terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Decisão do STF reafirma sua independência – Opinião | O Globo

Não foi a circunstância política que determinou a derrota da proposta de reeleição de Alcolumbre e Maia

O Supremo surpreendeu aqueles que esperavam que referendasse a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ambos do DEM, à presidência das duas Casas do Congresso. Embora ministros possam mudar de voto até dia 14 se quiserem, a maioria de seis votos a cinco já afirmou preferir a interpretação literal do artigo 57 da Constituição. O texto não parece deixar margem a dúvida ao estabelecer que Câmara e Senado, a partir de 1º de fevereiro do primeiro ano de uma nova legislatura, devem escolher e empossar os parlamentares que comporão as respectivas Mesas, para mandato de dois anos, “vedada recondução para os mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente”. Mesmo assim, havia outras interpretações.

O ministro Gilmar Mendes, relator da ação do PTB contra a reeleição, entendeu que ela poderia ser estabelecida por um ato regimental do próprio Congresso — favorecendo um novo mandato a Maia e Alcolumbre. Considerou também que, a partir da próxima legislatura, deveria valer o mesmo princípio que vigora no Executivo desde 1997, quando foi aprovada a emenda que estabeleceu a reeleição do presidente da República por um único mandato. O ministro Nunes Marques sugeriu que esse princípio deveria valer desde já (solução que permitiria a recondução de Alcolumbre, mas não a de Maia, agastado com o Planalto).

Depois que os ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Nunes Marques — este, em parte — e Alexandre de Moraes haviam seguido o relator, a maioria decidiu no final, com o voto do presidente da Corte, Luiz Fux, que se somou aos de Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso, que, se quiser reeleger seus comandantes, o Congresso precisa emendar a Constituição para permiti-lo, sem lançar mão daquilo que Fux chamou de “atalho” ao Judiciário.

Barroso, contudo, mesmo tendo preferido interpretar a Carta ao pé da letra e vedar as reeleições, afirmou que poderia haver situações que justificassem outra interpretação do texto constitucional diante dos fatos ou da evolução da sociedade, a que chamou de “mutação constitucional”.

O julgamento, realizado no plenário virtual, em que os ministros publicam os votos por escrito, sem debate, tratou de assunto de interesse imediato do presidente Jair Bolsonaro, que tem em Maia um rival político e investe numa aliança com o Centrão. Embora possa ter interferido neste ou naquele voto, não foi essa circunstância política que determinou a escolha do Supremo. Trata-se, ao contrário, de uma decisão tomada pelo tribunal de modo independente, como reflexo do amadurecimento das instituições no Brasil.

Por mais que possam favorecer este ou aquele grupo político, as decisões do STF devem mesmo se pautar pela independência. Explicitadas as divergências, é a maioria do tribunal que tem a prerrogativa de interpretar a Constituição. Foi o que fizeram os ministros, ao trazer clareza a uma questão que despertava controvérsia. Não há mais margem para dúvida agora.

Estado precisa ter um plano para conter a tragédia das balas perdidas – Opinião | O Globo

Na sexta-feira, duas meninas foram mortas quando brincavam na porta de casa, na Baixada

As meninas Emilly Victoria da Silva Moreira Santos, de 4 anos, e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, de 7, são as mais novas vítimas numa estatística ignóbil que o Rio não consegue conter. Na noite de sexta-feira, as primas foram mortas por balas perdidas quando brincavam na porta de casa, na comunidade Barro Vermelho, em Caxias. Havia cinco PMs no local, mas eles negam que tenham atirado. Lídia da Silva Moreira Santos, avó de Rebecca, afirma ter visto os policiais dando uma rajada de tiros em direção à rua onde elas estavam.

É fundamental que a polícia esclareça o que ocorreu. Os fuzis e as pistolas que estavam com os PMs foram apreendidos. Passarão por perícia, como manda o protocolo. Os agentes prestaram depoimento na Delegacia de Homicídios da Baixada e negaram participação no crime. Segundo moradores, no momento em que as meninas foram baleadas não havia operação na comunidade. Espera-se, no mínimo, que os responsáveis pelas mortes sejam identificados e punidos.

Mas só isso não resolve. É preciso interromper o ciclo macabro. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, 22 crianças ou adolescentes foram atingidos por balas perdidas este ano no estado, e oito morreram. Não é possível que alguém ache isso normal. Mal começara o ano, a menina Anna Carolina de Souza Neves, de 8 anos, foi baleada no sofá de casa, em Belford Roxo. No fim de janeiro, Arthur Gonçalves Monteiro, de 5, foi ferido na cabeça ao acompanhar o pai numa partida de futebol no Morro São João, Engenho Novo.

