesmo antes da pandemia,
que o acentuou, a POF contém outras informações relevantes sobre a renda e as
condições de vida dos brasileiros.
Na
estrutura orçamentária das famílias brasileiras, a habitação responde pela
maior parcela dos gastos de consumo. Seguem-se transporte e alimentação. Parte
dos brasileiros tem gastos muito altos com moradia. Para 1,7% das pessoas, o
custo do aluguel passava de um terço da renda familiar disponível, o que o
estudo do IBGE considera “ônus excessivo”.
Embora
se gaste boa parte do orçamento doméstico com habitação, ainda há milhões de
brasileiros que moram em condições inadequadas. Segundo a POF, 23,5% da
população não vive em moradia plenamente adequada. São cerca de 50 milhões de
pessoas nessa condição.
O
IBGE considera inadequado o domicílio que tenha pelo menos uma das
características como parede sem revestimento; madeira aproveitada ou outro
material; telha sem laje; piso de cimento, terra ou outro material; e domicílio
sem banheiro exclusivo. Se a classificação de habitação inadequada incluísse
falta de serviços de saneamento básico, como coleta e tratamento de esgotos, o
porcentual seria bem maior.
Nem
quem vive em habitações de melhor qualidade tem mais segurança. Segundo o IBGE,
79 milhões de pessoas vivem em domicílios em regiões afetadas por violência ou
vandalismo.
Quanto
à renda, a POF constatou que cerca de 30% da população com menor rendimento no
País vivia com menos do que considerava necessário para chegar ao fim do mês.
Já a renda mínima declarada pelos 10% com os maiores rendimentos era 8,5 vezes
maior do que a dos 10% com menores rendimentos.
Por um triz – Opinião | Folha de S. Paulo
Maioria
salva o STF de subverter vedação da Carta à reeleição no Legislativo
O
parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição Federal é cristalino: “Cada uma
das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no
primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das
respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o
mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.
A
reeleição para os cargos de presidente da Câmara e do Senado está expressamente
proibida. Desde 1999 estabeleceu-se a prática, coerente com a orientação do
dispositivo constitucional, de possibilitar a recondução para o início de uma
nova legislatura, quando toda a Casa dos deputados e parte da dos senadores
acabaram de ser renovadas pelo voto popular.
Diante
da impossibilidade, restaria aos inconformados apenas o caminho de tentar
alterar o texto da Carta por uma emenda. Não no Brasil, onde questões
eminentemente políticas costumam ser decididas pelo juízo da corte
constitucional. Por
um triz o STF deixou de abonar esse hábito casuístico.
Por
6 votos a 5, num julgamento no plenário virtual, a corte manteve
o primado da gramática e da sintaxe da lei fundamental sobre
interesses oportunistas inclinados a atropelá-las em nome de facultar nova
eleição aos demistas Davi Alcolumbre (AP), no Senado, e Rodrigo Maia (RJ), na
Câmara.
Que
um partido político, o PTB, tenha deflagrado a operação ao provocar o Supremo,
faz parte do jogo. Anomalia foi cinco ministros aceitarem debater a tese —a
sigla do notório Roberto Jefferson queria proibir recondução inclusive em
legislatura diferente— para colocar de ponta-cabeça uma ordem solar da
Constituição de 1988.
Gilmar
Mendes, relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski
chegaram a conclusão esdrúxula —citando autonomia do Legislativo e o fato de a
reeleição ter passado a ser válida para o Executivo—, a qual na prática
liberava a recondução dos atuais presidentes da Câmara e do Senado em fevereiro
próximo.
Superou-os,
na criatividade destruidora da vontade do constituinte, o novato Kassio Nunes.
Para o ministro, cabia facultar a reeleição só a Alcolumbre, um dos
facilitadores da sua ascensão à corte, não a Maia. Começou mal para alguém que
ainda precisa demonstrar independência ante o presidente Jair Bolsonaro, a
quem interessava manter Alcolumbre.
Submissão
às regras do jogo e aos protocolos para alterá-las constitui pilar do
desenvolvimento político, social e econômico.
Poderia
até ser conveniente, para continuar a repressão ao autoritarismo de Bolsonaro,
a manutenção dos atuais presidentes do Legislativo —sobretudo de Maia, que tem
atuado como primeiro-ministro de fato e barrado as loucuras mais patentes do
Planalto.
Não se combatem, entretanto, os adversários da democracia liberal com os instrumentos deles.
Mais
uma farsa – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
pleito sem oposicionistas e interesse popular, Maduro retoma Assembleia
Se
havia ainda algum resquício de democracia na Venezuela, foi enterrado no
domingo (6). Para a surpresa de ninguém, o regime do ditador Nicolás
Maduro retomou o controle da Assembleia Nacional numa votação que pode
ser qualificada de muitas maneiras, mas não de limpa, livre e justa.
O
simulacro eleitoral promovido por Maduro e seus sequazes não contou com os
principais partidos da oposição —que ou foram retirados da disputa ou
desistiram de participar ante as irregularidades dos pleitos anteriores. A
presença de observadores internacionais terminou reduzida a um punhado de
simpatizantes do chavismo.
Soma-se
a isso o fato de que a eleição foi convocada por um Conselho Nacional Eleitoral
(CNE) escolhido de modo irregular, sem a chancela do Parlamento, como determina
a Constituição, e apenas com membros vinculados à ditadura.
Não
surpreende, pois, o desinteresse da população no pleito. Malgrado os esforços
do regime, que distribuiu porções extras de comida para aqueles que foram
votar, somente 31% dos eleitores compareceram às urnas, segundo o CNE.
