O
debate sobre a sucessão no Congresso criou para o Brasil um estranho e perigoso
momento. A posição certa foi a que prevaleceu, felizmente, porque não é preciso
ser um jurista para saber o que significa a palavra “vedado”. E desrespeitar a
Constituição é um caminho sem volta. O problema é que cinco ministros acharam
que era possível outra interpretação que não a que permite a literalidade da
lei. O novo ministro Kassio Nunes fez um contorcionismo no seu voto para
deixá-lo sob medida para o que o presidente da República queria.
O
primeiro erro de todo esse debate está na consulta ao Supremo Tribunal Federal
(STF) para interpretar um artigo que não tinha qualquer ambiguidade, não era
passível de interpretação porque era autoexplicativo. Se procuraram o STF é pelo
excesso de judicialização da política, como alertou o presidente do Supremo no
seu voto.
Houve um momento em que se dizia que o STF consideraria o assunto interna corporis e um novo mandato para os presidentes das duas Casas seria possível com apenas uma mudança regimental. Felizmente, essa horripilante ideia foi afastada. Afinal, se um regimento interno pudesse mudar a Constituição o Brasil estaria no pior dos mundos.
A
proposta que foi derrotada era bem mais sofisticada, mesmo assim contornava o
incontornável. A palavra escrita na Carta de 1988 é “vedado”. Sim, essa
proibição foi herdada da constituição imposta pela ditadura, mas foi aceita
pela constituição democrática. Não pode uma interpretação ser o oposto do que
está escrito, como disse a ministra Cármen Lúcia no seu voto, ao falar da
vedação expressa de um novo mandato aos chefes do legislativo: “Desconhecê-la
ou desprezá-la para estabelecer-se outra em seu lugar ao argumento de se estar
a interpretá-la é inviável juridicamente.”
Um
detalhe curioso desse julgamento é que o ministro Marco Aurélio Mello abriu a
divergência. E acabou com a maioria. Normalmente ele o faz para ficar só. Desta
vez teve companhia majoritária. Mas não se pode esquecer que cinco ministros
consideraram que era possível dar outro sentido à palavra “vedado”. Um desses
cinco é o recém-chegado que mostrou que fez um voto recortado: ele permitia a
reeleição de senador Alcolumbre, que tem sido mais ligado ao executivo, mas não
do deputado Rodrigo Maia, que tem sido mais independente. Passou a sensação de
que estão certos os que julgam que ele no STF vai cumprir tarefa. A de agradar
o governante que o indicou.
Nesse
fim de semana, nas horas que antecederam os votos dos ministros Edson Fachin,
Luis Roberto Barroso e Luiz Fux, houve o seguinte: militantes anônimos das
milícias digitais voltaram a defender aquilo que diziam nas passeatas
antidemocráticas das quais Bolsonaro participou. Aproveitaram o sentimento de
insatisfação e defenderam que os militares fechassem o STF, já que o Supremo
estaria “contra a Constituição”. Em grupos de Whatsapp circulava uma convocação
aos generais. As ideias que o presidente plantou em seus seguidores estão
apenas à espera de uma oportunidade para voltarem à tona.
Isso
fez com que as pessoas que defendem a Constituição — por convicção e por
princípio — estivessem na desconfortável companhia de quem gostaria muito de
rasgá-la. E isso porque, para os bolsonaristas, o respeito ao espírito da lei
acabou por abrir a chance de ter um presidente da Câmara submisso ao executivo.
E isso é o que acontecerá se alguns dos candidatos que se apresentam
conseguirem votos suficientes, entre eles o mais evidente é o deputado Arthur
Lira (PP-AL), candidato dos Bolsonaros. Lira foi objeto de um benefício
estranho com a anulação do processo em Alagoas. Mas há outras ações contra ele
no STF.
O veredito do STF já foi dado mas será proclamado na sexta-feira. Ninguém acredita em mudança de voto, mas permanece o desconforto de ter havido quatro votos na primeira hora contra o texto expresso. E mais o quinto voto de encomenda. “Estamos aos soluços, comemorando ter sobrevivido a cada sobressalto”, me disse uma autoridade que vê tudo com muita preocupação. Essa questão era simples, no início. Bastava ler a lei. Mas, pelo extremo da hora que vivemos, virou mais um momento de tensão institucional. Os que trabalham para solapar a ordem constitucional viram nessa hesitação do Supremo uma oportunidade. E eles continuam tramando. Eles não descansam.
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