Famílias são destruídas, a sociedade protesta, mas logo surge uma nova história trágica para fazer esquecer a anterior. Raramente chega-se à autoria dos crimes. Em 9 de outubro, o menino Leônidas Augusto da Silva de Oliveira, de 12 anos, foi alvejado quando estava com a avó em frente a um supermercado na Avenida Brasil. Após o sepultamento, um primo do menino, Guilherme Lopes, fez a pergunta perturbadora: “Quantas crianças mais a gente vai perder para a violência por omissão do Estado?”. Dois meses depois, a resposta é o silêncio.

As economias que a família de Emilly guardara para o aniversário de 5 anos, no dia 23, foram usadas para enterrá-la, no sábado, com o mesmo vestido de princesa da Disney que ela sonhava usar na festa. Que Estado é este, que extermina o futuro de suas crianças, que transforma os mais inocentes contos de fada em histórias brutais de horror?

No domingo, numa rede social, o governador em exercício, Cláudio Castro, lamentou as mortes, solidarizou-se com as famílias e disse que o Estado dará uma resposta à sociedade. É necessário ir além. Ele precisa definir o plano do governo para acabar com essa infâmia que envergonha o Rio.

A Lei de Responsabilidade Social – Opinião | O Estado de S. Paulo

A LRS tenta reduzir a desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto no desenvolvimento

O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) apresentou um projeto que cria a Lei de Responsabilidade Social (LRS). A importante iniciativa estabelece como metas a redução da pobreza e da miséria, que antes da pandemia já atingiam respectivamente 12,3% e 6,4% da população, para 10% e 2% em três anos. Além disso, prevê o acionamento de gatilhos no caso de frustração das metas.

A LRS responde à urgência imediata provocada pela pandemia, mas vai além, ao tentar reduzir a crônica desigualdade socioeconômica no País, que tem impacto no desenvolvimento e fomenta a demagogia.

Em todo o mundo a pandemia avivou o debate sobre o papel do Estado na proteção aos vulneráveis e no fomento à sua emancipação. Ao mesmo tempo, a crise sanitária e econômica se sobrepôs a uma crise de representatividade, que reflete a desconfiança da sociedade ante elites políticas incapazes de responder às suas angústias canalizando seus impostos em políticas públicas efetivas, e cujo lado sombrio se caracteriza pela ascensão dos populismos.

No Brasil, o quadro é agravado por estruturas que perpetuam a imobilidade social, mal tocada por programas de transferência de renda que só se prestaram a criar currais eleitorais para seus padrinhos.

O projeto apresentado no Senado aparentemente vai numa direção diferente, a começar pelas condições para sua consecução, a saber, os dois alicerces da lei: o estrito respeito às regras do processo legislativo, orçamentário, financeiro e fiscal e uma arquitetura que diferencia, integra e racionaliza ações de transferência de renda; mitigação e flutuação de renda; estímulo à emancipação econômica; e promoção da igualdade de oportunidades. Somente combinados esses fundamentos podem promover a expansão sustentável da rede de proteção.

Programas assistenciais improvisados, sem o controle da dívida pública, acabariam por gerar o efeito reverso: baixo crescimento econômico e inflação, afetando, sobretudo, os mais pobres. Ao mesmo tempo, é indispensável diagnosticar as formas de vulnerabilidade e seus remédios.

A situação das famílias em pobreza extrema e estrutural, necessitadas de transferências regulares de renda que garantam sua subsistência e dignidade, é diversa da daquelas famílias que em condições normais geram renda e se mantêm acima da linha da pobreza, mas que em momentos de choque precisam de uma espécie de seguro que suplemente suas perdas. Entre os dois polos, há o contingente de informais com capacidade de gerar renda, mas sujeitos à volatilidade de seus rendimentos sem as tradicionais proteções aos assalariados.

Assim, a LRS prevê três benefícios para substituir o Bolsa Família: o Benefício de Renda Mínima, para os extremamente pobres; o Programa Poupança Seguro Família, para os trabalhadores de baixa renda, incluindo os informais; e a poupança Mais Educação, para os jovens que se formam para integrar o mercado de trabalho.

Muito além dos méritos sociais da proposta, ela é um sinal salutar de protagonismo da sociedade civil e de revigoramento das forças políticas. O projeto foi elaborado pelo senador Tasso Jereissati com base numa proposta do Centro de Debates de Políticas Públicas.