Trata-se
da última de uma série de manobras capitaneadas por Maduro com o objetivo de
anular a contundente vitória oposicionista na eleição legislativa de 2015,
último sufrágio venezuelano que pode ser considerado justo.
Desde
então, as decisões do Parlamento passaram a ser invalidadas pela Justiça, sob
domínio chavista. Num passo seguinte, o regime elegeu em 2017 um Congresso
paralelo, que usurpou as funções da Assembleia Nacional.
Com
os desmandos institucionais, intensificou-se a perseguição de lideranças da
oposição. O novo avanço deve marcar o ocaso de um já débil Juan Guaidó, o
deputado oposicionista que em 2019 se autoproclamou presidente interino.
Embora
tenha conquistado o reconhecimento de mais de 50 países, Guaidó, uma vez fora
do Legislativo, inevitavelmente perderá força para enfrentar o regime.
Não
se vê, assim, um horizonte claro para o esgotamento do autoritarismo na
Venezuela —que sobrevive a uma tragédia econômica e social que submete toda uma
população a privações humilhantes ou à fuga desesperada para o exílio.
STF evita por pouco manobra política inconstitucional – Opinião | Valor Econômico
O
comando das Casas do Congresso é vital para Bolsonaro para a corrida à
reeleição
Não
durou mais do que um fim de semana a tentativa de garantir a reeleição dos
presidentes da Câmara e do Senado passando-se por cima da Constituição -
iniciativa surpreendentemente endossada por alguns ministros do Supremo
Tribunal Federal. O relator Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e
Alexandre Moraes não viram problemas na recondução, que contraria claramente o
parágrafo 4º do artigo 57. Kassio Nunes Marques, primeira indicação do
presidente Jair Bolsonaro ao STF, votou pela reeleição seletiva - Rodrigo Maia,
desafeto do governo, não poderia, mas Davi Alcolumbre, escorregadio em suas
relações com o Planalto, poderia, como o núcleo político do presidente gostaria
que ocorresse. Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, últimos a votar, fecharam o
placar contra uma decisão inglória.
Em
uma determinação que não deixa margens à dúvida - “a norma é clara, o português
direto e objetivo”, disse o ministro Marco Aurélio Mello - não haveria muito o
que decidir sobre o texto constitucional, apenas fazê-lo cumprir, que é a
missão do STF. Pode-se argumentar por horas, com alguma lógica, de que a partir
da permissão da reeleição do presidente da República, o veto à reeleição no
comando das Casas do Congresso perdeu razão de ser. Se esse for o entendimento,
a única saída para o Congresso é votar uma proposta de emenda constitucional
que revogue o dispositivo e inscreva outro em seu lugar.
Essa
interpretação simples não daria conta de atender, porém, à determinação prévia
de alguns ministros em permitir que os dois atuais ocupantes dos cargos fossem
reconduzidos. Não há como contornar a clareza da Constituição a respeito do que
se viu nos votos favoráveis, como os do relator Gilmar Mendes, é uma enorme e
convoluta desconversa. Mendes começou com a necessidade de “harmonização” com
os princípios de autonomia das Casas do Congresso, de um “espaço de conformação
institucional amplo”. Concluiu que se deveria deixar o Congresso fazer o que
quisesse e não o que prescreve a Constituição, que rege os três Poderes.
Mendes,
que já interferiu em decisões do Congresso várias vezes, apresentou motivos
para que os ministros do STF possam interpretar a Constituição a seu bel
prazer. “O afastamento da letra da Constituição pode muito bem promover
objetivos constitucionais de elevado peso normativo, e assim esteirar-se em
princípios de centralidade inconteste ao ordenamento jurídico”, escreveu. A
grandiloquência não condiz com o objeto da discussão. Dá a entender que há
infinitamente mais em jogo no destino da nação do que a manobra para preservar
poder político de apenas duas pessoas.
A
ação que o STF julgou foi movida pelo PTB, da base de Bolsonaro, para que fosse
“afastada qualquer interpretação inconstitucional” sobre a reeleição. Quase o
partido ganhou uma de presente, escrita pelos próprios membros do Supremo. O
episódio desmoralizaria o STF pela manobra política que lhe deveria ser alheia
- o simples fato de que deputados e senadores não conseguiriam acordo para
votar uma PEC sobre o assunto. A solução foi voltar-se ao Supremo, que não se
furtara a atropelar o Legislativo antes.
Há
mais do que idiossincrasias jurídicas nas decisões de alguns ministros do STF,
cujas teses usam argumentos de acordo com conveniências. Membros da Segunda Turma,
que têm jogado duro com os acusados pela Lava-Jato e ganharam a pecha de
“garantistas” por colocar acima de tudo o que diz a Constituição, como Ricardo
Lewandowski, o Gilmar Mendes de hoje e Dias Toffoli, simplesmente ignoraram a
letra da lei magna. Para Mendes, sequer é necessário uma PEC para alterar a
Constituição. “Interesses momentâneos”, como afirmou Marco Aurelio.
O
comando das Casas do Congresso é vital para Bolsonaro para a corrida à
reeleição e para evitar um processo de impeachment. Desalojar Maia é o objetivo
da manobra, e substitui-lo por Arthur Lira, do centrão, mesmo sob o encalço da
Justiça, que o investiga, entre outros motivos, por participar de
“rachadinhas”.
Com a decisão restauradora do STF, a disputa segue seu curso. Maia quer indicar alguém que “mantenha a Câmara independente”, Lira quer atrelá-la ao continuísmo bolsonarista. No Senado, não há clareza sobre quem pretende o poder. O resultado ainda é imprevisível. Se houve algum dia dúvida sobre o que fará o político que ocupará a terceira posição na sucessão da República, basta lembrar-se dos estragos que Eduardo Cunha causou no governo de Dilma Rousseff.
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