O senador e seus colaboradores representam o Congresso que funciona, o mesmo que aprovou a reforma da Previdência e o Marco do Saneamento (que, por sinal, contou com atuação decisiva de Jereissati), operando à margem da inépcia do governo e contra suas manobras populistas. Dos R$ 46 bilhões previstos para o custeio do programa, cerca de R$ 35 bilhões viriam do Bolsa Família e o restante seria gerado pelo remanejamento de emendas parlamentares, ou seja, por meio de negociações políticas, de modo a mantê-lo dentro do teto de gastos.

Assim, às vésperas de um 2021 turbulento, a LRS se apresenta não só como um mecanismo eficiente para responder às mazelas sociais crônicas agravadas pela pandemia, mas como uma expressão da conciliação entre a genuína cidadania e a boa política, aquela construída a partir de negociações entre os representantes eleitos em resposta aos apelos da sociedade civil.

Vitória apertada da Constituição – Opinião | O Estado de S. Paulo

É o exercício do poder que deve se submeter, sem exceções, à Carta, e não o contrário

Por maioria de votos, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) pôs fim à manobra inconstitucional que tentava abrir a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Seis ministros entenderam que o texto do art. 57, § 4.º da Constituição – “vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente” – não permite interpretação autorizando a reeleição da presidência das Casas Legislativas.

Foi uma vitória importante da Constituição. Em primeiro lugar, mostra que, apesar dos pesares, o Supremo respeita o texto constitucional, sem tolerar interpretações que na prática negam o conteúdo e o sentido da norma escrita. Além de aportar segurança jurídica, a defesa da Constituição relembra a existência de limites claros a quem deseja que o Direito se curve a suas pretensões de poder. Num Estado Democrático de Direito, é o exercício do poder que deve se submeter, sem exceções, à Constituição, e não o contrário.

Além disso, ao mostrar que as regras do jogo são claras, sem margem para novas interpretações, a decisão do Supremo é uma contribuição para o bom andamento dos trabalhos do Legislativo. Por exemplo, não há mais motivo para que a pauta do Senado fique condicionada às pretensões do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de se manter no cargo por mais dois anos. Com a reafirmação da validade do art. 57, § 4.º da Constituição, o STF permite que o Congresso esteja voltado à análise e votação dos projetos e reformas de que o País precisa.

Especialmente neste momento, com a pandemia de covid-19 a exigir atuação coordenada e diligente do poder público, além dos muitos desafios sociais e econômicos a serem enfrentados, a conclusão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 6.524 representa uma excelente notícia para o País. Mas é preciso reconhecer que a margem apertada do resultado, com cinco ministros defendendo relevar o texto constitucional, traz preocupações e suscita reflexão.

Cinco ministros do STF entenderam que faz parte de sua competência jurisdicional suspender a aplicação de parte da Constituição, reescrevendo-a, quando, segundo seu juízo, determinada conjuntura política assim o recomendar. Sob essa estranha lógica, o critério decisório do Judiciário não estaria determinado pelo Direito, mas poderia ser revisto, atualizado ou mesmo inventado por um magistrado. Trata-se de tese perigosa. No regime democrático, quem faz as leis, ou quem altera a Constituição, é quem recebeu, pelo voto popular, tal atribuição.

Também causou perplexidade o fato de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Advocacia-Geral da União (AGU) deram, em alguma medida, aval à possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. Em suas manifestações na Adin 6.524, PGR e AGU alegaram que a decisão sobre o tema cabia ao Congresso, e não ao Judiciário, por força do princípio da separação dos Poderes. Vale lembrar que a missão da PGR, órgão máximo do Ministério Público, é defender a ordem jurídica e o regime democrático, e não interesses políticos que afrontam precisamente essa ordem jurídica.

A AGU é a instituição que representa a União judicial e extrajudicialmente. Sua manifestação no caso é, assim, registro da participação do Palácio do Planalto na manobra para descumprir a Constituição, fazendo-se submisso às mais deletérias pressões políticas. Para apoiar as pretensões de Davi Alcolumbre, o Executivo federal não teve receio de ignorar o Direito.

Conjunturas políticas não podem prevalecer sobre a Constituição. “É inaceitável que as Casas Legislativas disponham conforme as conveniências reinantes, cada qual adotando um critério, ao bel-prazer, à luz de interesses momentâneos”, disse o ministro Marco Aurélio, no voto que abriu divergência e acabou por sagrar-se vencedor.

Ao contrário do que insinuam as teses autoritárias, crises ou tempos atribulados não são desculpa para desvios à margem da Constituição. Como lembrou o Supremo, o único caminho é o cumprimento do Direito, sem exceções.

A importância do SUS – Opinião | O Estado de S. Paulo

Cerca de 64% da população depende exclusivamente do atendimento pelo SUS

A emergência sanitária provocada pela pandemia de covid-19 tornou ainda mais evidente a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para a preservação da qualidade de vida e da própria vida de milhões de brasileiros. Quase dois anos antes do surgimento no País dos primeiros casos de infecção pela covid-19, mais de 133 milhões de pessoas não tinham nenhum integrante da família com algum plano de saúde. Essas pessoas dependiam exclusivamente do atendimento pelo SUS. O número corresponde a praticamente 64% da população estimada em 2018, de 208,5 milhões de habitantes. Os dados fazem parte da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 – Perfil das Despesas no Brasil que acaba de ser divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A POF, como é conhecida a pesquisa, contém dados importantes sobre as condições de vida da população. Ela descreve como as diferentes despesas das famílias pesam na composição do orçamento doméstico. O peso de cada item de gasto nas despesas gerais das famílias de acordo com suas classes de renda é utilizado na composição dos principais índices de inflação calculados pelo IBGE, como o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador da variação dos preços no País e baliza da política de metas inflacionárias do Banco Central. Os resultados da POF são utilizados também na montagem e execução de diferentes políticas públicas, sobretudo na área social.

Num ano definitiva e dramaticamente marcado pela crise de saúde, que afetou a vida das pessoas e fez despencar a atividade econômica, os dados sobre a relevância do papel que, há tempos, o SUS vem desempenhando no atendimento de milhões de pessoas são de grande relevância. “Esse dado (sobre o número de brasileiros que dependem exclusivamente do sistema público de saúde) já nos dá um panorama da importância do SUS para as famílias”, destaca o estudo do IBGE.

Se essas pessoas tivessem de arcar com gastos com planos de saúde ou com tratamento médico privado, haveria “efeitos perversos na estrutura de gastos das famílias, ou seja, mudança de alocações orçamentárias para garantir o acesso à saúde privada, diminuindo a demanda por outros bens e serviços”.

Além de reafirmar, com dados expressivos, o papel do SUS mesmo antes da pandemia, que o acentuou, a POF contém outras informações relevantes sobre a renda e as condições de vida dos brasileiros.

Na estrutura orçamentária das famílias brasileiras, a habitação responde pela maior parcela dos gastos de consumo. Seguem-se transporte e alimentação. Parte dos brasileiros tem gastos muito altos com moradia. Para 1,7% das pessoas, o custo do aluguel passava de um terço da renda familiar disponível, o que o estudo do IBGE considera “ônus excessivo”.

Embora se gaste boa parte do orçamento doméstico com habitação, ainda há milhões de brasileiros que moram em condições inadequadas. Segundo a POF, 23,5% da população não vive em moradia plenamente adequada. São cerca de 50 milhões de pessoas nessa condição.

O IBGE considera inadequado o domicílio que tenha pelo menos uma das características como parede sem revestimento; madeira aproveitada ou outro material; telha sem laje; piso de cimento, terra ou outro material; e domicílio sem banheiro exclusivo. Se a classificação de habitação inadequada incluísse falta de serviços de saneamento básico, como coleta e tratamento de esgotos, o porcentual seria bem maior.

Nem quem vive em habitações de melhor qualidade tem mais segurança. Segundo o IBGE, 79 milhões de pessoas vivem em domicílios em regiões afetadas por violência ou vandalismo.

Quanto à renda, a POF constatou que cerca de 30% da população com menor rendimento no País vivia com menos do que considerava necessário para chegar ao fim do mês. Já a renda mínima declarada pelos 10% com os maiores rendimentos era 8,5 vezes maior do que a dos 10% com menores rendimentos.

Por um triz – Opinião | Folha de S. Paulo

Maioria salva o STF de subverter vedação da Carta à reeleição no Legislativo

O parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição Federal é cristalino: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A reeleição para os cargos de presidente da Câmara e do Senado está expressamente proibida. Desde 1999 estabeleceu-se a prática, coerente com a orientação do dispositivo constitucional, de possibilitar a recondução para o início de uma nova legislatura, quando toda a Casa dos deputados e parte da dos senadores acabaram de ser renovadas pelo voto popular.

Diante da impossibilidade, restaria aos inconformados apenas o caminho de tentar alterar o texto da Carta por uma emenda. Não no Brasil, onde questões eminentemente políticas costumam ser decididas pelo juízo da corte constitucional. Por um triz o STF deixou de abonar esse hábito casuístico.

Por 6 votos a 5, num julgamento no plenário virtual, a corte manteve o primado da gramática e da sintaxe da lei fundamental sobre interesses oportunistas inclinados a atropelá-las em nome de facultar nova eleição aos demistas Davi Alcolumbre (AP), no Senado, e Rodrigo Maia (RJ), na Câmara.

Que um partido político, o PTB, tenha deflagrado a operação ao provocar o Supremo, faz parte do jogo. Anomalia foi cinco ministros aceitarem debater a tese —a sigla do notório Roberto Jefferson queria proibir recondução inclusive em legislatura diferente— para colocar de ponta-cabeça uma ordem solar da Constituição de 1988.

Gilmar Mendes, relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski chegaram a conclusão esdrúxula —citando autonomia do Legislativo e o fato de a reeleição ter passado a ser válida para o Executivo—, a qual na prática liberava a recondução dos atuais presidentes da Câmara e do Senado em fevereiro próximo.

Superou-os, na criatividade destruidora da vontade do constituinte, o novato Kassio Nunes. Para o ministro, cabia facultar a reeleição só a Alcolumbre, um dos facilitadores da sua ascensão à corte, não a Maia. Começou mal para alguém que ainda precisa demonstrar independência ante o presidente Jair Bolsonaro, a quem interessava manter Alcolumbre.

Submissão às regras do jogo e aos protocolos para alterá-las constitui pilar do desenvolvimento político, social e econômico.

Poderia até ser conveniente, para continuar a repressão ao autoritarismo de Bolsonaro, a manutenção dos atuais presidentes do Legislativo —sobretudo de Maia, que tem atuado como primeiro-ministro de fato e barrado as loucuras mais patentes do Planalto.

Não se combatem, entretanto, os adversários da democracia liberal com os instrumentos deles.

Mais uma farsa – Opinião | Folha de S. Paulo

Com pleito sem oposicionistas e interesse popular, Maduro retoma Assembleia

Se havia ainda algum resquício de democracia na Venezuela, foi enterrado no domingo (6). Para a surpresa de ninguém, o regime do ditador Nicolás Maduro retomou o controle da Assembleia Nacional numa votação que pode ser qualificada de muitas maneiras, mas não de limpa, livre e justa.

O simulacro eleitoral promovido por Maduro e seus sequazes não contou com os principais partidos da oposição —que ou foram retirados da disputa ou desistiram de participar ante as irregularidades dos pleitos anteriores. A presença de observadores internacionais terminou reduzida a um punhado de simpatizantes do chavismo.

Soma-se a isso o fato de que a eleição foi convocada por um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) escolhido de modo irregular, sem a chancela do Parlamento, como determina a Constituição, e apenas com membros vinculados à ditadura.

Não surpreende, pois, o desinteresse da população no pleito. Malgrado os esforços do regime, que distribuiu porções extras de comida para aqueles que foram votar, somente 31% dos eleitores compareceram às urnas, segundo o CNE.

Trata-se da última de uma série de manobras capitaneadas por Maduro com o objetivo de anular a contundente vitória oposicionista na eleição legislativa de 2015, último sufrágio venezuelano que pode ser considerado justo.

Desde então, as decisões do Parlamento passaram a ser invalidadas pela Justiça, sob domínio chavista. Num passo seguinte, o regime elegeu em 2017 um Congresso paralelo, que usurpou as funções da Assembleia Nacional.

Com os desmandos institucionais, intensificou-se a perseguição de lideranças da oposição. O novo avanço deve marcar o ocaso de um já débil Juan Guaidó, o deputado oposicionista que em 2019 se autoproclamou presidente interino.

Embora tenha conquistado o reconhecimento de mais de 50 países, Guaidó, uma vez fora do Legislativo, inevitavelmente perderá força para enfrentar o regime.

Não se vê, assim, um horizonte claro para o esgotamento do autoritarismo na Venezuela —que sobrevive a uma tragédia econômica e social que submete toda uma população a privações humilhantes ou à fuga desesperada para o exílio.

STF evita por pouco manobra política inconstitucional – Opinião | Valor Econômico

O comando das Casas do Congresso é vital para Bolsonaro para a corrida à reeleição

Não durou mais do que um fim de semana a tentativa de garantir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado passando-se por cima da Constituição - iniciativa surpreendentemente endossada por alguns ministros do Supremo Tribunal Federal. O relator Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Alexandre Moraes não viram problemas na recondução, que contraria claramente o parágrafo 4º do artigo 57. Kassio Nunes Marques, primeira indicação do presidente Jair Bolsonaro ao STF, votou pela reeleição seletiva - Rodrigo Maia, desafeto do governo, não poderia, mas Davi Alcolumbre, escorregadio em suas relações com o Planalto, poderia, como o núcleo político do presidente gostaria que ocorresse. Luiz Fux e Luis Roberto Barroso, últimos a votar, fecharam o placar contra uma decisão inglória.

Em uma determinação que não deixa margens à dúvida - “a norma é clara, o português direto e objetivo”, disse o ministro Marco Aurélio Mello - não haveria muito o que decidir sobre o texto constitucional, apenas fazê-lo cumprir, que é a missão do STF. Pode-se argumentar por horas, com alguma lógica, de que a partir da permissão da reeleição do presidente da República, o veto à reeleição no comando das Casas do Congresso perdeu razão de ser. Se esse for o entendimento, a única saída para o Congresso é votar uma proposta de emenda constitucional que revogue o dispositivo e inscreva outro em seu lugar.

Essa interpretação simples não daria conta de atender, porém, à determinação prévia de alguns ministros em permitir que os dois atuais ocupantes dos cargos fossem reconduzidos. Não há como contornar a clareza da Constituição a respeito do que se viu nos votos favoráveis, como os do relator Gilmar Mendes, é uma enorme e convoluta desconversa. Mendes começou com a necessidade de “harmonização” com os princípios de autonomia das Casas do Congresso, de um “espaço de conformação institucional amplo”. Concluiu que se deveria deixar o Congresso fazer o que quisesse e não o que prescreve a Constituição, que rege os três Poderes.

Mendes, que já interferiu em decisões do Congresso várias vezes, apresentou motivos para que os ministros do STF possam interpretar a Constituição a seu bel prazer. “O afastamento da letra da Constituição pode muito bem promover objetivos constitucionais de elevado peso normativo, e assim esteirar-se em princípios de centralidade inconteste ao ordenamento jurídico”, escreveu. A grandiloquência não condiz com o objeto da discussão. Dá a entender que há infinitamente mais em jogo no destino da nação do que a manobra para preservar poder político de apenas duas pessoas.

A ação que o STF julgou foi movida pelo PTB, da base de Bolsonaro, para que fosse “afastada qualquer interpretação inconstitucional” sobre a reeleição. Quase o partido ganhou uma de presente, escrita pelos próprios membros do Supremo. O episódio desmoralizaria o STF pela manobra política que lhe deveria ser alheia - o simples fato de que deputados e senadores não conseguiriam acordo para votar uma PEC sobre o assunto. A solução foi voltar-se ao Supremo, que não se furtara a atropelar o Legislativo antes.

Há mais do que idiossincrasias jurídicas nas decisões de alguns ministros do STF, cujas teses usam argumentos de acordo com conveniências. Membros da Segunda Turma, que têm jogado duro com os acusados pela Lava-Jato e ganharam a pecha de “garantistas” por colocar acima de tudo o que diz a Constituição, como Ricardo Lewandowski, o Gilmar Mendes de hoje e Dias Toffoli, simplesmente ignoraram a letra da lei magna. Para Mendes, sequer é necessário uma PEC para alterar a Constituição. “Interesses momentâneos”, como afirmou Marco Aurelio.

O comando das Casas do Congresso é vital para Bolsonaro para a corrida à reeleição e para evitar um processo de impeachment. Desalojar Maia é o objetivo da manobra, e substitui-lo por Arthur Lira, do centrão, mesmo sob o encalço da Justiça, que o investiga, entre outros motivos, por participar de “rachadinhas”.

Com a decisão restauradora do STF, a disputa segue seu curso. Maia quer indicar alguém que “mantenha a Câmara independente”, Lira quer atrelá-la ao continuísmo bolsonarista. No Senado, não há clareza sobre quem pretende o poder. O resultado ainda é imprevisível. Se houve algum dia dúvida sobre o que fará o político que ocupará a terceira posição na sucessão da República, basta lembrar-se dos estragos que Eduardo Cunha causou no governo de Dilma Rousseff.

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